De
volta à normalidade
Em dia de fúria, o presidente Jair Bolsonaro teve pelo menos um momento de argúcia. Foi quando desabafou, em cerimônia no Palácio do Planalto: “Não estou preocupado com a minha biografia. Se é que eu tenho biografia”. De fato, não está. Do contrário, não teria feito o que fez em um período de poucas horas.
Começou
o dia celebrando o falso insucesso da vacina chinesa contra a Covid-19. Depois
disse que o Brasil, temeroso do vírus, não passa de um país de maricas. Por
fim, afirmou que se não houver entendimento com o futuro governo de Joe Biden
em torno do futuro da Amazônia, chegará a hora de usar a pólvora.
Biden
ameaça o Brasil com sanções econômicas se Bolsonaro não cuidar melhor da
Amazônia, onde aumenta o desmatamento e multiplicam-se os focos de incêndio.
Bolsonaro tenta vender aos brasileiros a ideia de que outros povos querem
ocupar a Amazônia porque ela é muito rica em minérios. Daí a referência a guerra.
Foram
os chineses que inventaram a pólvora. Segundo garantiu há oito anos o general
Maynard Marques Santa Rosa, ex-secretário de Política, Estratégia e Assuntos
Internacionais do Ministério da Defesa, as Forças Armadas do Brasil não possuem
munição suficiente para sustentar uma hora de combate.
Bravata
pura de Bolsonaro! Que mereceu, uma hora mais tarde, a resposta indireta do
embaixador americano no Brasil. Viralizou nas redes sociais o vídeo postado
pelo embaixador sobre a passagem de mais um aniversário do Corpo de Fuzileiros
Navais dos Estados Unidos. Uma demonstração de força bem a propósito.
O
saldo do dia em que Bolsonaro despiu a fantasia recém-vestida de presidente
normal e reconciliou-se com o que sempre foi, é e será, pode ser resumido
assim:
*
Aumentou a desconfiança em relação a uma vacina promissora como tantas outras
que estão sendo testadas aqui e lá fora;
*
Aumentou também a desconfiança nas decisões técnicas da Agência Nacional de
Vigilância Sanitária, até aqui amplamente respeitada no exterior;
*
O Supremo Tribunal Federal sentiu-se obrigado a interferir na questão dando um
prazo de 48 horas para que o governo explique por que suspendeu os testes com a
Coronavac;
+
Outra vez, os governadores se uniram contra o presidente da República e o
acusaram de politizar o combate à pandemia.
O
que mais, além do medo de não se reeleger em 2022, levaria Bolsonaro a
comportar-se da forma estúpida e amadora como se comportou criando uma uma nova
crise? Não é possível que a derrota do seu ídolo Donald Trump o tenha afetado
tão gravemente a ponto de ele perder o juízo.
Maior
do que o medo de não se reeleger deve ser o medo de assistir ao colapso da
carreira política do seu filho mais velho Flávio Bolsonaro, réu pelos crimes de
peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa no esquema de desvio de
dinheiro público à época em que era deputado estadual no Rio de Janeiro.
O
presidente acidental eleito há dois anos transformou-se num presidente
atormentado. Ruim para ele, pior para o país.
Para o livro dos pensamentos de um presidente atormentado
Medo
de perder a cadeira e apelo para que deixem sua família em paz
*
“Morte, invalidez, anomalia. Esta é a vacina que o [governador João
Doria] queria obrigar todos os paulistanos a tomá-la”, escreveu o
presidente como resposta. O presidente disse que a vacina jamais poderia ser
obrigatória. Mais uma que Jair Bolsonaro ganha”.
*
“Tudo agora é pandemia. Tem que acabar com esse negócio. Lamento os mortos,
todos nós vamos morrer um dia. Não adianta fugir disso, fugir da realidade, tem
que deixar de ser um país de maricas”.
(Maricas,
segundo os dicionários, quer dizer: que tem comportamentos tidos como
femininos; efeminado; que é homossexual; gay; repleto de covardia e medo.)
*
“Começam a amedrontar o povo brasileiro com a segunda onda. […] O que faltou
para nós não foi um líder, foi não deixar o líder trabalhar”.
*
“Vem uma turminha aí falar ‘queremos o centro’, nem ódio para cá nem ódio para
lá. Ódio é coisa de maricas. Meu tempo de bullying na escola era porrada. Agora
chamar um cara de gordo é bullying. Nós temos como mudar o destino do Brasil,
não terão outra oportunidade”.
*
“Querem chegar lá [na presidência] não pelos seus próprios méritos. Não querem
chegar pelos seus méritos, mas derrubar quem está lá. Se alguém acha que tenho
‘uma tesão’ por aquela cadeira lá está completamente enganado.”
* “Não
teremos um líder feito no Brasil de dois anos, não vai aparecer. A não ser
montado na grana, comprando um tantão de coisa por aí, em especial os
marqueteiros. Fora isso, não terão outros líderes num curto espaço de tempo”.
* “O Brasil não pode ir para esse lado (da esquerda), meu Deus do céu. Minha cadeira está à disposição. [Vejo pessoas] criticando, falando mal, falando besteira, mentindo, provocando, caluniando, perseguindo meus familiares o tempo todo”.
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