Bolsonaristas
vão dizer que Trump foi roubado, assim como Bolsonaro acha que foi roubado numa
eleição que ganhou
Quando
Donald Trump derrotou Hillary Clinton em 2016, fazendo jogo sujo, fazia sentido
supor que isso tivesse acontecido por falta de conhecimento. Os americanos
conheciam Trump como apresentador de TV e, digamos, um milionário metido a
besta.
Era
razoável supor também que boa parte dos eleitores estivesse farta da velha
política, ali representada pela figura de um clã. Ok, Bill Clinton havia sido
um bom presidente, Hillary tinha uma carreira pessoal de muito sucesso, mas de
novo?
Também
dava para imaginar que, depois de Obama, os americanos estariam decididos a
experimentar uma virada à direita, como acontecia noutras partes do mundo.
Mas
tudo isso se pensou depois da eleição. Porque, antes, era difícil imaginar que,
depois de eleger o primeiro presidente negro, com o nome Barack Hussein, os
americanos passassem para Trump.
Passaram,
ganharam o benefício da dúvida.
Mas,
passados quatro anos e Trump confirmando todo o jogo sujo que se esperava dele
— e sendo agora amplamente conhecido como político —, admito que me surpreendi
com a competitividade dele.
E,
mais ainda, com alguns números apanhados nestes primeiros momentos, com dados
do “New York Times”. Por exemplo: em comparação com 2016, Trump perdeu votos
entre homens brancos com e sem diploma universitário. Em compensação, ganhou
votos entre latinos de Miami (ok, são cubanos, em geral), mas também entre os
mexicanos do Arizona. Os mexicanos, aqueles que foram simplesmente xingados por
Trump.
De
outro lado, Biden foi pior que Hillary entre negros (homens e mulheres) e
latinos (também homens e mulheres). Era de imaginar o contrário, depois de tudo
o que Trump e seu pessoal haviam feito.
As
primárias mostraram um Partido Democrata bastante dividido num amplo espectro
político. Sim, há socialistas na esquerda democrata, embora não haja um
programa propriamente claro. Não há ninguém propondo a expropriação dos meios
de produção, mas há muita gente contra o “grande capital”. Isso até vem de
longe: Al Gore fez campanha contra o Big Pharma e o Big Oil.
Biden,
talvez para atender a essa esquerda, criticou o Big Oil e propôs algum tipo de
controle de preços ou distribuição social de remédios. Tudo na direção de
evoluir o Obamacare, que não pode ser chamado de socialista, talvez nem de
social-democrata.
Mas
isso, em parte do eleitorado americano, deu alguma credibilidade às acusações
de Trump de que há uma conspiração socialista e anticristã que precisa ser
varrida dos EUA e do mundo.
Aliás,
Trump voltou à ideia quando se declarou vencedor e disse que estava sendo
roubado — não se importando nem um pouco em criar uma crise institucional de
proporções inimagináveis.
Por
outro lado, há republicanos do bem, gente que quer reorganizar o país. Biden
foi senador por muitos anos, presidiu o Senado quando foi o vice de Obama,
conhece republicanos. Pode, portanto, ser uma fonte de entendimento na direção
do centro.
Mas
tanto os republicanos quanto os democratas também elegeram seus radicais.
Permanecerão nos seus partidos ou haverá divisões?
De
todo modo, para o mundo, a quarta-feira terminou melhor do que começou. Biden
muda para melhor o panorama global. Com ele, os EUA voltam ao Acordo de Paris,
à OMS, à Aliança Atlântica. Claro que continua a disputa com a China pela
hegemonia econômica, militar e tecnológica, mas será uma disputa, digamos, mais
inteligente e com muito menos chance de descambar para algum conflito.
Mas
que há muita confusão política/ideológica nos EUA e no mundo, disso não há
dúvida.
E,
para terminar, uma vitória de Biden deixa Bolsonaro inteiramente isolado nas
Américas. E será bem feito. A tal amizade com Trump não trouxe nada de
significativamente lucrativo para o Brasil.
Mas
os bolsonaristas continuam por aí. Vão dizer que Trump foi roubado, assim como
Bolsonaro acha que foi roubado numa eleição que ganhou.
Aliás,
tem uma ironia aí. As nossas urnas eletrônicas saíram-se muito bem, obrigado.
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