Executivo decide enfim enfrentar o desafio da reforma administrativa. O Congresso deve ao país uma resposta à altura
A proposta de reforma administrativa que o governo apresenta hoje ao Congresso é um passo essencial e bem-vindo na agenda de modernização do Estado. O objetivo não é apenas reduzir o custo da máquina e ganhar fôlego fiscal, mas sobretudo abrir o caminho para que melhore a qualidade dos serviços públicos prestados à população.
O projeto do governo envolve reclassificar as centenas de carreiras nos Três Poderes, em todos os níveis da administração pública: federal, estadual e municipal. Estabelece regras distintas para estabilidade, concessão de licenças e gratificações, além de trazer maior facilidade para demitir servidores no período de experiência, estendido dos atuais três para dez anos. Exclui das mudanças, em princípio, posições sensíveis como juízes ou procuradores.
A proposta cria um novo regime de trabalho, em que funcionários das carreiras não exclusivas do Estado são contratados por tempo indeterminado, sem garantia de estabilidade. Mesmo os 20% do funcionalismo que ocupam carreiras de Estado, como auditores ou diplomatas, só passariam a usufruí-la depois de dez anos. O texto também acaba com a promoção automática, baseada em diplomas ou no tempo de serviço — os célebres triênios, quadriênios ou quinquênios (aumentos passariam a depender de mérito). Proíbe absurdos como mais de 30 dias de férias, a aposentadoria compulsória como forma de punição, prêmios por desempenho a servidores afastados e cotas para servidores em cargos comissionados.
Tais mudanças representariam uma bem-vinda limpeza nos privilégios do funcionalismo. Só que, como condição para encaminhá-las, o presidente Jair Bolsonaro impôs que as novas regras valham apenas para as novas contratações, não para funcionários da ativa. Ao deixá-los intocados, o governo crê facilitar a tramitação no Congresso Nacional, onde o lobby dos servidores tem forte poder de pressão.
É verdade que a aposentadoria de mais de um terço do funcionalismo prevista para os próximos 15 anos abre uma janela de oportunidade para as mudanças. Mesmo assim, o país não tem tanto tempo. Com ou sem regras distintas, é difícil não haver contestações na Justiça. O Congresso não pode se furtar ao dever de estender as mudanças a todos.
O fim da estabilidade, em particular, é um tema sensível, que tende a galvanizar atenções. Independentemente disso, um novo modelo de gestão do funcionalismo, mais meritocrático, é crucial para valorizar os servidores públicos mais competentes e os menos privilegiados. E também para liberar recursos necessários a áreas críticas, como saúde, educação, segurança ou infraestrutura.
Ainda será preciso avaliar o impacto da proposta tanto nos orçamentos engessados, que paralisam a gestão pública, quanto nas distorções e desigualdades decorrentes da barafunda de regras que regulam o funcionalismo. O mais importante, contudo, é que o governo decidiu enfim enfrentar o problema. Já não era sem tempo. O Congresso deve agora ao país uma resposta à altura.
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