- Valor Econômico
Opção do presidente coloca o seu ministro da Economia em uma encruzilhada
A rejeição do presidente Jair Bolsonaro à proposta para turbinar o Renda Brasil, feita pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, acende um alerta sobre o futuro da política econômica do governo. Ao dizer que não pode “tirar de pobres para dar para paupérrimos”, o chefe do Executivo colocou em xeque a estratégia definida por Guedes de aumentar os recursos para o novo programa social do governo, mantendo, ao mesmo tempo, o teto de gastos da União.
Como as despesas públicas estão no limite máximo e não há mais como cortar investimentos ou o custeio da máquina administrativa para acomodar um gasto novo, Guedes definiu uma estratégia de cortar programas sociais existentes, considerados ineficientes, e direcionar o espaço aberto no teto para outro que atinja os mais pobres. Desta forma, não haveria um aumento da despesa total da União, mas apenas um remanejamento das verbas, com melhoria do gasto público.
Bolsonaro rejeitou, principalmente, a proposta de extinção do abono salarial, que concede um salário mínimo por ano aos trabalhadores que ganham até dois pisos. “É um 14º salário e não podemos tirar isso de 12 milhões de famílias para dar para um Bolsa Família ou Renda Família, ou seja lá o que for o nome deste novo programa”, afirmou ontem o presidente, durante cerimônia em Ipatinga (MG).
Ainda não sabemos qual foi a reação do presidente ao resto do cardápio apresentado por Guedes, que envolvia, segundo fontes da área econômica, a extinção do seguro-defeso concedido aos pescadores, o salário família e o Farmácia Popular. Todos são programas destinados aos pobres, mas considerados ineficientes pois não atingem quem mais precisa de ajuda do Estado.
Sabe-se, no entanto, que Bolsonaro não aceitou a proposta feita por Guedes para que o valor do benefício que substituirá o auxílio emergencial de R$ 600 caia para cerca de R$ 250. Achou pouco e quer mais. Ontem, o país tomou conhecimento de que ele não quer cortar os programas que atendem atualmente os pobres e usar o espaço aberto no teto para acomodar o novo benefício.
A mensagem que Bolsonaro passou ao país, portanto, é que ele quer uma despesa nova, adicional ao que já existe. Se é isso, a alternativa desejada pelo presidente inevitavelmente fura o teto de gastos, pois pressupõe o aumento da despesa total da União. Com esta opção, ele colocará o seu ministro da Economia em uma encruzilhada.
Guedes quer preservar o teto em qualquer hipótese, pois acredita que esta é a âncora fiscal que está permitindo ao país conviver com inflação baixa e com juros baixos, os menores da história. Se o presidente insistir na concessão de um benefício cuja despesa não fique dentro do teto, o ministro terá que decidir se pede para sair ou se acomoda no cargo. Ele já deu indicações de que, se não for para fazer o que considera necessário para o país, prefere ir embora.
As declarações de Bolsonaro colocam sérias dúvidas sobre a estratégia de ajuste fiscal que Guedes está traçando para o pós-pandemia. O ministro voltou a trabalhar com a proposta de desindexar as despesas orçamentárias, desvincular as receitas e de desobrigar o governo a realizar gastos - a chamada política dos “3 D”.
No ano passado, Guedes apresentou ao presidente o Plano Mais Brasil, que continha três propostas de emenda constitucional. Duas delas corrigem o teto de gastos, pois da forma como ele está redigido não permite o disparo das medidas de ajuste fiscal. A principal ideia era desvincular as despesas orçamentárias para ganhar espaço no teto de gastos e, com isso, ampliar os investimentos públicos. Bolsonaro rejeitou uma parte significativa da proposta.
Na época, Guedes disse que tinha mantido a indexação do salário mínimo e dos benefícios previdenciários e assistenciais no texto das PECs a pedido do presidente. Ou seja, a tese dos “3 D” tinha sido rejeitada pelo presidente. Agora, a equipe econômica volta com a mesma proposta e com o mesmo objetivo: conseguir espaço no teto de gastos para evitar que os investimentos e o custeio administrativo sejam cortados mais ainda, inviabilizando a execução de serviços públicos.
A primeira pergunta que precisa ser feita é se a proposta dos “3 D” já foi apresentada ao presidente e se ele a aceitou. Não há essa indicação e, pelas declarações de ontem, é difícil acreditar que Bolsonaro tenha mudado de ideia a respeito de desindexar o salário mínimo e os benefícios previdenciários e assistenciais.
A equipe econômica considera indispensável também fazer a reforma administrativa. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), pede insistentemente que Bolsonaro envie o seu projeto ao Congresso. A Constituição estabelece que é iniciativa privativa do presidente propor alterações na estrutura administrativa e de pessoal. Neste caso, portanto, a bola está com o presidente e o jogo não poderá começar se ele não quiser.
Deduções equivocadas
Há um equívoco na informação de que o valor do benefício do Renda Brasil está condicionado ao fim das deduções do Imposto de Renda das Pessoas Físicas (IRPF). Acabar com as deduções aumenta a receita da União, mas não abre espaço no teto de gastos. As deduções são benefícios tributários, subsídios, mas não são despesas primárias. Apenas estas últimas estão submetidas ao teto de gastos.
O problema enfrentado pelo ministro Paulo Guedes não é tanto de financiamento do gasto, mas de espaço para realizar a despesa. Ele, hoje, não tem limite para isso. Se criar ou ampliar uma despesa, terá que cortar outra, pois, do contrário, não respeitará o teto de gastos.
Outra dificuldade é que o fim das deduções do IRPF aumenta a receita da União e dos Estados e municípios. Ou seja, a União ficará com um pouco mais da metade do ganho da receita com o fim dos benefícios. Com base em dados da Receita Federal, o economista Marcos Mendes estimou, em recente estudo para o Insper, que o fim de todos os descontos e abatimentos do IR hoje existentes permitiria aumentar a receita em R$ 53,1 bilhões, mas a União ficaria com R$ 27,1 bilhões. O restante iria para os caixas de Estados e municípios.
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