quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Bruno Boghossian - O túmulo como palanque

- Folha de S. Paulo

Presidente sobe mais um degrau na exploração macabra do governo em nome de interesses políticos

Jair Bolsonaro não teve vergonha de admitir que está mais preocupado com ganhos pessoais do que com a vida dos cidadãos. Ao festejar a interrupção dos testes da Coronavac, o presidente subiu um degrau na exploração macabra do governo em nome de interesses políticos.

Bolsonaro lançou mão de algumas marcas registradas: usou um túmulo como palanque, reforçou suspeitas de aparelhamento de um órgão público e surfou na desinformação para buscar uma vitória particular.

Logo pela manhã, o presidente celebrou a decisão da Anvisa de suspender os experimentos da vacina do laboratório chinês Sinovac após o registro de um “evento adverso” com um voluntário. Ele ironizou o desafeto João Doria, patrono político do imunizante, e sentenciou: “Mais uma que Jair Bolsonaro ganha”.

Àquela altura, coordenadores do Instituto Butantan já diziam que o tal “evento adverso” não tinha relação com a vacina, mas o presidente não se importou. Mais tarde, soube-se que o voluntário havia morrido por suicídio ou overdose.

O presidente da Anvisa não quis comentar a festa do chefe. Antonio Barra Torres disse que rejeitava insinuações de que o órgão agia para favorecer Bolsonaro. Ele declarou ainda que só tinha “informações incompletas” a respeito da morte, que não indicavam a suspeita de suicídio.

Isso não explica por que o presidente mentiu sobre o caso. Ao comentar a interrupção dos testes, Bolsonaro afirmou sem provas que o imunizante provocava danos graves: “Morte, invalidez, anomalia. Esta é a vacina que o Doria queria obrigar todos os paulistanos a tomá-la”.

A decisão de interromper os testes da Coronavac segue padrões éticos desse campo, mas a decisão de explorar a suspensão é política e joga dúvidas sobre o trabalho da Anvisa.

O presidente da agência ainda tentou fingir que Bolsonaro não havia manchado o trabalho do órgão. “Fomos acometidos agora por alguma loucura que fez jogar por terra tudo o que já fizemos até agora?”, perguntou Barra Torres. Não, não foi agora.

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