quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Ricardo Noblat - Bolsonaro é a mais perfeita tradução do seu (des) governo

- Blog do Noblat | Veja

De volta à normalidade

Em dia de fúria, o presidente Jair Bolsonaro teve pelo menos um momento de argúcia. Foi quando desabafou, em cerimônia no Palácio do Planalto: “Não estou preocupado com a minha biografia. Se é que eu tenho biografia”. De fato, não está. Do contrário, não teria feito o que fez em um período de poucas horas.

Começou o dia celebrando o falso insucesso da vacina chinesa contra a Covid-19. Depois disse que o Brasil, temeroso do vírus, não passa de um país de maricas. Por fim, afirmou que se não houver entendimento com o futuro governo de Joe Biden em torno do futuro da Amazônia, chegará a hora de usar a pólvora.

Biden ameaça o Brasil com sanções econômicas se Bolsonaro não cuidar melhor da Amazônia, onde aumenta o desmatamento e multiplicam-se os focos de incêndio. Bolsonaro tenta vender aos brasileiros a ideia de que outros povos querem ocupar a Amazônia porque ela é muito rica em minérios. Daí a referência a guerra.

Foram os chineses que inventaram a pólvora. Segundo garantiu há oito anos o general Maynard Marques Santa Rosa, ex-secretário de Política, Estratégia e Assuntos Internacionais do Ministério da Defesa, as Forças Armadas do Brasil não possuem munição suficiente para sustentar uma hora de combate.

Bravata pura de Bolsonaro! Que mereceu, uma hora mais tarde, a resposta indireta do embaixador americano no Brasil. Viralizou nas redes sociais o vídeo postado pelo embaixador sobre a passagem de mais um aniversário do Corpo de Fuzileiros Navais dos Estados Unidos. Uma demonstração de força bem a propósito.

O saldo do dia em que Bolsonaro despiu a fantasia recém-vestida de presidente normal e reconciliou-se com o que sempre foi, é e será, pode ser resumido assim:

* Aumentou a desconfiança em relação a uma vacina promissora como tantas outras que estão sendo testadas aqui e lá fora;

* Aumentou também a desconfiança nas decisões técnicas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, até aqui amplamente respeitada no exterior;

* O Supremo Tribunal Federal sentiu-se obrigado a interferir na questão dando um prazo de 48 horas para que o governo explique por que suspendeu os testes com a Coronavac;

+ Outra vez, os governadores se uniram contra o presidente da República e o acusaram de politizar o combate à pandemia.

O que mais, além do medo de não se reeleger em 2022, levaria Bolsonaro a comportar-se da forma estúpida e amadora como se comportou criando uma uma nova crise? Não é possível que a derrota do seu ídolo Donald Trump o tenha afetado tão gravemente a ponto de ele perder o juízo.

Maior do que o medo de não se reeleger deve ser o medo de assistir ao colapso da carreira política do seu filho mais velho Flávio Bolsonaro, réu pelos crimes de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa no esquema de desvio de dinheiro público à época em que era deputado estadual no Rio de Janeiro.

O presidente acidental eleito há dois anos transformou-se num presidente atormentado. Ruim para ele, pior para o país.

Para o livro dos pensamentos de um presidente atormentado

Medo de perder a cadeira e apelo para que deixem sua família em paz

* “Morte, invalidez, anomalia. Esta é a vacina que o [governador João Doria] queria obrigar todos os paulistanos a tomá-la”, escreveu o presidente como resposta. O presidente disse que a vacina jamais poderia ser obrigatória. Mais uma que Jair Bolsonaro ganha”.

* “Tudo agora é pandemia. Tem que acabar com esse negócio. Lamento os mortos, todos nós vamos morrer um dia. Não adianta fugir disso, fugir da realidade, tem que deixar de ser um país de maricas”.

(Maricas, segundo os dicionários, quer dizer: que tem comportamentos tidos como femininos; efeminado; que é homossexual; gay; repleto de covardia e medo.)

* “Começam a amedrontar o povo brasileiro com a segunda onda. […] O que faltou para nós não foi um líder, foi não deixar o líder trabalhar”.

* “Vem uma turminha aí falar ‘queremos o centro’, nem ódio para cá nem ódio para lá. Ódio é coisa de maricas. Meu tempo de bullying na escola era porrada. Agora chamar um cara de gordo é bullying. Nós temos como mudar o destino do Brasil, não terão outra oportunidade”.

* “Querem chegar lá [na presidência] não pelos seus próprios méritos. Não querem chegar pelos seus méritos, mas derrubar quem está lá. Se alguém acha que tenho ‘uma tesão’ por aquela cadeira lá está completamente enganado.”

* “Não teremos um líder feito no Brasil de dois anos, não vai aparecer. A não ser montado na grana, comprando um tantão de coisa por aí, em especial os marqueteiros. Fora isso, não terão outros líderes num curto espaço de tempo”.

* “O Brasil não pode ir para esse lado (da esquerda), meu Deus do céu. Minha cadeira está à disposição. [Vejo pessoas] criticando, falando mal, falando besteira, mentindo, provocando, caluniando, perseguindo meus familiares o tempo todo”.

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