- Publicado
no jornal A Gazeta, de Vitória/ES, 31/10/2020.
No início do próximo mês de novembro, exatamente quando o Brasil se prepara para a realização de mais uma eleição, um episódio obscuro e quase esquecido da história política dos país estará completando 50 anos. Trata-se da Operação Gaiola, desencadeada pela ditadura que governava o país para garantir a vitória dos candidatos do partido de sustentação do regime, a Aliança Renovadora Nacional (Arena) nas eleições de 1970. O presidente na época, indicado pelos militares e eleito de forma indireta pelo Congresso Nacional, era o general Emilio Garrastazu Médici.
A
ditadura havia sido escancarada desde a decretação do AI-5, em 13 de dezembro de 1968, quando o Congresso
foi fechado, com posterior cassação de
mandatos de parlamentares, aposentadoria compulsoria de ministros do STF, a permissão de prisões sem mandados judiciais
e o fim dos habeas corpus para presos políticos. Não existem números oficiais,
mas pesquisadores como o brasilianista norte-americano Thomas Skidimore e Maria
D’alva Kinzo, estimam que entre 5 mil a 10 mil pessoas consideradas adversárias
do regime, foram presas entre o final de outubro e a véspera das eleições de
1970. Não houve inquérito, processo, ordem judicial ou intimação. Era o
exercício bruto do arbítrio e da truculência de um regime ditatorial.
O
Movimento Democrático Brasileiro (MDB), partido da oposição consentida, criado
pela própria ditadura em 1965, junto com a sigla governista, estava combalido
pelas cassações feitas pelo AI-5 e tinha dificuldades até para montar chapas de
candidatos em vários municicípios e Estados. Mas ainda era pouco para o governo
militar, que queria uma esmagadora maioria para consolidar a imagem do regime
aos olhos do mundo, varrendo para debaixo do tapete o sangue que espirrava das
vítimas de torturas, execuções e “desaparecimentos” dentro e fora de instalações
oficiais.
O
jornalista Rubem Gomes Câmara Gomes, um dos formadores de opinião que foi presos
no Espírito Santo naquela, estima em 120 o número de pessoas presas no Estado, entre jornalistas,
profissionais liberais, intelectuais, estudantes e formadores de opinião. O
médico José Cipriano da Fonseca e o economista Antônio Caldas Brito, acreditam
que as prisões podem ter chegado a 200.
Os presos chegavam de todo Estado, inclusive do interior, em geral
trazidos por políciais federais, e eram levados para Superintendência da
Polícia Federal, que na época ficava na Avenida Vitória, sendo depois levadas
para o quartel do então 3º Batalhão de Caçadores (hoje 38º Batalhão de
Infantaria), na Prainha, em Vila Velha.
Zezinho
Cipriano, como é mais conhecido, ex-líder estudantil, foi preso em Barra de São
Francisco, no quando atendia pacientes no Centro de Saúde local. “Nenhuma
explicação foi dada, nem antes e nem depois. A gente apenas sabia que tinha
gente sendo presa em tudo quanto lugar. Um dia, perguntei ao major Anésio o
motivo da prisão, e ele me disse apenas que prenderam porque receberam ordem de
prender”, relata.
Caldas
Brito foi preso por militares do Exército no escritório de sua empresa, no
Edifício A Gazeta. Câmara Gomes conta que, depois de três dias, ele e um grupo
de presos foi levado para uma ala da
Penitenciária Pedra D'Água, o IRS (Instituto de Readaptação Social), na Glória,
que havia sido esvaziada com a transferência dos presos comuns até para
delegacias do interior. Já Zezinho Cipriano e Caldas Brito permaneceram na
enfermaria do quartel, junto com os outros presos de nivel superior.
Entre
os presos, eles citam os médicos Aldemar de Oliveira Neves e Caetano Magalhães;
o escritor e folclorista Hemorgenes da Fonseca, o advogado Sizenando Pechincha,
que mais tarde seria presidente do Vitória Futebol Clube, os jornalistas Vitor
Costa e Ewerton Montenegro Guimarães – que estava se formando em Direito -, o
ex-prefeito de Colatina, Moacir Brotas, e Cantídio Sampaio, que anos
depois seria prefeito de Iúna. Nem
candidatos às eleições daquele ano foram poupados, como o médico Gilson Carone,
que concorria à Prefeitura de Cachoerio, e Benedito Elias, que disputava em
Linhares.
Os
presos só começariam a ser libertados nos dois dias que antecederam as
eleições. O objetivo da ditadura, em
parte, foi atingido, pois a Arena ficou com 87% das cadeiras do Senado, 71% na
Câmara dos Deputados e 70,6% nas Assembleias Legislativas. O problema é que também houve aumento dos
votos nulos e brancos, que nas eleições proporcionais passaram de 21,1% em 1966
para 30,3% em 1970.
Quatro anos, nas eleições de 1974, o
MDB ganhou 16 das 22 vagas em disputa no Senado e dobrou a bancada na Câmara.
Mas ainda seriam necessários mais de 10 anos para que a ditadura saísse de
cena, em 1985, deixando o legado da modernização conservadora da economia que
teve como saldo a hiperinflação, um gigantesco endividamento externo, um
crescimento urbano desordenado, aumento da pobreza e da concentração de renda e
434 brasileiros e brasileiras que morreram ou “desapareceram” nas mãos de
agentes do Estado.
*Alexandre Caetano é jornalista e historiador.
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