sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

Geraldo Tadeu Monteiro* - Rio: última chamada

- O Globo

Por trás da imagem ufanista, o Rio é hoje uma cidade empobrecida, desordenada, poluída e desigual

Nós, cidadãos cariocas, crescemos ouvindo a narrativa do “Rio, Cidade Maravilhosa”, cosmopolita, dona de incríveis belezas naturais. Em suma, uma cidade pronta. Mas, este estereótipo, reforçado pela propaganda oficial e pela indústria do turismo, esconde o mar de problemas que a nossa cidade enfrenta. Por trás da imagem ufanista, o Rio é hoje uma cidade empobrecida, desordenada, poluída e desigual. No limiar de um novo governo municipal, é preciso se perguntar por onde andam os projetos de cidade que nos permitiriam atravessar esses tempos sombrios. É o sentido deste trabalho: apontar um caminho atuando em três eixos: desenvolvimento econômico sustentável e social, institucionalidade e justiça social.

Com o tempo, o Rio empobreceu e se tornou mais desigual. Embora represente o 2º PIB municipal do país (5,34%), a cidade encolheu 56,8% desde 1970, quando possuía 11% da riqueza nacional. Na renda per capita, o Rio caiu mais de 50 posições no ranking nacional nos últimos anos. Na área da sustentabilidade, o Rio trata apenas 42,9% do seu esgoto. A Baía de Guanabara recebe 10.800 litros de esgoto não tratado por segundo. Nada meritório para a cidade que sediou a Eco 92 e a Rio + 20. No quesito justiça social, tampouco estamos bem. Em 1991, éramos o 7º IDH do país, hoje somos apenas o 45º. Em 2010, a expectativa de vida na Gávea era de 80,5 anos e no Complexo do Alemão era de 64,6 anos. A renda per capita na Lagoa era R$ 2.955, enquanto no Jacarezinho era de incríveis R$ 177. Com 57% do seu território dominado por milícias e outros 15% sob controle do tráfico, o Rio, que conta ainda 14 mil camelôs legalizados (e sabe-se lá quantos não legalizados), mais de 15 mil moradores de rua e mais de 20 mil imóveis irregulares carece de institucionalidade. Uma debilidade, no entanto, que é funcional, pois abre espaço para a negociação e cooptação política com agentes da desordem.

Para sair da crise, o primeiro eixo é o desenvolvimento econômico e social com sustentabilidade. O Estado não deve mais ser apenas o síndico do prédio; deve atuar como indutor do crescimento econômico da cidade investindo no potencial do Rio como um hub global na área da Economia do Conhecimento, da Economia Criativa e da Sustentabilidade. O Rio possui várias vantagens competitivas: instituições científicas de ponta com experiência na produção de tecnologias e patentes, a segunda maior economia criativa do país e larga experiência em projetos ambientais. Trata-se de dar sinergia a essas três áreas através de uma política pública intersetorial. Mas este modelo deve ser inclusivo, com uso intensivo do microcrédito para estímulo ao empreendedorismo e às micro e pequenas empresas de base tecnológica.

O segundo eixo, da institucionalidade, comporta a ampliação da participação cidadã, dando efetividade aos conselhos municipais, o reforço dos instrumentos de gestão pública da cidade previstos no plano diretor e a criação de um Gabinete de Gestão Integrada na área da segurança pública para combater o crime organizado e seus impactos na cidade.

O terceiro eixo, da Justiça Social, é a maior urgência nesta cidade partida. E a melhor política de combate à desigualdade é a educação pública, de qualidade e em tempo integral. A política de microcrédito vai contribuir para uma distribuição de renda com impactos nas áreas mais pobres da cidade. O programa de desenvolvimento e cidadania nas favelas trará uma série de medidas de curto, médio e longo prazo com impacto na diminuição das desigualdades sociais.

Esta é uma proposta para um projeto de cidade dos tempos pós-pandêmicos que não inventa nada, apenas usa o potencial já existente na nossa cidade. No entanto, não temos mais muito tempo: a pobreza, a poluição e a violência já nos rondam. Talvez esta seja a última chamada para o Rio.

*Geraldo Tadeu Monteiro é cientista político, professor da Uerj e coordenador do Cebrad/Uerj

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