Apesar de pisos
constitucionais definidos e obrigatoriedade de gastos, o desempenho da saúde e
da educação estão ainda muito longe do aceitável. O ministro da Economia, Paulo
Guedes, sugeriu a unificação dos dois limites, ficando a cargo de Estados e
municípios decidirem em qual área aplicar mais ou menos. O senador Márcio
Bittar (MDB-AC), relator da PEC do Pacto Federativo e do orçamento de 2021,
sugeriu ir além: acabar com a vinculação de ambas, o que também não
desagradaria Guedes, que coleciona discursos sobres os três Ds (desvincular,
desindexar, descentralizar).
Dois setores vitais para a população
e o futuro, saúde e educação não deveriam ficar à mercê de ideias improvisadas
em um ambiente nefasto de corte de gastos e penúria de recursos. Os pisos
constitucionais foram uma forma encontrada para tentar resolver duas carências
históricas do país. É preciso colocar algo melhor no lugar, e com calma.
E não se trata de uma meia dúzia de
exceções, mas da grande maioria. “Dos 5.480 municípios do país, 3.368 (61,5%)
tiveram aplicação em educação no período 2015-2018 superior a 26,25% (5% a mais
do que o piso), sendo 5.334 os que aplicaram acima de 15,75% (também 5% acima
do piso) em saúde (97,4%)”, registra o estudo. De maneira geral, as despesas
acima do mínimo obrigatório foram maiores em saúde do que em educação nos
municípios, e maiores para a educação no caso de Estados e União.
Os economistas do Ipea foram examinar de perto a argumentação para unificar os
dois pisos, que se resume ao fato dela permitir maior eficiência no gasto. Os
25% de despesas obrigatórias com educação seriam uma camisa de força e um
desperdício nos locais com menos crianças e jovens. “Se tal hipótese fosse
verdadeira, uma análise das aplicações dos municípios em MDE deveria revelar aplicação
muito próxima à aplicação mínima (25%). Mas não é isso o que se verifica”,
concluem.
Os números mostraram que a fatia
dedicada à educação no orçamento dos municípios se situou até 3 pontos
percentuais acima do mínimo e os de saúde, de 5 a 7 pontos percentuais acima.
Mesmo no Norte e Nordeste houve diferenças de 3 pontos percentuais acima do
piso obrigatório para ambas as áreas.
O trabalho constatou que houve fatia
“não desprezível” de municípios que aplicaram 30% em saúde e 30% em educação,
caso dos que têm até 500 mil habitantes e dos localizados do Nordeste, Sudeste
e Sul. “Em síntese, a grande maioria dos municípios analisados (4.480 em 5.480,
81,8%) tem percentual de aplicação superior a 26,25% em educação (piso + 5%).
Assim, não parece razoável que tenham aplicado mais do que o mínimo obrigatório
em educação se não precisassem realizar despesas adicionais ao piso
constitucional”.
Aonde estaria então o maior risco de
perdas para os orçamentos de educação e para os da saúde, na fusão dos pisos?
Os gastos com saúde são mais inelásticos que os da educação, logo mais
resistentes à diminuição de seu papel em políticas públicas e mais visíveis do
ponto de vista político-eleitoral. Mesmo assim, embora em menor escala,
reduções nesta área podem acontecer.
Para avaliar o grau de risco, os autores separaram os municípios em que haveria maior possibilidade de queda nos gastos com educação - aqueles em que a diferença entre o gasto feito e o mínimo obrigatório é de até 0,7 ponto percentual e as despesas com saúde ultrapassam folgadamente o piso. Usaram critério idêntico para a saúde, com outros percentuais (0,4 e 4,3 pontos percentuais, respectivamente).
Possíveis perdas para a educação com a fusão de pisos ameaçariam 951 de 5.480 municípios, com população de 51,9 milhões de pessoas - 25% da população do país em 2018. Sul e Sudeste somam quase metade dos municípios em questão (455), seguidos pelo Nordeste (342). 41% das cidades nesse caso tem mais de 500 mil habitantes e 32% entre 100 mil e 500 mil habitantes.
Os riscos de diminuição dos gastos
com saúde afetariam 97 municípios, mais concentrados no Norte e Nordeste e uma
população de 2,24 milhões. Seriam mais atingidas áreas municipais com 20 mil a
50 mil habitantes, que já têm pouca infraestrutura para o atendimento.
As maiores despesas com saúde e
educação não significam que seu montante seja suficiente para atender as
necessidades. Argentina e Chile gastam quase o dobro per capita do que o
Brasil, cujas despesas com educação estão abaixo dos da maioria dos membros da
OCDE. Mas é inegável que uma melhoria da gestão nesse quadro de recursos
produziria muito mais resultados, como advogam os especialistas.
1. Gastos em saúde e educação no Brasil:
impacto da unificação dos pisos constitucionais. Fabiola Sulpino Vieira,
Luciana Mendes Santos Servo, Rodrigo Pucci de Sá e Benevides, Sérgio Francisco
Piola e Rodrigo Octávio Orair. Texto para discussão 2596.
*José Roberto Campos é editor executivo do Valor.
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