Foi-se o tempo em que o ministro da Economia era o esteio do governo federal, especialmente em tempos de crise. Com status privilegiado, o chefe da equipe econômica quase sempre teve autoridade e prestígio para suportar as pressões inerentes a seu cargo, sobretudo porque é dele que se esperam decisões que vão afetar diretamente a vida da maioria dos brasileiros. Hoje não é mais assim.
O
presidente Jair Bolsonaro conseguiu a proeza de transformar seu ministro da
Economia, Paulo Guedes, em personagem secundário no jogo de poder em Brasília.
Nisso emparelhou com a presidente Dilma Rousseff, que fez de sua equipe
econômica uma simples despachante de seus delírios fiscais.
E
não se diga que a responsabilidade por esse fiasco é inteiramente do presidente
da República e de sua patente incapacidade para estabelecer um rumo para seu
governo. O ministro da Economia colaborou decisivamente para seu próprio
apequenamento.
Escalado
para ser a face racional de um governo que tinha tudo para ser, digamos,
excêntrico, o ministro Paulo Guedes frustrou todas as expectativas, graças à
sua incapacidade de aceitar o diálogo político, único meio de encaminhar
propostas numa democracia. O ministro foi inábil para convencer até mesmo o
presidente Bolsonaro de suas ideias.
Hoje,
o ministro da Economia luta para retomar o protagonismo num governo claramente
propenso a ignorá-lo em favor daqueles a quem Paulo Guedes apelidou jocosamente
de “ministros fura-teto”, em referência aos colegas de Esplanada que defendem
aumento de gastos.
Não
que os projetos de Paulo Guedes sejam muito melhores que os dos ministros que
alimentam o populismo bolsonarista – ao contrário, várias soluções apresentadas
pelo ministro da Economia desde a posse ou eram gambiarras, como a volta da
CPMF, ou eram simplesmente irrealizáveis, como a intenção de zerar o déficit
público já no primeiro ano de governo. Mas o fato é que Paulo Guedes hoje “está
quase sozinho, isolado, dentro do governo, na defesa da necessidade de se
encontrar caminhos respeitando as regras atuais do jogo, começando pelo teto de
gastos”, como enfatizou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, em entrevista
ao Valor. Ou seja, o ministro da Economia já não consegue se fazer ouvir
num governo que se inclina cada vez mais à demagogia, abandonando promessas de
campanha a respeito da responsabilidade fiscal e da reforma do Estado.
A
redução da “estatura da equipe econômica”, nas palavras do economista José
Roberto Mendonça de Barros em entrevista ao Estado, “é algo raro de acontecer”.
Manifestando uma opinião que está longe de ser isolada, Mendonça de Barros
disse que “claramente o ministro da Economia e sua equipe perderam espaço no
governo” e que “está claro que o ministro perdeu um pouco o rumo das coisas”.
Segundo o economista, Paulo Guedes “repete temas parciais, como a CPMF, e não
enfrenta o que é relevante”.
Para
piorar, lembrou Mendonça de Barros, “todas as propostas da equipe econômica
para compatibilizar a retomada do controle fiscal com os desejos do presidente
foram sumariamente rejeitadas” por Bolsonaro. Nessa toada, com o presidente
deixando todas as decisões importantes para depois das eleições municipais,
“vamos chegar a dezembro sem a menor ideia de para qual lado se vai”, e, para
piorar, “não temos uma política econômica consistente”.
O
diagnóstico não poderia ser mais preciso. O esvaziamento do Ministério da
Economia, algo praticamente inédito na história nacional, está na raiz da
profunda confusão a respeito do futuro imediato do País. É resultado da soberba
do ministro da Economia, que se julgou capaz de revolucionar o Brasil sem
precisar combinar nem com o Congresso nem com o próprio presidente, mas é,
sobretudo, consequência da transformação do governo em comitê de campanha do
presidente Bolsonaro.
Movido
por esse espírito, o presidente já deixou claro que ministros que não lhe
servirem como dedicados cabos eleitorais serão condenados à irrelevância. O
peso dessa decisão arrasta o País para o abismo.
Crime
organizado já não ameaça só a segurança pública, mas o Estado Democrático de
Direito.
Crescem com alarmante velocidade os indícios de infiltração da criminalidade na política. Conforme monitoramento do Estado, a média de mortes por motivações políticas nos dez processos de eleições municipais desde a redemocratização é de 52. Neste ano, 76 brasileiros já foram assassinados por motivações políticas.
Em
parte, a violência reflete a escalada da polarização ideológica. Em outubro, um
estudante de 19 anos foi esfaqueado até a morte após uma carreata no Piauí. A
polícia suspeita que o assassinato tenha ocorrido após uma discussão política
do estudante com um tio. Um outro rapaz foi metralhado num bar próximo a um
comício no Tocantins e um agricultor foi morto por um segurança da prefeitura
de Olho D’água, em Alagoas.
Mas
a principal causa é a infiltração do crime organizado na máquina pública. A
Polícia Federal alerta que o uso de dinheiro do crime para financiamento de
candidaturas cresce em todo o País. Segundo o delegado Elvis Secco, da
Coordenadoria-Geral de Repressão a Drogas e Facções Criminosas, a entrada de
organizações criminosas na política é uma forma de ganhar dinheiro com fraudes
em contratos públicos. Uma investigação da Polícia Civil de São Paulo, por
exemplo, estima que o Primeiro Comando da Capital (PCC) tenha recebido, por
meio de OS’s de fachada, R$ 77 milhões da prefeitura de Arujá, em contratos de
setores como coleta de lixo e serviços de saúde.
Mais
grave é a atuação das milícias, precisamente por trafegarem na zona cinzenta
entre a legalidade e a ilegalidade. Em 2008, o então deputado federal Jair
Bolsonaro elogiou as milícias: “Querem atacar o miliciano, que passou a ser o
símbolo da maldade e pior do que os traficantes”, disse Bolsonaro. “Como ele
ganha R$ 850 por mês, que é quanto ganha um soldado da PM ou do (sic) bombeiro,
e tem a sua própria arma, ele organiza a segurança na sua comunidade.” Mas as
evidências mostram que o mercado de proteção é só a alavanca para a expansão
dos negócios das milícias, que hoje vão da agiotagem, passando pela oferta de
serviços clandestinos (gás, eletricidade, internet) e grilagem, até o tráfico
de drogas e armas.
O
Rio de Janeiro é de longe o Estado com mais assassinatos políticos no País:
foram 26 mortes – quase 35% do total – em 2020. É um reflexo da disputa territorial
entre o narcotráfico e as milícias. Um levantamento coordenado pela USP e UFF
aponta que menos de 2% do território da cidade do Rio de Janeiro está livre do
controle dos criminosos: 55,7% são dominados pelas milícias; 15,4%, pelo
narcotráfico; e 25,2% estão sob disputa.
“Como
quem controla o território controla o voto, as milícias e o crime organizado
passaram a colocar nos Parlamentos municipal e estadual seus representantes,
formando as suas bancadas. Estas, por sua vez, passaram a indicar
representantes seus ou aliados para cargos no Executivo na área de segurança
pública, numa verdadeira metástase”, disse em artigo no Estado o
ex-ministro da Segurança Pública Raul Jungmann. “Paulatinamente, outras partes
do Estado são capturadas – forças de segurança, órgãos de controle, Judiciário,
Ministério Público – e forma-se uma associação criminosa baseada na mútua
proteção e no rateio dos ganhos do crime.”
A
escalada da violência política é sinal de que o crime organizado já não é
apenas uma ameaça à segurança pública, mas ao próprio Estado Democrático de
Direito. Polícias como a do Rio ou São Paulo implementaram forças-tarefa para
impedir que candidatos e eleitores sejam intimidados por criminosos. Mas
medidas reativas não são suficientes. As forças de segurança precisam organizar
núcleos específicos que investiguem permanentemente a relação promíscua entre a
política e o crime, e o cerco precisa se fechar já. Como mostra o monitoramento
do Estado, tipicamente uma segunda onda de violência ocorre no ano
posterior às eleições, quando os criminosos começam a cobrar os favores
prestados aos candidatos. Assim, sem uma repressão robusta, à alta de mortes
políticas neste ano deve se seguir mais um morticínio no ano que vem.
Uma
sombra sobre a internet – Opinião O Estado de S. Paulo
Na
pandemia o uso da rede se expandiu, mas as liberdades se deterioram.
A internet, como apoteose de um processo iniciado com o telégrafo e o telefone, materializou a utopia de um mundo sem distâncias onde cada ser humano – o “animal que fala”, na definição de Aristóteles – pode, em tese, se comunicar instantaneamente com todos os outros ao toque de um botão. Mas na prática, segundo o monitoramento Freedom on the Net, do instituto Freedom House, a liberdade global na rede se deteriorou pelo 10.º ano consecutivo.
Na
pandemia as atividades humanas – comércio, educação, saúde, política,
socialização – se expandiram digitalmente. Mas agentes autoritários
(governamentais ou não) também aproveitaram a oportunidade para manipular
narrativas, censurar críticas e ampliar tecnologias de controle social,
despertando os temores mais sombrios de um futuro distópico.
A
pandemia serviu amplamente de pretexto para limitar o acesso à informação. “As
autoridades frequentemente bloquearam sites independentes de notícias e
aprisionaram indivíduos sob acusações espúrias de disseminar fake news”,
aponta o estudo. “Em muitos lugares, os próprios agentes do governo e seus
zelotas disseminaram informações falsas e enganosas.” Alguns Estados desligaram
a conectividade para grupos marginalizados, alargando e aprofundando divisões
digitais.
Sob
o mesmo pretexto, muitas autoridades também capilarizaram seus aparatos de
patrulha. Por meio da Inteligência Artificial, vigilância biométrica e
ferramentas de big data, agências de segurança, mas também empresas e
mesmo criminosos digitais ampliaram seu acesso a informações sensíveis, como
históricos médicos, padrões faciais e vocais e até códigos genéticos.
A
crise ainda acelerou a fragmentação da internet, com cada governo impondo suas
próprias regulamentações de modo a restringir o fluxo de informações entre as
fronteiras. Muitos manobraram mais ou menos incisivamente na direção de sua
própria “internet nacional”, outrora uma ambição restrita a autocracias como
Irã, Rússia e China.
A
China figurou pelo 6.º ano consecutivo como o ambiente digital menos livre do
mundo. Com a pandemia e a crise em Hong Kong, o Partido Comunista intensificou
sua parafernália de controle, como censura automatizada, vigilância high-tech e
detenções em massa. “Os agentes e a mídia governamental, apoiados por robôs e
trolls, promoveram a desinformação domesticamente e em campanhas ao redor do
mundo.”
A
Índia está entre os cinco países que mais retrocederam em 2020. A maior
democracia do mundo é líder em desativações da rede. No ano passado, pela
primeira vez, o governo derrubou a conexão em grandes cidades, em retaliação
aos protestos de minorias muçulmanas contra uma lei discriminatória. As
autoridades aumentaram as pressões sobre as mídias sociais pela remoção de
conteúdos críticos ao regime nacionalista hindu, e as evidências indicam um
aumento da espionagem contra ativistas, jornalistas e advogados de grupos
marginalizados.
Os
EUA são o sétimo ambiente mais livre, mas regrediram pelo quarto ano
consecutivo, seja por respostas desproporcionais a riscos genuínos apresentados
por aplicativos nacionais e estrangeiros, seja pela sua evasão, quando não
sabotagem, da cooperação internacional.
“Como
a covid-19 demonstrou, enfrentar os desafios de um mundo interconectado exige
uma coordenação efetiva entre a esfera política e a sociedade civil”, alerta a
Freedom House. Dada a natureza global da internet, “para questões relacionadas
à competição, tributação e fluxo de informações transfonteiriço, a coordenação
intergovernamental é plausivelmente mais eficaz do que a regulação ad hoc pelos
Estados”.
A
internet é um ativo inestimável para a democracia. Mas para que possa servir
com todo o seu potencial à liberdade de expressão, ao engajamento comunitário e
ao desenvolvimento econômico, Estados, corporações e sociedades civis precisam
robustecer sua agenda para prover informação confiável e diversificada,
proteger os direitos humanos da vigilância intrusiva e garantir o livre fluxo
de informações contra a escalada do nacionalismo digital.
Ignomínia – Opinião | Folha de S. Paulo
Sistema
eleitoral americano tem defeitos, mas ataque de Trump afronta democracia
Naquilo
que se tornou uma desagradável recorrência, o sistema eleitoral americano fez o
mundo prender a respiração. Vivas são as memórias do impasse de 2000, quando
George W. Bush triunfou um mês depois do pleito, numa cruenta disputa judicial.
Em
2016, Donald Trump repetiu seu colega republicano e também venceu sem ter a
maioria do voto popular. A distorção vem do sistema arcaico de votação nos EUA,
que reflete o caráter federativo central para a fundação do país no final do
século 18. Vence quem tiver mais votos no Colégio Eleitoral.
Com
uma eleição indireta no qual o sistema de votação é díspar nas 50 unidades do
país, a confusão é certa quando a polarização se acentua. Pequenas diferenças
podem mudar todo o resultado final.
E
a divisão da sociedade americana só fez crescer na montanha-russa que foi até
aqui o mandato de Trump, marcado pelo teste constante das fronteiras da
democracia.
Assim
como seus devotos no exterior, e por infortúnio Jair Bolsonaro se sobressai
entre eles, Trump busca a imposição de uma agenda personalista temperada com
mentira e mistificação. Os instrumentos democráticos lograram conter seus
piores intentos, por ora.
Ainda
assim, é com amargo gosto de previsibilidade que se assiste ao espetáculo
promovido por Trump desde a madrugada.
O
presidente cantou vitória com resultados parciais favoráveis em alguns estados
nos quais a corrida contra Joe Biden estava apertada.
Pior,
disse que iria à Justiça com o objetivo de parar a contagem, de modo a
interromper o jogo antes do fim. Seu arremedo de tese é que os democratas
estimularam o voto antecipado pelo correio, que seria vulnerável a manipulação.
A
pandemia impulsionou a modalidade neste ano. A participação, segundo
estimativas, será a maior em 120 anos. Mas, para o presidente, “isso é uma
enorme fraude”. “É uma vergonha para o nosso país. Francamente, nós ganhamos
esta eleição”, disse, como um garoto mimado, o republicano.
Ele
tinha, àquela hora, motivos para celebrar. A “onda azul”, em referência à cor
do Partido Democrata de Biden, não se concretizou.
Os
democratas falharam em galvanizar apoio entre minorias, como os hispânicos, o
que lhes custou os preciosos 29 votos de Colégio Eleitoral na Flórida. A
divisão do país se aprofundou, o que favorece o jogo extremista de Trump.
Biden
deu uma resposta à altura, prometendo obstruir a ignomínia professada por
Trump. Com a aparente reação democrata na apuração desta manhã de quarta,
parecem estar garantidas novas rodadas de ataques aos fundamentos da
democracia. Prender a respiração terá mais de uma utilidade.
Avanço americano – Opinião | Folha de S. Paulo
Estados
descriminalizam drogas; Brasil mantém ênfase retrógrada na repressão
A
marcha da descriminalização das drogas segue avançando a passos firmes nos
Estados Unidos. Na terça-feira (3), em paralelo à eleição presidencial, seis
estados americanos e o Distrito de Columbia (DC) aprovaram o uso
recreativo e medicinal de entorpecentes.
As
principais novidades se deram no Oregon e em DC, sede da capital. No primeiro,
que já permite o consumo de maconha, os eleitores autorizaram o uso do
psicodélico psilocibina como apoio à psicoterapia, em ambientes controlados.
A
substância, extraída de cogumelos, vem demonstrando enorme potencial para o
tratamento da depressão e já foi reconhecida pela agência de regulação dos EUA
como uma terapia de vanguarda, status que permite uma via mais rápida para experimentos
clínicos.
Washington
seguiu caminho semelhante. A medida aprovada exclui do rol de crimes o uso
individual de drogas extraídas de plantas e fungos como a psilocibina, a
ibogaína, a mescalina e a dimetiltriptamina. No caso da capital federal, porém,
a decisão ainda precisa passar pelo crivo do Congresso.
Além
da liberação do psicodélico para uso clínico, o Oregon também deu um largo
passo ao descriminalizar nada menos que o uso de todas as drogas, incluindo
heroína, cocaína e crack. A posse de qualquer uma delas passa a ser punida
somente com multa, e não mais com o encarceramento.
Com
isso, os eleitores do estado optaram por um modelo alternativo ao da fracassada
guerra às drogas. O consumo de entorpecentes passa a ser encarado como uma questão
de saúde pública, na qual o tratamento deve se sobrepor à detenção, paradigma
já adotado em Portugal, por exemplo.
Além
disso, outros cinco estados — Arizona, Dakota do Sul, Nova Jersey, Montana e
Mississipi— realizaram consultas sobre a maconha. Os quatro primeiros
legalizaram o consumo adulto recreativo, e o último, assim como a Dakota do
Sul, aprovou o uso médico.
Embora
os EUA ainda mantenham a proibição das drogas em âmbito federal, o progresso
nos últimos anos com relação à cânabis —que com os novos resultados já é
autorizada para ao menos uma modalidade de consumo em quase 40 estados— faz com
que 1 em cada 3 americanos possa contar com a erva a partir de agora.
Enquanto
isso, prevalece no Brasil a ênfase retrógrada na repressão, que abarrota
cadeias com usuários enquadrados como traficantes.
Investigação das ‘rachadinhas’ deve ir até o fim – Opinião | O Globo
Provas
contra Queiroz e Flávio se tornam mais robustas. Será preciso resistir à
pressão do Planalto
O
Ministério Público do Rio divulgou no final da noite da terça-feira a denúncia
que apresentou em outubro contra o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e
o ex-PM Fabrício Queiroz, no caso das “rachadinhas”, em que o Zero Um é acusado
de comandar um esquema de desvio do salário de assessores em seu gabinete,
quando era deputado na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). A surpresa foi a
apresentação, no inquérito, de uma testemunha do golpe.
Trata-se
de Luiza Sousa Paes, que afirmou ter sido contratada por Queiroz para trabalhar
no gabinete de Flávio, desde que devolvesse 90% do salário. Em depoimento, ela
relatou que esteve lotada no gabinete, sem trabalhar, entre agosto de 2011 e
abril de 2012, quando foi transferida à TV Alerj. Depois foi alocada no
Departamento de Planos e Orçamento. Contou que, durante o período, dava a
Queiroz a maior parte do salário, em transferências e depósitos, e apresentou
extratos comprovando repasses de R$ 160 mil.
O
depoimento e as provas apresentadas pela testemunha aumentam a robustez da
denúncia contra Flávio e Queiroz por crimes de peculato, lavagem de dinheiro e
organização criminosa. Deverão aumentar também as pressões do Planalto sobre o
Judiciário e o Ministério Público, para que o filho e o amigo do presidente
Jair Bolsonaro escapem de uma condenação.
O
caso das “rachadinhas” chegou a ser mencionado de forma subreptícia por
Bolsonaro na fatídica reunião ministerial de abril, ao explicar por que precisava
de acesso privilegiado — e ilegal —à PF, afirmando ter necessidade de defender
a “família e amigos”.
É
de esperar novas manobras do Planalto em defesa da dupla. A última, bastante
ousada, foi a tentativa de mobilizar organismos de Estado — Gabinete de
Segurança Institucional (GSI) e Agência Brasileira de Inteligência(Abin) —para
ajudar na defesa do filho. Bolsonaro tentou, como revelou a revista “Época”,
usar os dois braços do Estado para descobrir se as informações sobre Flávio
apuradas pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e pela
Receita Federal haviam sido repassadas ilegalmente ao MP do Rio. Nada foi
constatado.
O
grosso das provas recolhidas contra a dupla se baseia em levantamentos sólidos,
que mostram como Queiroz recolhia parte dos salários de assessores do gabinete
do Zero Um e repassava a ele os recursos, depois lavados em operações
imobiliárias ou numa loja de chocolates. Tais assessores eram familiares ou
próximos a Queiroz e ao clã Bolsonaro. Precisavam ser de extrema confiança.
Fausto, pai de Luiza Paes, era amigo e vizinho de Queiroz.
As
relações de compadrio parecem tão arraigadas que Bolsonaro não se furta nem
mesmo a usar organismos do Estado para tentar livrar seus familiares e amigos
da Justiça, numa afronta à Constituição. É preciso proteger o Judiciário e o MP
dessas investidas para que, uma vez julgados os crimes tornados ainda mais
evidentes pela denúncia, os culpados possam ser punidos nos termos da lei, de
modo exemplar.
Rio perde com a hesitação do governador em privatizar Cedae – Opinião | O Globo
Além
de ser uma exigência do Regime de Recuperação Fiscal, a concessão melhoraria os
serviços
O
governador em exercício do Rio, Cláudio Castro, presta um desserviço ao estado
quando põe em dúvida a concessão da Cedae, cuja modelagem está a cargo do Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Na semana passada,
Castro enviou sinais contraditórios a respeito do leilão da estatal, previsto
para ocorrer até o fim do ano. Afirmou que, embora o objetivo seja a
desestatização, ela só acontecerá se for benéfica para a população. “O Rio, com
pressa, já fez maus negócios simplesmente pela questão financeira. Isso não se
repetirá”, disse.
As
declarações repercutiram mal no mercado. Assustaram investidores ao transmitir
um sinal claro de insegurança jurídica. A posição de Castro surpreende porque a
concessão da Cedae é uma exigência do Regime de Recuperação Fiscal (RRF) a que
o Rio aderiu em 2017. A companhia foi dada como garantia do empréstimo de R$
2,9 bilhões, feito pelo BNP Paribas para pagar salários do funcionalismo. Se o
estado não quitar a dívida, a empresa passará à União. Desde que assumiu o
governo, com o afastamento de Wilson Witzel, Castro tem como uma de suas
principais missões renovar o RRF.
Ainda
que não fosse pelas exigências do socorro financeiro, que há três anos tirou o
Rio de uma crise sem precedentes, a concessão da Cedae é uma decisão que se
impõe pela conhecida ineficiência da companhia, responsável pelo fornecimento
de água e esgoto em 64 dos 92 municípios do estado, entre eles a capital
fluminense. O presidente da Associação Brasileira das Concessionárias Privadas
de Água e Esgoto (Abcon), Percy Soares, lembra que “o Rio tem um enorme
déficit, principalmente no tratamento de esgoto, que perdura há décadas”.
No
ranking do Instituto Trata Brasil, o Rio ocupa o 52ª lugar entre cem cidades,
com 97% de atendimento de água e 85% de coleta de esgoto, dos quais apenas 42%
são tratados. Embora o fornecimento de água esteja quase universalizado, a
qualidade não é boa. Às vésperas do verão, a geosmina — que deixa a água com
gosto ruim e mau cheiro — ainda preocupa. Sem recursos, a Cedae simplesmente
não tem como suprir tais deficiências.
Ao hesitar sobre a concessão, Castro cede ao lobby das corporações e à Assembleia Legislativa, que tentam barrar o leilão da estatal. A privatização significará investimentos de R$ 32,5 bilhões para o estado. Permitirá a universalização do fornecimento de água em até 14 anos e da coleta de esgoto entre 15 e 20 anos. Castro deveria se preocupar em melhorar as condições de saneamento da população e a saúde financeira do estado. A concessão da Cedae é condição para a renovação do RRF, por sua vez essencial à sobrevivência do Rio — e do próprio governo.
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