Sim, os
mais fortes sobreviverão. E por que não os mais fracos? É para isso que serve a
medicina. Fé e confiança na ciência, por isso, são o melhor remédio contra
a desesperança
Talvez
esse seja o pior Natal de nossas vidas, em termos sociais, é claro, porque a
experiência de vida de cada um é que determina a avaliação. Festa que congrega
a família, confraterniza os amigos, dissemina amor e solidariedade, neste ano,
a data magna do cristianismo, que é comemorada por todas as religiões
ecumênicas, está sendo marcada pela maior tragédia humanitária já vista por
nossas gerações, desde a Segunda Guerra Mundial. Aqui no Brasil, só não é maior
por causa do nosso Sistema Único de Saúde (SUS), público e universal, apesar de
um presidente da República que, com seu negativismo, no combate à crise
sanitária, sabota seu povo, seu governo e, em última instância, a si próprio.
Entretanto, é Natal. Os miseráveis, os enfermos, os condenados, todos sem exceção, de alguma forma, são acarinhados com votos de esperança e compaixão. Os poetas, os cantores, os cronistas, todos que podem espalhar amor e esperança se encarregam de fazer chegar sua mensagem àqueles que estão na pior. De igual maneira, os trabalhadores dos serviços essenciais, de plantão, mesmo privados da convivência com suas respectivas famílias, com sua labuta, principalmente os cientistas e o pessoal da saúde, mandam o recado: confiem, estamos cuidando de vocês. A magia do Natal é uma enorme força transformadora da sociedade, no sentido civilizatório, mesmo agnósticos e ateus devem reconhecê-lo.
A
propósito, o biólogo evolucionista Richard Dawkins, no livro O Gene egoísta,
publicado em 1976, sua obra-prima, tenta explicar a evolução biológica ao
mostrar como certas moléculas replicadoras (ancestrais dos genes) poderiam ter
evoluído de modo a formar as primeiras células e, a partir daí, todos os seres
vivos existentes. O microscópico encontro de um vírus com uma bactéria, por
exemplo, é um grande evento histórico da criação, que se reproduz na natureza
a todo instante e provoca mutações genéticas. A covid-19 é fruto
desse fenômeno.
Dawkins
tentar explicar o problema profundo de nossa existência ao sugerir que os
organismos vivos são sofisticadas máquinas de sobrevivência,
eficientemente moldadas pelo processo de evolução para promover a
replicação sexuada dos genes nelas contidos. Entretanto, essa abordagem
levanta sérios questionamentos filosóficos. Seremos meros replicadores de
genes, controlados por eles. Onde entra a consciência? Dawkins afirma que genes
não têm vontades próprias ou valores morais. Aqueles genes que apresentam um
comportamento que seria visto como egoísta pelos seres humanos são os que se
mantêm representados dentro dos genomas das espécies, ao longo do processo
evolutivo, com o passar dos anos e milênios. O altruísmo seria uma estratégia
de sobrevivência, principalmente nos seres humanos.
Hoje,
sabemos que os replicadores que sobreviveram foram aqueles que construíram as
máquinas de sobrevivência mais eficazes para morarem; aqueles que foram menos
aptos não deixaram descendentes. Cerca de 4 bilhões de anos depois, Dawkins
explica: “Com certeza, eles não morreram, pois são antigos mestres na arte da
sobrevivência. (…) Eles estão em mim e em você. Eles nos criaram, corpo e
mente. E sua preservação é a razão última de nossa existência.
Transformaram-se, esses replicadores. Agora, eles recebem o nome de genes e nós
(todos os organismos vivos) somos suas máquinas de sobrevivência.”
O
gene passa de corpo em corpo através das gerações, manipulando as máquinas de
sobrevivência por meio de instruções escritas em linguagem digital (A, C, T e
G), abandonando tais corpos mortais na medida que eles vão ficando senis e
duplicando-se em sua prole. As instruções dizem basicamente: copie-me, ou seja,
viva e reproduza. A reprodução é o processo de cópia dos genes, é o processo
que os mantém vivos ao longo dos tempos. Socialmente falando, porém, essa
eugenia (seleção de certos genótipos para a reprodução em lugar de outros) é
totalmente inaceitável. Lembra as teorias de superioridade ariana e o
Holocausto.
Sim, os mais fortes sobreviverão. E por que não os mais fracos? É para isso que serve a medicina. A postura do presidente Jair Bolsonaro em relação à pandemia do novo coronavírus — “a melhor vacina é pegar o vírus” — é um inaceitável darwinismo social. Fé e confiança na ciência, por isso, são o melhor remédio contra a desesperança. Que venham as vacinas contra a covid-19. Feliz Natal!
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