Relação
entre os dois temas será central no debate político pós-pandemia
Ano
de 2021 começará com enormes desafios e não haverá mais lugar para pensamento
idealista apartado dos conflitos da realidade.
Utilizo
esta última coluna do ano para tratar do que considero os principais assuntos
sobre os quais a sociedade terá que se debruçar nos próximos anos: democracia e
desigualdade.
O
debate sobre democracia e desigualdade não é recente nem uma novidade.
Entretanto, a
pandemia, a crise econômica e a incapacidade política demonstrada
por grande parte dos governos expuseram as imensas contradições do que se
convencionou chamar de democracia e a insuficiência das medidas contra a
desigualdade.
O ano de 2020 evidenciou que as garantias jurídico-formais da democracia não são suficientes para assegurar a participação popular no processo político. Governos autoritários, com propensões genocidas e “suicidárias” (na expressão de Paul Virillo) foram eleitos e, utilizando-se da forma democrática, desorganizaram social e economicamente seus respectivos países, instalaram desconfiança no próprio sistema que os permitiu chegar ao poder e foram direta ou indiretamente responsáveis pela morte de milhares de pessoas devido ao modo com que se portaram no contexto da pandemia.
Da
mesma forma mostraram-se falhas e limitadas as instituições encarregadas de
zelar pela democracia. O domínio das fake news, o ambiente anti-intelectual e a
distorção provocada pelos algoritmos das redes sociais colocam em xeque um dos
postulados máximos do processo democrático, a informação baseada na verdade.
Parte do problema também repousa na maneira como os interesses econômicos e o
alinhamento às políticas neoliberais têm se refletido na tolerância da grande
imprensa e do sistema de justiça com governos autoritários e comprovadamente
incompetentes. Caminhamos para um mundo em que a degradação das condições de
vida, a destruição ambiental e a desorientação existencial faz com que se
instaure um grave dilema entre democracia e ordem social.
Tratar
a questão da desigualdade será também assunto prioritário na próxima quadra
histórica. Penso que o tema se desdobrará em duas grandes questões. O primeiro
desdobramento será um novo debate sobre o papel do Estado na economia. Os
delírios neoliberais de “cada vez menos Estado” mostraram-se um retumbante
fracasso, inclusive para o mercado. Sem um sistema forte e coeso de proteção
social, como é o caso do Sistema Único de Saúde, a
tragédia da Covid-19 poderia ser muito maior. Nesse sentido, a
instituição de uma renda básica universal está definitivamente na agenda
brasileira, não apenas por sua capacidade de fortalecer o sistema de proteção
social, mas pelos impactos positivos da medida sobre o conjunto da economia.
O
segundo desdobramento será a questão racial. A ascensão de governos ancorados
em um “neoliberalismo autoritário” expôs a forma como o racismo é um elemento
organizador da desigualdade. O silêncio teórico da economia acerca do racismo foi
quebrado, o que revelou ao fim e ao cabo a insuficiência de políticas de
desenvolvimento econômico que não tratam da desigualdade racial. A partir de
reflexões sobre política industrial, relações de trabalho, tributação, ciência
e tecnologia e empreendedorismo terão que observar os impactos sociais do
racismo.
O
ano de 2021 começará com enormes desafios teóricos e práticos e não haverá mais
lugar para que democracia e desigualdade sejam pensadas de modo idealista e
apartado dos conflitos da realidade.
*Silvio Almeida, professor da Fundação Getulio Vargas e do Mackenzie e presidente do Instituto Luiz Gama.
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