- Folha de S. Paulo
O debate sobre os rumos da recuperação econômica está posto
As reações desatinadas de Bolsonaro diante da destruição da floresta amazônica e da fragilização do Ibama e dos instrumentos de monitoramento da área —perpetrados pelo mesmo ministro Ricardo Salles que dá carona a garimpeiro ilegal em voo da FAB— e os vexames internacionais do despauterado colega Ernesto Araújo não produziram apenas o desastre que desejavam. Desencadearam reações que estão mudando os termos do debate no Brasil.
No ano passado, as queimadas alimentaram a grita no exterior não só de personalidades e organizações da sociedade civil mas de políticos e governantes, como o presidente da França, Emmanuel Macron. Neste ano, um grande fundo global de investimento deu a saber que o compromisso com a sustentabilidade é condição para fazer negócios com o país. De seu lado, a chanceler alemã Angela Merkel alertou que, pela mesma razão, o acordo Mercosul-União Europeia está em perigo.
O alarme externo parece ter dado força a importantes manifestações locais. Já não se trata apenas de proteger nosso patrimônio de florestas e biodiversidade, mas de associar sustentabilidade e crescimento econômico.
Em 2019, o cientista Carlos Nobre lançou a proposta "Amazonia 4.0", fornecendo uma alternativa à exploração predatória da região por meio da bioeconomia de alto conteúdo tecnológico. Agora, impulsionada pelo desafio da recuperação econômica pós-pandemia, a discussão se ampliou. Nessa linha, ex-ministros da Economia e ex-presidentes do Banco Central divulgaram documento intitulado "Convergência pelo Brasil". E presidentes de três grandes bancos comerciais anunciaram um plano para apoiar investimentos sustentáveis na Amazônia.
Ninguém foi mais longe do que o World Resources Institute WRI-Brasil, com o ambicioso texto "Uma nova economia para uma nova era", fruto da cooperação entre universidades públicas, organizações empresariais e o Ipea. Ali se propõe que a retomada da economia se assente em três pilares: infraestrutura resiliente a catástrofes climáticas; inovação industrial com abordagens e tecnologias verdes; agricultura sustentável. É notável o esforço por gerar alternativas e calcular custos.
Estudiosos de políticas públicas argumentam que grandes mudanças de rumo são sempre muito difíceis. Têm contra si ideias estabelecidas, legados institucionais e inércia burocrática. Nossas conhecidas limitações fiscais tampouco favorecem transformações de vulto.
Mas o debate sobre os rumos da recuperação econômica está posto. Não é bom que ignore os desafios da sustentabilidade. Afinal, o clima mudou lá fora e aqui.
*Maria Hermínia Tavares, professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.
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