STF
precisa largar o WhatsApp e os microfones
Celso
de Mello se aposenta. Um novo ministro virá. Nada deveria haver de mais
importante — no calendário de uma República — do que a escolha de um membro da
Suprema Corte. Jair Bolsonaro, o apontador da vez, já teria definido o critério
— a linhagem, o perfil para o substituto do decano: um sujeito com quem tome
cerveja. Alguém, portanto, que sente à mesma mesa; ao que se poderia somar — agravando
o vazamento de nossas reservas institucionais — a condição de “terrivelmente
evangélico”.
A
imagem — do magistrado com quem governante bebe — é tão franca quanto
primorosa; porque revela, define mesmo, o compadrio como régua.
Não
se trata apenas de exigência vulgar, que impõe, a um cargo impessoal, relação
de afinidade/fidelidade; mas uma expressão de patrimonialismo. Sem surpresa.
Afinal, é como o ora presidente compreende a República: múltiplas oportunidades
para a distribuição de sinecuras aos seus — para proveito seu. Tem sido assim,
como um empreendimento familiar dentro do Estado, nos últimos 30 anos; conforme
indica qualquer passar de olhos na superfície em que consiste a prática de
peculato no gabinete de Flávio Bolsonaro na Alerj.
Não
seria diferente — possibilidade de alargar a propriedade — quando em questão
estivesse uma cadeira no Supremo, a casa das garantias; em que, no entanto,
muitos investem como empresa de blindagem. Se pudesse, diga-se, o autocrata
Bolsonaro seria o próprio tribunal. Não pode. Então, escolherá alguém que se
venda como sua extensão. Candidatos não faltam. O desfile está em curso. Não é
bonito de ver. A rapaziada se exibe — os que têm caneta, ao custo do estado de
direito, carregando na tinta.
Foi
Bolsonaro quem estabeleceu as regras — e o ritmo — para o cortejo; jogo de
sedução em que, para sacrifício da autocontenção numa corte constitucional,
pelejam desde discretos qualificados, como (o outsider) William Douglas e Ives
Gandra Martins Filho, e pouco habilitados, como (o afilhado) Jorge Oliveira,
até famintos ostentadores, das estirpes de André Mendonça, Augusto Aras,
Marcelo Bretas e João Otávio de Noronha.
Bolsonaro
não será o primeiro a pretender aparelhar o Supremo. A história, inclusive a
recente, está aí para contar. Não foram poucos os tentados a escolher alguém
“do seu lado”. O STF está cheio de ministros que bebiam cerveja com os
presidentes que os indicaram. Esse é, precisamente, um dos maiores problemas do
tribunal: o grande volume de juízes que topavam — e topam — happy hours com
políticos.
Deu
no que deu. Em vício; na epidemia monocrática; na febre que converteu
magistrados em antenas captadoras da voz justiceira das ruas, o tal “sentimento
constitucional do povo”; no que talvez seja a pior formação da história do
Supremo, tomado por agentes políticos que, para ganhar a toga, comprometeram-se
a matar no peito a favor de interesses do grupo circunstancialmente no poder.
Na
primeira oportunidade, também a história ensina, claro, traíram. Traem. São
vários os exemplos. Basta que investidos da posição inamovível — pronto: o
próprio paraíso para que pregoeiros de si mesmos rapidamente se lancem ao
movimento de escrever (talvez limpar) biografia, uma súbita independência, uma
rápida altivez, que os afaste daqueles a quem se ofereceram e cujos interesses,
em troca da eternidade, juraram defender.
Indicados
não por confiança em seus notáveis saberes jurídicos, em serem fiéis à
Constituição, mas por terem pactuado com a agenda de turno, nunca tarda até que
mudem com a mudança na direção da agenda. Indicados por confiança de ocasião,
essencialmente pervertida, tornaram o STF um centro de desconfiança; a própria
matriz de insegurança jurídica no Brasil, plataforma para birutas que se
orientam pelos ventos mais influentes do momento. E assim são — digamos,
suscetíveis ao canto da força da vez — porque assim entraram. É vício.
Tenho
baixíssima expectativa sobre Bolsonaro, produto da depressão política
brasileira e investidor de sucesso em nosso déficit de institucionalidade,
fazer a coisa certa. O homem tem seu espelho, sua referência e sua desculpa.
Tem seus vícios. Se os petistas o fizeram, se tentaram encampar o Supremo, por
que não ele? O ímpeto por proteção se impõe — e o poder concentrado faz o
poderoso da hora crer que será diferente consigo.
Como
poderá, por exemplo, um Jorge Oliveira, sujeito tão fiel, ser-lhe infiel apenas
porque diante de poder assegurado — imenso e estável — por 30 anos? Jamais... O
que saberei eu sobre relações fundadas em duas décadas de convivência naqueles
gabinetes?
Sei que o STF precisa sair da mesa do bar. Precisa ser menos confidente. Precisa propor menos acordos. Precisa parar com o single malt no balcão de poderes políticos. Precisa largar o WhatsApp e os microfones. Sei também que Bolsonaro poderia contribuir para um Supremo abstêmio. Tudo indica, porém, que a bebedeira continuará — talvez mesmo aumentando. Quem dera o nosso problema fosse uma Amy Barrett.
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