Na
eleição dos EUA, quem quer que seja o vencedor, terá dificuldades internas
A
sociedade americana valoriza as liberdades individuais e isso se refletiu na
construção do Estado, ao se evitar dar poderes excessivos ao chefe do Executivo.
Esse aspecto foi reforçado historicamente pelo funcionamento de freios e
contrapesos para conter excessos de governantes. Como resultado, há menos
intervencionismo estatal e, assim, menor dependência da economia na ação
governamental.
A
despeito do descontentamento dos americanos com as instituições, os Estados Unidos são uma democracia madura. Os riscos de
retrocessos e ações truculentas do presidente, que firam espírito da Constituição,
são menores. Não há complacência das instituições democráticas. Exemplo disso
foi a aprovação do impeachment do presidente Trump na
Câmara dos Deputados. Não passou no Senado, mas o recado foi dado.
Trump
se encaixa bem na figura de falastrão. Ainda que não se possa escrever em pedra
promessas de campanha (nem nos Estados Unidos), o fato é que não seria justo
acusá-lo de inação ou de trair seus compromissos. Enquanto isso, as instituições
funcionam.
Propostas
que dependem do Congresso enfrentaram dificuldades ou até foram inviabilizadas.
A redução da carga de impostos sobre empresas ficou aquém do prometido. Não foi
aceita a dotação de recursos para construir o muro na fronteira com o México,
sendo a resposta do congresso o mais longo shutdown – interrupção de
serviços públicos por falta de acordo no congresso sobre o orçamento – da
história americana. Não conseguiu revogar o Obamacare e
substituí-lo por uma redução de custos com planos de saúde, mesmo sendo aquele
programa controverso.
Houve
retrocessos na agenda multilateral, trazendo prejuízo ao comércio mundial.
Porém, não foi decisão isolada de Trump. Ele acerta quando critica as falhas
dos organismos internacionais. A Organização Mundial do Comércio (OMC), por exemplo, tem sido
complacente com China em relação à adesão às regras de propriedade
intelectual e governança. Outro ponto é que o embate com a China é um tema de
Estado, e não de governo. Os democratas questionam a estratégia e o estilo de
Trump, mas não sua motivação. Mesmo no caso de vitória de Joe Biden,
haverá outros capítulos da guerra comercial entre esses países.
Trump
reduziu várias regulações estatais. Ele propôs algo que, em princípio, cairia
muito bem ao Brasil: para cada nova regulação federal solicitada por um
departamento de governo, outras duas teriam de cair. Mesmo quando não é
necessária a deliberação do Congresso, temas mais polêmicos enfrentam reações
contrárias. A maior preocupação recai na legislação ambiental, que vai ao
encontro da decisão de os Estados Unidos saírem do acordo de
Paris, sendo o país que mais emite gases do efeito estufa per
capita. Não está claro o tamanho do impacto e do retrocesso.
Importante
mencionar que a questão ambiental será um ponto onde haverá inflexão no caso de
vitória de Biden, o que repercutirá no Brasil.
A
disputa acirrada nesta eleição, apesar das críticas à gestão da crise de saúde,
sugere que, quem quer que seja o vencedor, enfrentará dificuldades internas.
Nesse sentido, talvez o pior legado de Trump foi ter alimentado a polarização
da sociedade.
No
Brasil, a banda toca diferente. O Executivo tem maior poder, por seus vários
tentáculos na economia. A volta do crescimento depende de muitas reformas que
precisam ser enfrentadas pelo governo, reformulando a intervenção estatal. Uma
combinação que aumenta a responsabilidade do presidente, especialmente com o
Congresso fragmentado e vulnerável à pressão de grupos organizados, que muitas
vezes acabam atrapalhando e manipulando o debate público. Somos uma democracia
menos madura e com instituições mais frágeis.
Enquanto
isso, Bolsonaro parece não compreender o tamanho dessa
responsabilidade e dos riscos à frente, e frustra eleitores ao desprezar a
agenda econômica reformista.
O
fato de estar tão apreensivo com o resultado da eleição norte-americana, apesar
de o Brasil ser pouco relevante na arena externa daquele país, é mais um fator
a denunciar o vazio de seu governo.
*Consultora
e doutora em economia pela USP
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