Em outubro de 1945, um golpe derrubou a ditadura do Estado Novo e abriu caminho para a redemocratização do país. No dia seguinte, o poeta Carlos Drummond de Andrade anotou em seu diário: “Ontem, os generais trouxeram para a rua suas metralhadoras e seus carros de assalto e mandaram dizer a Getúlio que desse o fora. Ele tentou negociar, mas os homens foram inflexíveis”.
O
presidente se rendeu sem um tiro, a pretexto de evitar o “derramamento de
sangue”. Com fina ironia, o poeta observou que a substância “raramente se
derrama em nossos golpes e revoluções”. “Tanto uns quanto outros adversários
preferem conservá-lo nas veias”, escreveu.
Entre
1943 e 1977, Drummond registrou suas reflexões num diário. Tempos depois,
publicaria parte do material em “O observador no escritório”. O livro,
reeditado pela Companhia das Letras, mistura anotações pessoais e comentários
sobre a vida pública.
Avesso à militância partidária, Drummond lutou a seu modo pela libertação dos presos políticos. No ocaso da ditadura, escreveu o “Poema de março de 45”: “Se olho para as rosas: anistia./ Para os bueiros da City, para os céus,/ para os montes em pé nas altas nuvens:/ anistia”.
O
poeta foi à cadeia visitar Luís Carlos Prestes, perseguido por Getúlio. Saiu
com uma visão diferente do líder comunista. “Olho para este homenzinho comum,
vejo-o simples, amável, desligado de seu drama pessoal, absorvido totalmente
pela ideia política. Ali está o chefe legendário da Coluna, a me dizer que
gosta de ler determinados poemas quando se vê necessitado de apoio moral”.
Drummond
foi convidado a se lançar a deputado, mas declinou por se julgar “muito
individualista”. No diário, anotou que nunca se filiaria a um partido. “Sou um
animal político ou apenas gostaria de ser?”, questionou-se.
O
poeta via a política brasileira como uma disputa entre caciques “brigados entre
si mas fiéis à mesma ideologia conservadora, hostil a todo progresso social”. A
política, aos olhos dele, era “um espetáculo em que a ação verdadeira nunca é
apresentada no palco, pois se desenrola nos bastidores e com pouca luz”. As
frases foram escritas há 75 anos, mas descreveriam bem a cena de hoje.
Na coluna de domingo, Drummond e o golpe de 1964.
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