quinta-feira, 3 de setembro de 2020

Ribamar Oliveira - Bolsonaro adota o discurso de Guedes

- Valor Econômico

Com dívida elevada, investimento não leva a mais crescimento

Quem tiver a curiosidade de ler a introdução da mensagem que o presidente Jair Bolsonaro encaminhou ao Congresso Nacional, junto com a proposta orçamentária para 2021, pode ter uma surpresa. Nela, Bolsonaro toma partido, sem nominar ninguém, do seu ministro da Economia, Paulo Guedes, na batalha que foi travada, nas últimas semanas, em torno da melhor estratégia de retomada da economia no pós-pandemia.

Em sua mensagem, o presidente mostra preocupação com o endividamento público e afirma que, nesse contexto, “é importante também destacar que mesmo gastos públicos produtivos, tais como o investimento em infraestrutura, têm efeito negativo sobre o crescimento, à medida que o nível de dívida aumenta, pois o custo em termos de retorno ao investimento da elevação da dívida passa a ser maior que o retorno de tais gastos”.

Em seguida, Bolsonaro sentencia: “No caso de dívida tão elevada como a brasileira, o impacto do aumento de gastos, mesmo sendo investimento público, teria um resultado final negativo sobre o crescimento econômico”. Ele dá razão a Guedes, ao dizer que “a única possibilidade de aumento de investimento público elevar o crescimento nesse cenário seria com a redução de gastos em consumo e custeio do setor público”. Em sua mensagem aos senadores e deputados, o presidente assumiu integralmente o discurso de seu ministro da Economia.

Como todos se recordam, nos bastidores do governo houve uma disputa entre Guedes e as alas militar e política do governo, que idealizaram um programa de investimentos públicos capaz de impulsionar a retomada da economia. De acordo com algumas informações que vazaram para a imprensa, a ideia era destinar cerca de R$ 35 bilhões para obras de infraestrutura e de combate à seca na região Nordeste. À frente do programa, que chegou a ser chamado de novo Plano Marshall, estavam o ministro chefe da Casa Civil, Braga Netto, e do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho.

Chegou-se, inclusive, a tentar descobrir brechas legais para viabilizar os investimentos, fugindo do teto de gastos da União. A ideia que seria submetida à apreciação do Tribunal de Contas da União (TCU) previa editar uma medida provisória abrindo crédito extraordinário no Orçamento, naquele valor, para investimentos durante a pandemia, o que ficaria fora do teto. Como a União registra elevados déficits primários em suas contas desde 2014, os investimentos projetados resultariam em aumento do endividamento do Tesouro. Guedes foi contra.

Pode-se argumentar que a mensagem presidencial, assim como a proposta orçamentária de 2021, foi elaborada pela equipe econômica de Guedes e, por isso, teria que expressar o pensamento do ministro da Economia. Antes de ir ao Congresso, no entanto, a mensagem e a proposta orçamentária passaram pela Casa Civil e pela Secretaria-Geral da Presidência da República, pois eles são documentos oficiais do governo e de responsabilidade do presidente perante o Congresso. O que está lá escrito passou a ser, portanto, o pensamento de Bolsonaro.

Em sua mensagem, o presidente diz que, dentre os principais entraves à retomada da economia, há o aumento do endividamento agregado da economia pós-isolamento. O diagnóstico é que tanto as empresas tiveram que elevar o seu endividamento, diante da necessidade de cumprirem seus compromissos durante aquele período, quanto o governo está aumentando sua dívida, para implementar políticas de proteção à economia e aos mais vulneráveis. “Essa elevação do endividamento tenderá a reduzir o crescimento estrutural da economia”, diz o texto.

Passada a pandemia, o presidente diz que o Brasil terá que enfrentar quatro grandes desafios: o desemprego, o aumento da pobreza, o grande número de falências e a necessidade de um mercado de crédito mais eficiente. “Dessa forma, faz-se premente a continuidade das reformas estruturais, findo esse período“.

A retomada da agenda de equilíbrio macroeconômico por meio da consolidação fiscal, de acordo com a mensagem, é uma condição necessária para promover de forma sustentada a recuperação econômica do País. “Em especial, a manutenção do teto de gastos, que constitui o pilar macrofiscal fundamental neste processo e que permitirá endereçar pontos essenciais”. Entre eles, a mensagem cita: fortalecer o arcabouço de proteção social, “transferindo recursos de programas ineficientes para programas sociais de comprovada eficiência no combate à pobreza”; melhorar a eficiência das políticas de emprego; aprimorar a legislação de falências; fortalecer e desburocratizar o mercado de crédito, de capitais e de garantias; implementar o novo marco regulatório do setor de saneamento básico; aprovar o novo marco regulatório do setor de gás; promover a abertura comercial; ampliar o programa de privatizações e concessões; e avançar na reforma tributária. A reforma administrativa não é mencionada.

Gasto com servidor
Outro ponto da proposta orçamentária é que, mesmo com a proibição de aumento de salários ou concessão de qualquer vantagem ou benefício aos servidores até dezembro de 2021, a despesa da União no próximo ano com pessoal ativo e inativo, civis e militares, vai aumentar em termos reais, na comparação com a despesa prevista para 2020. De acordo com a mensagem presidencial, o aumento nominal da despesa será de 4,2% para uma inflação prevista em 3,2%. O gasto passará de R$ 324,79 bilhões neste ano para R$ 338,44 bilhões em 2021.

O aumento real do gasto decorre de acordos coletivos de trabalho de empresas estatais dependentes, da inclusão de servidores civis e militares dos extintos territórios de Rondônia, Roraima e Amapá em quadro da administração federal, da anualização de provimentos de cargos efetivos ocorridos em 2020, do impacto orçamentário decorrente da lei 13.954, de 2019, que reestrutura o Sistema de Proteção Social dos militares das Forças Armadas, entre outras medidas.

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