Por
trás da imagem ufanista, o Rio é hoje uma cidade empobrecida, desordenada,
poluída e desigual
Nós,
cidadãos cariocas, crescemos ouvindo a narrativa do “Rio, Cidade Maravilhosa”,
cosmopolita, dona de incríveis belezas naturais. Em suma, uma cidade pronta.
Mas, este estereótipo, reforçado pela propaganda oficial e pela indústria do
turismo, esconde o mar de problemas que a nossa cidade enfrenta. Por trás da
imagem ufanista, o Rio é hoje uma cidade empobrecida, desordenada, poluída e
desigual. No limiar de um novo governo municipal, é preciso se perguntar por
onde andam os projetos de cidade que nos permitiriam atravessar esses tempos
sombrios. É o sentido deste trabalho: apontar um caminho atuando em três eixos:
desenvolvimento econômico sustentável e social, institucionalidade e justiça
social.
Com o tempo, o Rio empobreceu e se tornou mais desigual. Embora represente o 2º PIB municipal do país (5,34%), a cidade encolheu 56,8% desde 1970, quando possuía 11% da riqueza nacional. Na renda per capita, o Rio caiu mais de 50 posições no ranking nacional nos últimos anos. Na área da sustentabilidade, o Rio trata apenas 42,9% do seu esgoto. A Baía de Guanabara recebe 10.800 litros de esgoto não tratado por segundo. Nada meritório para a cidade que sediou a Eco 92 e a Rio + 20. No quesito justiça social, tampouco estamos bem. Em 1991, éramos o 7º IDH do país, hoje somos apenas o 45º. Em 2010, a expectativa de vida na Gávea era de 80,5 anos e no Complexo do Alemão era de 64,6 anos. A renda per capita na Lagoa era R$ 2.955, enquanto no Jacarezinho era de incríveis R$ 177. Com 57% do seu território dominado por milícias e outros 15% sob controle do tráfico, o Rio, que conta ainda 14 mil camelôs legalizados (e sabe-se lá quantos não legalizados), mais de 15 mil moradores de rua e mais de 20 mil imóveis irregulares carece de institucionalidade. Uma debilidade, no entanto, que é funcional, pois abre espaço para a negociação e cooptação política com agentes da desordem.
Para
sair da crise, o primeiro eixo é o desenvolvimento econômico e social com
sustentabilidade. O Estado não deve mais ser apenas o síndico do prédio; deve
atuar como indutor do crescimento econômico da cidade investindo no potencial
do Rio como um hub global na área da Economia do Conhecimento, da Economia
Criativa e da Sustentabilidade. O Rio possui várias vantagens competitivas:
instituições científicas de ponta com experiência na produção de tecnologias e
patentes, a segunda maior economia criativa do país e larga experiência em
projetos ambientais. Trata-se de dar sinergia a essas três áreas através de uma
política pública intersetorial. Mas este modelo deve ser inclusivo, com uso
intensivo do microcrédito para estímulo ao empreendedorismo e às micro e
pequenas empresas de base tecnológica.
O
segundo eixo, da institucionalidade, comporta a ampliação da participação
cidadã, dando efetividade aos conselhos municipais, o reforço dos instrumentos
de gestão pública da cidade previstos no plano diretor e a criação de um
Gabinete de Gestão Integrada na área da segurança pública para combater o crime
organizado e seus impactos na cidade.
O
terceiro eixo, da Justiça Social, é a maior urgência nesta cidade partida. E a
melhor política de combate à desigualdade é a educação pública, de qualidade e
em tempo integral. A política de microcrédito vai contribuir para uma
distribuição de renda com impactos nas áreas mais pobres da cidade. O programa
de desenvolvimento e cidadania nas favelas trará uma série de medidas de curto,
médio e longo prazo com impacto na diminuição das desigualdades sociais.
Esta
é uma proposta para um projeto de cidade dos tempos pós-pandêmicos que não
inventa nada, apenas usa o potencial já existente na nossa cidade. No entanto,
não temos mais muito tempo: a pobreza, a poluição e a violência já nos rondam.
Talvez esta seja a última chamada para o Rio.
*Geraldo Tadeu Monteiro é cientista político, professor da Uerj e coordenador do Cebrad/Uerj
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