quinta-feira, 27 de agosto de 2020

Carlos Alberto Sardenberg - Entre CPMF e fura-teto

- O Globo

Ou há uma grande virada no governo, com mais Centrão e menos Guedes, ou não vai sair Renda Brasil

Vamos falar francamente: só tem duas maneiras de financiar o Renda Brasil e aqueles outros programas de gastos — ou criando uma CPMF ainda mais ampla, ou furando o teto de gastos.

O ministro Paulo Guedes já disse que não é um fura-teto, no que tem o apoio explícito do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, um articulador decisivo das votações no Congresso. Já o presidente Bolsonaro prometeu mais de uma vez que não vai recriar a CPMF, no que também tem o apoio de Rodrigo Maia. Este não só anunciou voto contra, como disse que vai lutar no plenário para barrar o imposto.

O presidente Bolsonaro não é de manter promessas ou compromissos, mas os outros dois personagens desta pequena história não podem simplesmente jogar fora seus propósitos.

Logo, não tem saída. Ou há uma troca (Renda Brasil por CPMF) ou não tem dinheiro. Exceto se furar o teto de gastos, mas aí Bolsonaro precisaria substituir Paulo Guedes e derrotar Rodrigo Maia no plenário da Câmara duas vezes, uma para recriar a CPMF, outra para furar o teto.

O Centrão topa as duas coisas, desde que isso garanta gastos e cargos para a clientela.
Tudo considerado, ou Bolsonaro promove uma grande virada no seu governo, com mais Centrão e menos Guedes, ou não vai sair programa algum. Pior: tocando apenas o que já está aí, fica contratado o fura-teto para o ano que vem.

Nessas condições, sem projetos, sem respeito ao controle de gastos e da dívida, não haverá retomada sustentável da economia.

O que seria um caminho, digamos, decente? Retomar as reformas — tributária, ampla, e administrativa, esta para conter os gastos com o funcionalismo. E avançar nas privatizações, que estão emperradas não apenas por causa da ineficiência da equipe de Guedes.

Acontece que muitas estatais que frequentam a lista de privatizações — como Correios e Telebras —foram entregues a militares, que são contra a venda. Alegam problemas de segurança nacional. Por exemplo: meios de comunicação e tecnologia da informação não poderiam ficar nas mãos de empresas privadas, muito menos as estrangeiras.

Bobagem. Faziam a mesma alegação quando o governo FH anunciou a privatização das telecomunicações. As teles foram vendidas, inclusive para capital estrangeiro. E alguém percebeu algum problema de segurança? Ao contrário, a expansão da telefonia permitiu melhorar os sistemas de vigilância e segurança de toda espécie.

Mas tem também, e principalmente, os cargos. Só no comando dos Correios, 14 militares. Na Telebras, os cinco diretores executivos são militares.

Como boa parte dos parlamentares — sobretudo do Centrão — não gosta de perder as possibilidades de nomeação, e como a esquerda quer tudo estatal, como Bolsonaro queria lá atrás, não surpreende que o programa não decole.

Sem privatizações e concessões em massa, não haverá investimentos. Isso porque o governo, mesmo furando o teto, tem pouco dinheiro para isso, já que mais de 80% das despesas vão para previdência e pagamento de pessoal. Ou mais. No ano passado, o Judiciário gastou R$ 100 bilhões, sendo 90% para pessoal.

Comércio, indústria e consumo têm mostrado recuperação. É óbvio. Lojas e fábricas estavam fechadas, não produziam. Começaram a abrir, voltam as vendas. Mas a economia está voltando devagar para o nível pré-pandemia, que era um ritmo de crescimento de 1% ao ano. Ou seja: não foi a Covid que retirou a capacidade de crescimento estrutural da economia brasileira.

Foi e continua sendo a falta de reformas, de privatizações e de controle e eficiência no gasto público.

Desmonte da Lava-Jato
Os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski deram forte impulso ao desmonte da Lava-Jato. Com o voto dos dois, a Segunda Turma do STF anulou uma sentença de Sergio Moro que havia condenado um doleiro ainda no velho caso do Banestado. Tese: Moro foi parcial.

Mas outros dois ministros, Edson Fachin e Cármen Lúcia, votaram pela tese contrária, que não houve nada de errado no processo.

Como o quinto ministro da turma, Celso de Mello, estava no hospital, o empate favoreceu o réu.
Nem é um caso grande, mas está claro o objetivo final: anular as condenações de Lula e de todos os políticos da Lava-Jato.

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