Quando
me despedi dos meus filhos na terça-feira de manhã e vim para os estúdios da
Rede Globo, em Nova York, para a cobertura da votação presidencial nos Estados
Unidos, fiquei pensando se esta seria a última vez que os veria antes de uma
derrota humilhante de Donald Trump, ou de uma reeleição heroica do republicano
com a consolidação do trumpismo. O mais provável, porém, era de que não
teríamos uma definição na noite eleitoral destas surreais eleições americanas.
Foi o que aconteceu.
Desde
2000, no histórico embate da Flórida entre George W. Bush e Al Gore, não
tínhamos uma eleição tão imprevisível ao se abrirem as urnas. Mesmo em 2016,
ficou claro poucas horas depois do início da apuração que Hillary Clinton seria
derrotada. Neste ano, ao escrever este texto, o resultado permanece incerto,
mas há uma via mais clara para Biden ser vitorioso. Com as vitórias no Arizona,
Michigan e Wisconsin, de acordo com a Associated Press, Biden precisa apenas
confirmar a sua liderança em Nevada, o que é extremamente provável. Sequer
precisaria vencer na Geórgia e na Pensilvânia, onde também tem chance.
Esta
vitória de Biden, se confirmada, não foi um massacre. Trump realmente teve um
desempenho bom na Flórida e expandiu o seu total de votos. Perdeu mais uma vez
no voto popular, como era esperado, mas com um total bem superior a 2016 e
durante uma pandemia. Ainda que não tenha sido massacrado, demonstra um
fracasso do presidente americano ao não conseguir se reeleger. Entra para o
time de George Bush (o pai) e Jimmy Carter.
Diante
de uma possível derrota, Trump se apega ao seu mundo paralelo baseado em
mentiras no qual insistirá ter vencido. Caso fique inviável seguir adiante com
este argumento, dirá que sua derrota foi injusta e tentará recorrer à Justiça.
Jamais aceitará uma derrota. Não faz parte de sua personalidade narcisista,
insegura e mimada. Quando quebrava suas empresas, afirmava ser estratégia
empresarial, não incompetência de um enrolador e trapaceiro.
Nas
próximas semanas, seu discurso ecoará com a base trumpista. Provavelmente,
acreditarão que seu ídolo — para alguns, Deus — venceu e foi sabotado pela
“elite globalista de esquerda”. Espero que não chegue à violência. É
importante, neste momento, a postura dos republicanos, especialmente no Senado.
Figuras como Mitch McConnell, atual líder da maioria republicana, serão
fundamentais para manter a estabilidade da democracia americana em caso de
confirmação da vitória de Biden e não reconhecimento por parte de Trump.
Ainda
assim, mesmo com a possibilidade real de Biden passar a ocupar a Casa Branca e
os senadores republicanos aceitando o resultado, Trump não irá desaparecer.
Manterá seu discurso de vítima e com dezenas de milhões de seguidores nos
Estados Unidos. Terá espaço em alguma rede de televisão, além das redes sociais,
para disseminar suas mentiras e suas teorias da conspiração. Este seu
comportamento impactará eleitores.
O trumpismo talvez tenha a mesma força nos EUA que o peronismo argentino e outros movimentos populistas globais, mesmo após a queda de seus líderes. Novos políticos com a sua mentalidade e ideologia negacionista surgirão. Seus filhos podem também entrar na política. O mundo paralelo de Trump pode perder o palanque da Casa Branca, mas terá uma enorme voz no futuro americano, infelizmente.
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