domingo, 1 de novembro de 2020

Lourival Sant'Anna - Flórida, de novo, decisiva

- O Estado de S.Paulo

Tática de ganhar eleição no grito, como em 2000, pode ser usada mais uma vez

O resultado das eleições nos Estados Unidos depende da aceitação ou rejeição dos americanos da tentativa do presidente Donald Trump de normalizar duas causas de mortes: covid-19 e violência policial contra negros. Assim como em 2000, a apuração na Flórida pode ter papel crucial na aceitação do resultado; dessa vez, num ambiente mais volátil e potencialmente violento. Vota em Trump quem aceita a tese de que as 230 mil mortes e os 9 milhões de casos são uma tragédia inevitável. O eleitor de Joe Biden atribui parte disso a falhas de liderança do presidente.

A covid-19 é uma preocupação menor para os jovens. Eles foram mobilizados neste ano pela morte de George Floyd, dia 25 de maio. O episódio trouxe à tona a desigualdade de tratamento que a polícia americana – assim como a brasileira – dispensa a negros e brancos. A causa canalizou as energias de jovens de todas as raças, depois de meses enclausurados em suas casas. Nesse período de eleições antecipadas, muitos jovens estão votando pela primeira vez, reforçando o histórico comparecimento e o favoritismo de Biden.

Muitas mulheres brancas dos subúrbios de classe média e alta também foram capturadas pela cena de Floyd, um homem alto e robusto, chamando por sua mãe e dizendo que não estava conseguindo respirar. Essa é uma fatia do eleitorado que ajudou a eleger Trump em 2016, e que já vinha se deslocando para os democratas nas eleições de 2018, quando a oposição recuperou a maioria na Câmara dos Deputados. As razões principais antes da morte de Floyd eram a inflação nos preços dos planos de saúde e dos medicamentos, fruto da desregulamentação promovida por Trump, e as atitudes e declarações destrambelhadas do presidente.

Pesquisa da CNN mostrou que os brancos (60% da população) têm muito menos preocupações com a criminalidade do que os latinos (18%) e negros (13%). Logo, a ênfase de Trump na “lei e ordem” não foi uma estratégia eficaz para atrair o voto branco, e afastou os latinos e negros, que associam esse lema à brutalidade policial, e não à proteção.

A apuração dos votos da Flórida, assim como em outros Estados cuja lei permite, já começou, e o governo estadual (republicano) promete divulgar o resultado na noite da eleição, terça-feira. Se a promessa for cumprida e Biden vencer na Flórida, o caminho de Trump para a reeleição estará praticamente bloqueado: ele teria de vencer nos outros quatro Estados em que as pesquisas indicam empate técnico (Iowa, Ohio, Carolina do Norte e Geórgia), no Wisconsin, Michigan e Pensilvânia, nos quais Biden tem de 7 a 9 pontos de vantagem nas pesquisas, e ainda lhe faltariam 6 votos no Colégio Eleitoral.

Biden se elege mesmo perdendo na Flórida e nos outros Estados com empate técnico. Basta para ele ganhar nos Estados em que tem vantagem acima da margem de erro nas pesquisas. Em 2000, o então vice-presidente democrata Al Gore derrotou George W. Bush no voto popular por mais de 500 mil votos, mas perdeu no Colégio Eleitoral por 271 a 266, por causa de uma diferença de 537 votos na Flórida.

Em vista de falhas em máquinas de votação, ele pediu a recontagem dos votos em dois distritos. Ativistas republicanos liderados por Roger Stone invadiram o local e interromperam a recontagem, gritando “fraude eleitoral”. Com o aumento das tensões e o prolongamento do impasse, Gore não recorreu na Corte Suprema e concedeu a vitória a Bush. Stone se tornou consultor e amigo de Trump, que o indultou em julho da pena de 40 meses de prisão por mentir sobre seus contatos com russos em 2016, em nome do presidente eleito.

A mesma técnica de ganhar a eleição no grito pode ser usada novamente, se a apuração for apertada. Com a diferença de que agora grupos armados dos dois lados estão mobilizados para recorrer à violência se se sentirem roubados. A Flórida tem mais uma vez o destino do país nas mãos.

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