quinta-feira, 3 de setembro de 2020

Ascânio Seleme - Nosso Rio

- O Globo

Em menos de uma semana, nossos governantes abusados protagonizaram dois escândalos

Marcos Paulo Oliveira Luciano, o ML, chegou para depor carregando uma Bíblia. Queria passar uma imagem de homem bom, religioso, temente a Deus, um fiel discípulo do bispo Marcelo Crivella. Para a polícia, contudo, ML é o chefe da gangue que foi denunciada pelo Ministério Público e pode levar o prefeito do Rio a enfrentar um processo de impeachment ou uma CPI.

Além de ML e seus bárbaros, o carioca conheceu esta semana uma nova modalidade de crime que o prefeito do Rio acrescentou no seu rol de atentados contra a administração pública. Perdulário, Crivella contratou assessores pés de chinelo com dinheiro do contribuinte para abordar e impedir que repórteres fizessem matérias denunciando o caos dos hospitais municipais nas portas das unidades.

O bispo vai precisar explicar ao Ministério Público o evidente mau uso do dinheiro do erário. Foi ele quem inventou a barbaridade e é o mentor do grupo que cometeu crimes de peculato, constrangimento ilegal, associação e condescendência criminosa. Além disso, deve ter cometido crime eleitoral, uma vez que usou recursos do contribuinte para contratar gente cuja única função era mentir para proteger sua imagem de prefeito candidato à reeleição, sem qualquer atribuição efetivamente pública.

Nos grupos de WhatsApp dos milicianos de porta de hospital, como a vereadora Teresa Bergher chamou a turba, constava o telefone celular de Crivella. O prefeito acompanhava a ação dos agressores em tempo real. Além do bispo, alguns secretários e assessores do prefeito participavam desses chats. Uma vergonha privada tornada pública.

A ação da gangue nos hospitais tinha o mesmo formato. Todos foram treinados para dizer as mesmas coisas, atacar e agredir jornalistas, defender o prefeito e desrespeitar os entrevistados. Diante desse ultraje, a nota da Prefeitura é de morrer de rir. Ela afirma que aqueles energúmenos estavam nas portas dos hospitais para “esclarecer a população”. Fala sério.

A quem Crivella quer enganar? Se você responder que ele queria atrapalhar a imprensa, errou. O que o prefeito queria era mal informar ou desinformar a população, o contribuinte que paga o seu salário e os salários dos seus “milicianos”. Diante do que se viu e do que já se sabe até aqui, Crivella criou o grupo para calar a boca do cidadão que vai ao hospital e bate com a cara na porta. Queria ludibriar o eleitor, com quem vai ter que lidar em novembro.

Estamos falando de criminosos. E é evidente que nem no escuro do seu quarto o chefe da gangue, o fiel ML, pediu perdão a Deus. Deve ter rezado para não perder o emprego com salário de R$ 10 mil. Aliás, R$ 18 mil, porque o prefeito amigo lhe deu um aumento de 80% em agosto. Por que mesmo, Crivella?

E assim caminha o Rio. Em menos de uma semana, nossos governantes abusados protagonizaram dois escândalos. Um deles resultou no afastamento do governador Wilson Witzel. O outro desmoralizou ainda mais o já enlameado prefeito. Em ambos, os cidadãos do Rio entraram pelo cano.

Desnecessário acrescentar qualquer coisa ao caso de WW. Mas não dá para passar sem observar o modus operandi do governador. Primeiro, como disse o delegado do inquérito, foi uma volta ao passado. Nada criativo, o afastado imitou Sérgio Cabral, usando o escritório de advocacia da mulher para desviar dinheiro público. E, como revelou o colunista José Casado, copiou também a dupla Lula e Dirceu, instituindo através de seus operadores um mensalão carioca.

WW pode acabar preso. A situação política do governador é gravíssima. Mesmo que não tivesse sido afastado pelo Superior Tribunal de Justiça, ele acabaria sendo impichado pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, a fabulosa Alerj. Crivella corre riscos semelhantes. Os pedidos de CPI e impeachment já foram protocolados, e hoje a Câmara Municipal decide se abre o processo de afastamento do pior prefeito da história do Rio.

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