- Folha de S. Paulo
Arte do diálogo para barrar a ascensão das forças antidemocráticas requer delicadeza
Em muito boa hora, Renato Janine Ribeiro publicou na revista Piauí de agosto o artigo “Diálogos urgentes”. Escrito da perspectiva da esquerda democrática, em que se situa o professor de filosofia da Universidade de São Paulo, trata-se de um apelo sereno e corajoso aos que com ele comungam dos mesmos valores. Convida-os a sair de suas bolhas para conversar com os adversários de ontem que, alojados na centro-direita e na direita, possam estar igualmente aflitos com o assédio à democracia representativa perpetrado por Bolsonaro e sua alcateia extremista.
O texto vem na esteira de uma sucessão de iniciativas de intelectuais públicos ou grupos de opinião que buscam construir, nas plataformas digitais, as pontes dinamitadas pela polarização política.
O apelo de Janine, no entanto, é mais ambicioso: inaugura a discussão de como transitar do círculo importante ¬—mas limitado— daqueles setores ou das convergências em votações no Congresso para a arena eleitoral na qual milhões de brasileiros definirão, neste ano e em 2022, o lastro político da democracia no país. Essa não é uma caminhada imune a percalços.
Antes de tudo, os democratas de esquerda têm de reconhecer que são —e sempre foram— minoria nas urnas. Os cientistas políticos Timothy Power e Rodrigo Rodrigues-Silveira dissecaram os resultados, por município, de 13 contendas para o Legislativo entre 2002 e 2014. Em artigo publicado na “Brazilian Political Science Review” 13(1) de 2019, demostraram que os eleitores deram maioria à direita e à centro-direita, em todos os pleitos. Mesmo quando o Executivo federal era ocupado pelo PT.
Tanto que, para ascender ao Planalto em 2002, o PT se deslocou para a centro-esquerda; e, para governar, se associou a partidos da centro-direita. Retomar o diálogo com esse eleitorado de inclinação conservadora e disputá-lo com o bolsonarismo não será coisa pequena.
Além disso, a conversa com as forças da centro-direita e da direita democrática não pode mirar a montagem de coligações eleitorais já no primeiro turno. De fato, a nova legislação que aboliu tais formações nos embates para as Câmaras e Assembleias torna a apresentação de candidatos majoritários, puxadores de votos, um imperativo de sobrevivência partidária.
Assim, a arte da conversa necessária para barrar a ascensão das forças antidemocráticas requer delicadeza, para não transformar competidores no primeiro turno em desafetos que prefiram se abster em vez de se aglutinar em torno do candidato de oposição à barbárie bolsonariana, qualquer que seja a sua cor política.
*Maria Hermínia Tavares, professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.
Nenhum comentário:
Postar um comentário