As
reações de Bolsonaro são típicas de quem tem uma grande perda, no caso, o
colapso da sua aliança estratégica com Trump. É um processo que começa pela
negação e evolui para a raiva
O
presidente Jair Bolsonaro ainda não conseguiu processar a derrota de Donald
Trump nas eleições para a Presidência dos Estados Unidos. Em parte, isso
explica o fato de não ter manifestado, ainda, as congratulações devidas ao
democrata Joe Biden, o novo presidente norte-americano, somando-se aos poucos
chefes de Estado que ainda não o fizeram, entre os quais Vladimir Putin, da
Rússia, e Xi Jinping, da China, que têm disputas estratégicas com os norte-americanos
muito diferentes das nossas contradições com os EUA. No momento, a atitude de
Bolsonaro situa o Brasil nesse quadrante político, mas isso não tem a menor
aderência à realidade geopolítica da qual fazemos parte historicamente.
Para
usar uma velha expressão popular, Bolsonaro está sem pai nem mãe na política
internacional. Seu comportamento parece emocional, porém, politicamente, é
muito semelhante ao de Vladimir Putin em relação ao então presidente
norte-americano Barack Obama, e à primeira-ministra alemã, Angela Merkel. Ambos
o decepcionaram por tratarem a Rússia como uma nação decadente e a ele,
pessoalmente, como um líder de segunda classe. Putin deu as costas ao Ocidente
e recorreu ao nacionalismo russo para se manter no poder, até hoje, com apoio
dos militares, controle do Judiciário e da imprensa, e uma estreita aliança com
a Igreja Ortodoxa Russa, para uma contrarreforma nos costumes.
Entretanto,
na prática, uma conexão ideológica com Putin não faz o menor sentido em termos
geopolíticos. As reações de Bolsonaro são típicas de quem está em dificuldades
diante de uma grande perda, no caso, o colapso da sua aliança estratégica com
Trump. É um processo que, psicologicamente, começa pela negação e evolui para a
raiva. O presidente da República parece estar entre uma fase e outra. Num divã
de psicanálise, suas declarações levariam a essa conclusão: “A minha vida aqui
é uma desgraça, problema o tempo todo. Não tenho paz para absolutamente nada.
Não posso mais tomar um caldo de cana na rua, comer um pastel. Quando eu saio,
vem essa imprensa me perturbar. Pegar uma piada que eu faço com Guaraná Jesus
para tentar me esculhambar”.
Bolsonaro
disse, ontem, que o Brasil é um “país de maricas”, por duas vezes: “Tudo agora
é pandemia. Tem de acabar com esse negócio, pô. Lamento os mortos, lamento.
Todos nós vamos morrer um dia. Não adianta fugir disso, fugir da realidade. Tem
de deixar de ser um país de maricas, pô. Olha que prato cheio para a imprensa,
para a urubuzada que está ali atrás. Temos de lutar. Peito aberto, lutar. Que
geração é essa nossa? A geração hoje em dia é toddynho, nutella, zap. É uma
realidade”, disse.
Bolsonaro
voltou a investir contra a urna eletrônica: “Não temos um sistema sólido de
votação no Brasil, que é passível de fraudes, sim. Tudo pode mudar no futuro
com fraude. Eu entendo que só me elegi presidente porque tive muitos votos, e
não gastei nada, não: 2 milhões de reais, arrecadado por vaquinha”. Bolsonaro
defende a volta do voto impresso, já rechaçada pelo presidente do Tribunal
Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso, e endossa as acusações
de Donald Trump de que a vitória de Biden está sob suspeita de fraude, o que, a
essa altura do campeonato, é um desastre diplomático.
Mas
o fato que assustou todo mundo, inclusive ministros do governo e os líderes
governistas no Congresso, foi a declaração de Bolsonaro comemorando a morte de
um dos voluntários que estão testando a vacina chinesa CoronaVac, em pesquisa
do Instituto Butantan, que a Anvisa, indevidamente, suspendeu. Além da absurda
falta de empatia, Bolsonaro mentiu, ao afirmar que a vacina foi a causa mortis,
quando se trata de um caso de suicídio. Se o presidente da República continuar
nessa rota, teremos um formidável caso de suicídio político.
Sua declaração de que pode defender a Amazônia com pólvora, contra a suposta interferência de Biden, é simplesmente insana: “Assistimos, há pouco, um grande candidato a chefia de Estado dizer que, se eu não apagar o fogo da Amazônia, ele levanta barreiras comerciais contra o Brasil. E como é que podemos fazer frente a tudo isso? Apenas na diplomacia não dá, não é, Ernesto (Araújo)? Quando acaba a saliva, tem de ter pólvora, senão não funciona. Não precisa nem usar pólvora, mas tem de saber que tem. Esse é o mundo. Ninguém tem o que nós temos.”
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