quinta-feira, 5 de novembro de 2020

Guga Chacra - O mundo paralelo de Trump

- O Globo

Quando me despedi dos meus filhos na terça-feira de manhã e vim para os estúdios da Rede Globo, em Nova York, para a cobertura da votação presidencial nos Estados Unidos, fiquei pensando se esta seria a última vez que os veria antes de uma derrota humilhante de Donald Trump, ou de uma reeleição heroica do republicano com a consolidação do trumpismo. O mais provável, porém, era de que não teríamos uma definição na noite eleitoral destas surreais eleições americanas. Foi o que aconteceu.

Desde 2000, no histórico embate da Flórida entre George W. Bush e Al Gore, não tínhamos uma eleição tão imprevisível ao se abrirem as urnas. Mesmo em 2016, ficou claro poucas horas depois do início da apuração que Hillary Clinton seria derrotada. Neste ano, ao escrever este texto, o resultado permanece incerto, mas há uma via mais clara para Biden ser vitorioso. Com as vitórias no Arizona, Michigan e Wisconsin, de acordo com a Associated Press, Biden precisa apenas confirmar a sua liderança em Nevada, o que é extremamente provável. Sequer precisaria vencer na Geórgia e na Pensilvânia, onde também tem chance.

Esta vitória de Biden, se confirmada, não foi um massacre. Trump realmente teve um desempenho bom na Flórida e expandiu o seu total de votos. Perdeu mais uma vez no voto popular, como era esperado, mas com um total bem superior a 2016 e durante uma pandemia. Ainda que não tenha sido massacrado, demonstra um fracasso do presidente americano ao não conseguir se reeleger. Entra para o time de George Bush (o pai) e Jimmy Carter.

Diante de uma possível derrota, Trump se apega ao seu mundo paralelo baseado em mentiras no qual insistirá ter vencido. Caso fique inviável seguir adiante com este argumento, dirá que sua derrota foi injusta e tentará recorrer à Justiça. Jamais aceitará uma derrota. Não faz parte de sua personalidade narcisista, insegura e mimada. Quando quebrava suas empresas, afirmava ser estratégia empresarial, não incompetência de um enrolador e trapaceiro.

Nas próximas semanas, seu discurso ecoará com a base trumpista. Provavelmente, acreditarão que seu ídolo — para alguns, Deus — venceu e foi sabotado pela “elite globalista de esquerda”. Espero que não chegue à violência. É importante, neste momento, a postura dos republicanos, especialmente no Senado. Figuras como Mitch McConnell, atual líder da maioria republicana, serão fundamentais para manter a estabilidade da democracia americana em caso de confirmação da vitória de Biden e não reconhecimento por parte de Trump.

Ainda assim, mesmo com a possibilidade real de Biden passar a ocupar a Casa Branca e os senadores republicanos aceitando o resultado, Trump não irá desaparecer. Manterá seu discurso de vítima e com dezenas de milhões de seguidores nos Estados Unidos. Terá espaço em alguma rede de televisão, além das redes sociais, para disseminar suas mentiras e suas teorias da conspiração. Este seu comportamento impactará eleitores.

O trumpismo talvez tenha a mesma força nos EUA que o peronismo argentino e outros movimentos populistas globais, mesmo após a queda de seus líderes. Novos políticos com a sua mentalidade e ideologia negacionista surgirão. Seus filhos podem também entrar na política. O mundo paralelo de Trump pode perder o palanque da Casa Branca, mas terá uma enorme voz no futuro americano, infelizmente.

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