quinta-feira, 27 de agosto de 2020

Perdido no espaço – Editorial | O Estado de S. Paulo

O Brasil não precisa de “big bang”. Precisa de governo que atue para mitigar a crise, promova reformas e demonstre racionalidade

O “big bang” que o ministro da Economia, Paulo Guedes, prometeu para a terça-feira passada não aconteceu. A julgar pelo nome que o ministro deu à iniciativa, esperava-se uma apoteose de medidas destinadas a relançar a economia no pós-pandemia e colocar o País no rumo da modernidade que o presidente Jair Bolsonaro anunciou na campanha eleitoral. Nada disso aconteceu, como se sabe. Restou somente a sensação de que, do “big bang” cósmico, o governo consegue entregar apenas o caos.

Segundo consta, Bolsonaro achou muito baixo o valor médio de R$ 247 proposto pelo Ministério da Economia para ser pago aos beneficiários do Renda Brasil, um dos principais programas do tal “big bang”. Das duas, uma: ou o presidente havia concordado com tudo o que fora proposto pelo seu ministro da Economia e na última hora mudou de ideia ou o ministro da Economia não combinou com o chefe antes de soltar foguetes a respeito de um plano tão ambicioso que prometia uma revolução copernicana na economia nacional. Seja qual for a hipótese correta, o fato é que estamos diante de um governo perdido no espaço.

De cocriador do universo, Paulo Guedes passou a ministro desautorizado por Bolsonaro em questão de horas. “Ontem (terça-feira) discutimos a possível proposta do Renda Brasil. E eu falei que está suspenso, vamos voltar a conversar”, informou o presidente. Segundo Bolsonaro, a proposta da equipe econômica “não será enviada ao Parlamento”. E explicou: “Não posso tirar de pobres e dar a paupérrimos. Não podemos fazer isso aí”. Era uma referência à engenharia apresentada por Paulo Guedes para financiar o Renda Brasil no montante desejado pelo presidente. Segundo o ministro da Economia, seria preciso acabar com programas sociais considerados “ineficientes” pela equipe econômica, como o abono salarial e o Farmácia Popular.

Compreende-se a reprimenda de Bolsonaro. O presidente quer mais, e não menos, benefícios sociais. Pegou gosto pela popularidade amealhada em razão do auxílio emergencial e enxerga na ampliação do Bolsa Família e em outras iniciativas do gênero um ativo eleitoral que pode ser decisivo. Movido por esse espírito, em que o único horizonte é o das eleições de 2022, Bolsonaro não parece preocupado nem com as restrições orçamentárias nem com a necessidade de discutir melhor os programas sociais que pretende implementar.

Não se cria um programa social bem-sucedido sem um criterioso planejamento, em que se debatem não apenas as fontes de financiamento, mas, sobretudo, os objetivos de longo prazo. O Renda Brasil, ao que consta, não tem nem uma coisa nem outra. É apenas uma forma de obliterar o Bolsa Família lulopetista da memória nacional e em seu lugar fincar uma bandeira social bolsonarista.

O mesmo se verifica com o Casa Verde Amarela, que substituirá o Minha Casa Minha Vida. Por ora, o Casa Verde Amarela se apresenta como pilar do programa Pró-Brasil, destinado a alavancar a economia depois da pandemia. Os nomes patrióticos mal escondem o fato de que se trata de uma demão de tinta auriverde em programas da era petista, sem diferenças significativas. Assim como acontece no Pró-Brasil, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), de Dilma Rousseff, era sustentado pelo programa de habitação popular, que rendeu muitos votos, mas não acelerou o crescimento.

Da perspectiva de Bolsonaro, contudo, nada disso importa. Ele determinou a seu ministro da Economia que encontre a quadratura do círculo, isto é, que faça suas demandas demagógicas caberem num Orçamento cada vez mais apertado, pois assim entende que ganhará o apoio popular de que necessita para atravessar a crise, enfrentar questionamentos sobre milícias, cheques e rachadinhas e tentar tomar o lugar de seu antípoda Lula da Silva como generoso pai dos pobres.

O Brasil não precisa de “big bang”. Precisa somente de um governo que atue decisivamente para mitigar a crise, promova reformas e demonstre racionalidade econômica – e não de um governo que anuncia hipérboles e entrega somente o velho populismo de sempre.

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