quinta-feira, 3 de setembro de 2020

Luiz Carlos Azedo - Witzel, o brevíssimo

- Nas entrelinhas – Correio Braziliense

“O governador teve uma carreira meteórica, acreditou que o caso Queiroz inviabilizaria a reeleição de Bolsonaro e levaria à cassação o senador Flávio Bolsonaro”

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve, ontem, o afastamento de Wilson Witzel do cargo de governador do Rio de Janeiro por ampla maioria, por suspeitas de envolvimento direto em corrupção. O relator do processo, ministro Benedito Gonçalves, que havia decidido pelo afastamento monocraticamente, convenceu a maioria dos pares de que havia tomado a decisão acertada, com o argumento de que existem provas suficientes para justificar o afastamento e que a medida era “menos gravosa” do que a prisão preventiva do governador fluminense, solicitada pelo Ministério Público Federal (MPF).

Dificilmente Witzel voltará a ocupar o cargo, porque seu impeachment na Assembléia Legislativa (Alerj) é uma questão de tempo. O vice-governador Cláudio Castro, de 41 anos, que já exerce o cargo, também é investigado. Filiado ao PSC, é o segundo vice-governador mais novo da história do Rio, atrás, apenas, de Roberto Silveira, eleito com 32 anos de idade, nos anos 1950.

Cantor gospel, começou na política em 2004 como chefe de gabinete do então vereador Márcio Pacheco (PSC), denunciado pelo Ministério Público do Rio por integrar um suposto esquema de rachadinhas na Alerj. Castro tem o apoio de Jair Bolsonaro e de seu filho, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), investigado no caso Fabrício Queiroz, amigo de seu pai e seu ex-assessor parlamentar. O senador está enrolado no caso das rachadinhas da Assembléia Legislativa. Witzel elegeu-se no rastro eleitoral de Bolsonaro, em 2018, mas rompeu com o presidente e nunca escondeu o desejo de morar no Palácio da Alvorada. Agora, é mais um governador fluminense que pode parar na cadeia.

Não se pode dizer que houve uma mudança de rumo no Rio, porque o sistema de poder que controla a política fluminense continua o mesmo, balizado pelo Palácio do Planalto e pela Prefeitura carioca. Com a consolidação de Cláudio Castro no cargo, um santista sem nenhuma tradição política no estado, o poder da Alerj, que sempre foi muito grande, aumenta ainda mais. Entretanto, o deputado André Ceciliano (PT), que comanda o processo de impeachment de Witzel, também é investigado. Se a cassação de Witzel for aprovada neste ano, pela legislação, teriam que se realizar novas eleições. Nesse caso, sim, haveria um realinhamento de forças políticas no estado. A outra hipótese é uma alteração na correlação de forças em razão das eleições municipais. Marcelo Crivella (Republicanos) concorre à reeleição, mas enfrenta forte oposição: está ameaçado pelo ex-prefeito Eduardo Paes, derrotado por Witzel nas eleições passadas, mas que agora lidera as pesquisas eleitorais na disputa pela Prefeitura do Rio.

Meteoro
O caso Witzel é jogo jogado. O governador teve uma carreira meteórica, acreditou que o caso Queiroz inviabilizaria a reeleição de Bolsonaro e levaria à cassação de mandato de Flávio. Eleito na onda eleitoral provocada pela crise ética, com um discurso de duro combate à criminalidade (a tese do “tiro na cabecinha”), durante a pandemia da covid-19 entrou em confronto aberto com o governo federal. Não contava, porém, com o monitoramento da execução financeira de verbas federais pelos órgãos de controle do Estado, que, hoje, operam com inteligência artificial para cruzamento de dados. Assim, foram detectadas operações fraudulentas na Secretaria Estadual de Saúde. Em delação premiada, o ex-secretário Edmar Santos denunciou Witzel.

Edmar foi preso em julho, durante operação do MP-RJ que investigava fraudes na compra de respiradores. No mesmo dia, os promotores encontraram R$ 8,5 milhões em dinheiro vivo. O ex-secretário fez acordo e denunciou Witzel, o que fez o processo passar à esfera federal, por decisão do STJ. A partir daí, os acontecimentos precipitaram-se. Segundo o governador afastado, teria havido interferência de Bolsonaro, com objetivo de tirá-lo do cargo para influenciar a nomeação do novo procurador-geral do Estado, que deverá ocorrer em novembro. Marcelo Lopes, atual ocupante do cargo, seria aliado de Witzel e é responsável pela investigação do caso Queiroz. O governador nega, veementemente, as acusações e diz que a denúncia do ex-secretário é mentirosa.

Segundo a PGR, Witzel está envolvido no esquema de propina para a contratação emergencial e para liberação de pagamentos às organizações sociais (OSs) que prestam serviços ao governo, especialmente nas áreas de saúde e educação. Há a suspeita de que o governador tenha recebido, por intermédio do escritório de advocacia da mulher, Helena, R$ 554,2 mil em propina. Uma transferência de R$ 74 mil dela para a conta pessoal do governador reforçou as suspeitas. O esquema criminoso foi investigado a partir da apuração de irregularidades na contratação dos hospitais de campanha, respiradores e medicamentos para o enfrentamento da pandemia, logo no seu começo. O afastamento de Witzel também pôs os governadores de oposição com as barbas de molho, porque há muitas investigações sobre suspeitas de irregularidades na compra de respiradores, equipamentos de proteção individual e montagem de hospitais de campanha em outros estados. Ou seja, uma paúra do chamado efeito Orloff: “eu sou você amanhã”.

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