É fundamental esclarecer o uso de servidores públicos para defender o prefeito e sua administração
Numa cidade que já soma 9.778 mortos pela Covid-19, esperava-se que o prefeito Marcelo Crivella estivesse preocupado em combater a doença. Mas não. Eleito em 2016 com a promessa de “cuidar das pessoas”, parece mais empenhado em encobrir o fracasso numa de suas principais bandeiras de campanha, não importa a que preço. É o que explica a inaceitável atuação do grupo “Guardiões do Crivella”, que dá plantão em frente a hospitais municipais para impedir ou tumultuar entrevistas de cidadãos sobre as precárias condições da rede, como revelou reportagem da TV Globo.
Os gritos de “fake news” e os elogios à prefeitura, ao fundo das transmissões ao vivo dos repórteres, nada tinham de espontâneo. Havia escalas de plantão, e o guardiões tinham de fazer selfies para comprovar presença. Eventuais falhas eram repreendidas em mensagens nos grupos de WhatsApp. Os que saíam em defesa do prefeito, na verdade, eram servidores municipais — boa parte lotada no gabinete de Crivella —, remunerados com dinheiro do contribuinte, para enganá-lo. Alguns muito bem pagos, com salário de até 18 mil.
O episódio expõe um festival de transgressões, a começar pelo cerceamento de direitos garantidos pela Constituição, como as liberdades de imprensa e de expressão, na medida em que cidadãos eram impedidos de dar depoimentos à imprensa sobre a situação dos hospitais. Só isso já seria inaceitável, por atentar contra o estado democrático de direito. É ainda mais grave pelo uso de servidores municipais.
A prefeitura alega que os guardiões estavam ali para melhorar as informações prestadas à população. Balela. Bastou que o escândalo fosse divulgado para que todos evaporassem. Episódio de tal gravidade não pode ficar por isso mesmo. Como tem de ser, a atuação do grupo é investigada pela Polícia Civil, que já começou a tomar depoimentos. O Ministério Público também analisará o caso. Na Câmara, vereadores se articulam para abrir uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). Um pedido de impeachment, protocolado pelo PSOL, deve ir a plenário hoje. É preciso esclarecer os crimes cometidos, identificar e punir os responsáveis de modo exemplar, independentemente de quem sejam.
Seguindo os passos de gestões petistas e do próprio governo Bolsonaro, Crivella faz uso do Estado com fins político-partidários. Age como se a prefeitura fosse sua, confundindo público e privado. Em vão. Não dá para melhorar artificialmente a imagem da saúde do Rio. Cariocas que recorrem aos hospitais municipais — há muitos na pandemia — conhecem o nível de degradação a que se chegou. Não há guardiões que protejam dos efeitos colaterais de uma administração desastrosa.
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