sexta-feira, 25 de setembro de 2020

Vinicius Torres Freire - Faca amolada no imposto e nó cego

- Folha de S. Paulo

Depois de semanas de reviravoltas, não há dinheiro para Bolsa Família gordo

A última de Paulo Guedes é aumentar o imposto das empresas que pagam tributos pelo Simples, noticia esta Folha. É o último ou o mais recente plano infalível do ministro para bancar um Bolsa Família encorpado. É bobagem ou é prenúncio de gambiarra fiscal que vai acabar na Justiça ou em coisa pior.

Não importa qual seja o aumento de imposto, seja lá como for feito ou que nome tenha, tal como “reoneração”, a arrecadação extra não pode ser gasta em despesa nova que ultrapasse o teto de gastos.

Mas, francamente, a esta altura da birutice, discutir essas coisas talvez seja perda de tempo ingênua. Ainda assim, a maluquice tem um custo, difícil de perceber no dia a dia.

Para começar, a doideira transforma a discussão da reforma tributária em uma mixórdia. Guedes quer criar uma CPMF ou um pacote de “tributos alternativos” que inclua um imposto sobre transações. Quer agora cobrar mais das empresas do Simples. Em tese, não haveria aumento de carga tributária total porque haveria compensações, como a redução dos impostos sobre folha de pagamento das empresas e, um dinheiro bem menor, das contribuições para o Sistema S.

Mas tudo isso é especulativo, pois não há projeto e menos ainda números na ponta do lápis. Nem para o projeto de criação da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) o governo apresentou números que justificassem a alíquota que propôs (a CBS substituiria o PIS/Cofins).

Ou seja, o governo põe mais lenha em uma discussão que vai pegar fogo, se houver discussão de fato sobre reforma tributária, se não for tudo para o vinagre, dada a baderna criada pelo governo.

Em segundo lugar, ninguém com um mínimo de conhecimento sobre o assunto entende de onde vai sair o dinheiro para esse programa de renda básica, renda cidadã, Bolsa Família Verde Amarelo ou coisa que o valha. Jair Bolsonaro até agora vetou todas as fontes possíveis de financiamento, em tese levando em conta que existe um teto de gastos. Assim, gente de “o mercado” e especialistas em contas públicas especulam que pode vir uma gambiarra qualquer.

O que seria? Uma autorização para gastar além do teto, específica para o Bolsa Família encorpado. Talvez uma prorrogação limitada do estado de calamidade, que permitiu gastos de centenas de bilhões de reais além do teto, neste ano de 2020. Sim, é mera especulação, mas tem consequências práticas. Por causa disso, os donos do dinheiro grosso estão cobrando mais caro para emprestar ao governo deficitário, o que, por tabela, eleva as taxas de juros para a economia inteira.

O público em geral não liga para essas coisas ou nem nota. Talvez preste atenção quando vier a “facada” de Guedes. Mais gente seria afetada individualmente por aumento de impostos do que pela redução deles. A ideia de que a o alívio tributário sobre folha de salários possa, por si, criar empregos é também especulativa. Por falar nisso, o ritmo de criação de empregos foi fraquinho de julho para agosto, mostra a pesquisa do IBGE.

Em resumo: 1) a gente não sabe o que vai ser o Orçamento do ano que vem; 2) não conhece em que bases se vai discutir uma reforma tributária; 3) desconhece o que será feito do contingente aumentado de miseráveis depois do fim do auxílio emergencial; 4) ignora como o governo vai fechar as contas a partir de 2021 (porque a despesa vai bater no teto); 5) se angustia com o risco de a economia despencar no ano que vem, caso o corte de mais de meio trilhão de reais de despesa federal não seja compensado por uma retomada forte de investimento e consumo.

Quem liga?

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