- O Estado de S.Paulo
Não se trata de julgar o que é certo ou errado, mas sim de avaliar as consequências das escolhas feitas
A retração do PIB no segundo trimestre (-11,4% na comparação anual) foi menor do que a de países vizinhos parecidos. No Chile, a contração foi de 14,1%; na Colômbia, 15,7% e no Peru, 30,2%, sendo este último bem mais penalizado pela covid-19 na proporção de óbitos.
É um alento, que repete o ocorrido na crise global de 2008-09, quando a recuperação no Brasil foi mais rápida. Não convém, porém, celebrar antes da hora.
A primeira ponderação é que as economias desses países são mais sensíveis ao ciclo econômico mundial, por serem mais abertas ao comércio global. Não apenas pelo maior peso das exportações no PIB, mas também pelo efeito indireto no investimento em setores exportadores. Por esse aspecto, seria esperada uma menor contração aqui.
Também faz diferença a pauta de exportações mais diversificada no Brasil, sendo que o maior peso de produtos agrícolas e alimentares (43% do total) revelou-se uma bênção, pois são setores bastante beneficiados pela guerra comercial EUA-China e pela pandemia. Com o aumento de embarques e a resiliência de preços, sua exportação aumentou 28% no segundo trimestre na comparação anual. Assim, enquanto as exportações desses países registraram queda (-2,8%, -27,4% e -40,3%, respectivamente), aqui houve ligeira alta (0,5%).
Feitas as ponderações, não se pode desconsiderar a importância das medidas anticíclicas governamentais, que foram, aparentemente, mais expressivas no Brasil.
Faltam dados consolidados sobre as medidas de socorro nos países. De qualquer forma, um balanço feito pelo Banco Central mostra que o Brasil estaria nos primeiros pelotões das nações com maior gasto público para enfrentar a pandemia, ao lado de países ricos, como Alemanha e Austrália. O levantamento feito pelo pesquisador Ceyhun Elgin, da Universidade de Columbia, que engloba um leque amplo de medidas – fiscal, monetária, creditícia –, chega à mesma conclusão. Considerando apenas o quesito fiscal, o Brasil ocupa a 22ª posição de maior estímulo em uma lista de 168 países.
Há, porém, os custos das nossas escolhas, a começar pelo maior risco fiscal. Outro aspecto é o mix de política fiscal do País, que privilegiou o socorro a famílias e nem tanto a empresas. É o que mostra o estudo do BC que contabiliza as medidas com impacto orçamentário em 20 países. No outro extremo, a China não assistiu as famílias, dando ênfase ao setor produtivo.
Não se trata de julgar o que é certo ou errado, mas sim de avaliar as consequências das escolhas feitas. Transferir mais recursos a indivíduos, socorrendo menos o setor produtivo, gera recuperação mais rápida de curto prazo, especialmente diante do elevado consumo reprimido nas camadas populares. No entanto, isso implica menor crescimento da economia e do emprego adiante.
Acrescenta-se a esse ponto a constatação de que houve excessos no auxílio emergencial, que se mostrou uma medida de estímulo ao consumo, quando o objetivo deveria ser apenas cobrir as necessidades básicas dos mais vulneráveis durante o isolamento social. O valor médio do benefício está em quase R$ 900 por família, em um país onde a metade mais pobre da população vive com pouco mais de R$ 400 em média por indivíduo. Além disso, segundo Naercio Menezes Filho, muitos se beneficiaram do auxílio indevidamente: 42% das famílias receberam, mas 16% não eram elegíveis. Em junho, já se sabia dos excessos, e mesmo assim o programa foi renovado sem ajustes.
São recursos que poderiam ter sido utilizados para ajudar a migração de capital e trabalho para novos negócios e a atualização tecnológica de empresas que se descobriram defasadas.
Há incertezas de todo tipo no horizonte: na saúde pública (quando haverá vacinação em massa?), na saúde das empresas (qual o tamanho da inadimplência represada pelo socorro governamental?) e na saúde das finanças públicas (a regra do teto será preservada e haverá reformas?).
Mas não é só isso. Há também as consequências de nossas escolhas.
*Consultora e doutora em economia pela USP
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