terça-feira, 15 de dezembro de 2020

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

O recesso e o descaso – Opinião | O Estado de S. Paulo

É preciso que o Legislativo e o Executivo não fechem os olhos à realidade do País. Não é tempo de recesso ou de férias

O relator da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) Emergencial, senador Márcio Bittar (MDB-AC), informou que apresentará o parecer final sobre a proposta apenas no ano que vem. “Em vista da complexidade das medidas, bem como da atual conjuntura do País, decidi não mais apresentar o relatório da PEC Emergencial em 2020. Creio que a proposta será melhor debatida no ano que vem, tão logo o Congresso nacional retome suas atividades e o momento político se mostre mais adequado”, disse Bittar.

É no mínimo estranho que a atual conjuntura do País sirva como desculpa para adiar uma vez mais a tramitação de uma PEC que, como o próprio nome revela, vem cuidar de uma situação emergencial. As atuais circunstâncias do País, em especial o estado das finanças públicas – ver abaixo o editorial Retomada mais lenta –, são motivo mais que suficiente para que o Congresso enfrente imediatamente o assunto. 

O fato é que o Legislativo percebeu que o próprio autor da PEC, o Executivo federal, se desinteressou pelo assunto. Dessa forma, o tema que já era de difícil aprovação – a proposta estabelece restrições e mecanismos para os gastos públicos – ganhou ares de tarefa impossível. Não há mágica. Se o governo federal não faz sua parte para promover a responsabilidade fiscal, dificilmente haverá algum avanço no caminho do reequilíbrio das contas públicas.

Nos últimos meses, o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, ressaltou várias vezes a necessidade da PEC Emergencial. “Sem a PEC Emergencial, (o governo) vai ter muita dificuldade de aprovar o Orçamento”, advertiu o presidente da Câmara. Mas o governo de Jair Bolsonaro parece ter esquecido os motivos que o levaram a propor a PEC Emergencial, como se a simples passagem do tempo tivesse evaporado os desafios fiscais do País. Como se sabe, desde a apresentação da proposta, no fim do ano passado, a questão fiscal apenas se agravou. 

Nada disso, no entanto, parece preocupar o presidente Jair Bolsonaro e sua equipe. No mesmo dia em que o relator da PEC Emergencial anunciou que o relatório será apresentado apenas no ano que vem, o Diário Oficial da União informou que o ministro da Economia, Paulo Guedes, estará de férias de 18 de dezembro de 2020 a 8 de janeiro de 2021.

Tem-se a impressão de que, para o governo, a atual situação do País é da mais corriqueira normalidade, sem exigir nenhum esforço ou trabalho adicionais. Ainda não foram aprovadas a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2021. Sem a aprovação da LDO e da LOA, que estabelecem as metas e prioridades da administração pública federal, bem como as despesas de capital para o exercício subsequente, o governo não terá base legal para realizar nenhum gasto discricionário em 2021.

Em razão de sua importância para o funcionamento do Estado, a tramitação da LDO tem determinados prazos. O projeto deve ser enviado pelo Executivo até o dia 15 de abril de cada ano, devendo ser devolvido para sanção presidencial até o dia 17 de julho. Estamos em dezembro, mas a máquina federal é incapaz de perceber a urgência do tema.

Diante do atual quadro, não faz sentido que o Congresso entre em recesso no mês de janeiro. “Sou a favor que o Congresso trabalhe em janeiro para aprovar, principalmente, a PEC Emergencial. Não há outra solução, já que o decreto de calamidade não será prorrogado”, disse Rodrigo Maia, em rede social. O decreto de calamidade relativo à pandemia suspende algumas obrigações fiscais.

“Com mais de 180 mil mortos e com o agravamento da pandemia, o Congresso precisa estar atuante ao lado da população, contra o vírus, para ajudar neste momento tão difícil para o Brasil”, disse Rodrigo Maia. É preciso que o Legislativo e o Executivo não fechem os olhos à realidade do País. Não é tempo de recesso ou de férias. Há ainda muito a fazer e a trabalhar para enfrentar a pandemia e assegurar condições mínimas de funcionamento fiscal em 2021. Na atual situação social e econômica do País, não é difícil perceber a urgência de tantos assuntos. Basta não se alienar.

Um plano incoerente - Opinião | O Estado de S. Paulo

Documento da Saúde é coerente com um presidente que nega a importância das vacinas

No fim da semana passada, o Ministério da Saúde entregou ao Supremo Tribunal Federal (STF) um “plano nacional de vacinação” contra a covid-19 que, a bem da verdade, não chegava a ser propriamente um plano. O documento não continha data para início da campanha, não determinava que imunizantes seriam utilizados para cada grupo e previa vacinar apenas um quarto da população – 51,4 milhões de brasileiros. Ou seja, com boa vontade, o tal “plano” não passava de uma mal elaborada carta de intenções. A urgência do momento, com mais de 181 mil mortos e um nítido crescimento do número de infectados, requer muito mais do que isso.

Diante de tão relevantes lacunas, incompatíveis com a gravidade da crise e imperdoáveis pelo tempo que o governo federal teve para, se assim quisesse, preparar um bom plano de vacinação de toda a população, o ministro Ricardo Lewandowski, relator de uma ação no STF que trata da obrigatoriedade da vacina, determinou que a pasta reescrevesse o documento estabelecendo um cronograma com a previsão de início e término da vacinação de todos os brasileiros.

Questionado pelo Estado, o Ministério da Saúde afirmou que “seria uma irresponsabilidade” inserir no documento um cronograma de vacinação e um rol de imunizantes para cada grupo a ser vacinado sem “dados científicos suficientes”. Ora, à frente da pasta está um general intendente da ativa. O ministro Eduardo Pazuello sabe muito bem que um plano pode ser condicionado. A cada variável, prevê-se uma determinada ação.

Mas o plano não foi mal-ajambrado por acaso. É resultado direto, primeiro, da falta de disposição do governo federal de enfrentar a emergência sanitária com a seriedade que ela impõe. O presidente Jair Bolsonaro sempre negou a gravidade da pandemia e em nenhum momento nesta triste trajetória de nove meses mostrou qualquer sinal de compaixão por seus concidadãos ou de respeito aos fatos e às recomendações das autoridades sanitárias. Ao contrário, pôs-se a afrontar tanto uns como as outras em um sem-número de ocasiões. Nunca será demais rememorar que Pazuello é o terceiro ministro da Saúde nomeado por Bolsonaro em meio à pandemia. Seus antecessores foram defenestrados exatamente por não terem se curvado diante do total descaso do presidente pela vida dos brasileiros.

Em sua deliberada cegueira negacionista – ou melhor, com os olhos voltados apenas para sua campanha à reeleição –, Bolsonaro também jamais manifestou qualquer interesse em viabilizar uma campanha de vacinação séria contra a covid-19 para toda a população. O presidente chegou a dizer que preferia gastar dinheiro com o “tratamento” da doença – sabe-se bem qual – do que com vacinas, o que é incoerente com seu discurso em favor da retomada da “vida normal” da atividade econômica. Pois, se há algo que pode determinar a volta sustentável da atividade econômica, é uma bem-sucedida campanha de vacinação. Jair Bolsonaro deveria ser o primeiro a mobilizar toda a estrutura de governo para este fim. Se não por compaixão, por mero pragmatismo.

O plano de vacinação ao qual a Nação teve acesso na semana passada, portanto, é um plano bastante coerente com um governo que nega a gravidade da pandemia e jamais considerou a vacinação de toda a população uma prioridade nacional. A forma atabalhoada como foi elaborado e as flagrantes lacunas que continha dão a entender que o “plano” nada mais foi do que uma tentativa do governo federal para não ficar para trás na absurda disputa política que trava com o governo de São Paulo sobre a primazia na campanha de vacinação.

A única disputa que importa neste momento é a da ciência e da boa governança contra um vírus que já enlutou dezenas de milhares de famílias no País. Passa da hora de o ministro da Saúde agir à altura do desafio e honrar a tradição de excelência do Brasil em campanhas de vacinação. As condições objetivas estão dadas. A ver até quando vai sua disposição de negá-las por subserviência.

Retomada mais lenta – Opinião | O Estado de S. Paulo

Reação continuou perdendo ritmo em outubro, segundo prévia do PIB

Depois de uma forte reação inicial aos danos da pandemia, a economia brasileira começou a perder impulso, com menor avanço do consumo, expansão mais lenta da produção industrial, serviços muito atrasados na recuperação e desemprego ainda muito alto. A acomodação, ou perda de ritmo, já mostrada pelos dados setoriais, é evidenciada também no menor dinamismo do Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br). Considerado um sinalizador de tendência, esse indicador cresceu 0,86% de setembro para outubro. Foi a menor taxa mensal desde o início da retomada, em maio.

Publicado todo mês, o IBC-Br é usado como prévia do Produto Interno Bruto (PIB). É uma prévia imperfeita, mas duplamente útil – por indicar o rumo e o ritmo da atividade e por estar disponível mensalmente. Só de três em três meses o PIB é divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A prévia pode ser imperfeita, mas o rumo e a variação de ritmo vêm sendo apontados com clareza. A economia continua subindo a encosta, mas a perda de velocidade é evidente. Essa perda é bem nítida quando se comparam os trimestres móveis encerrados em agosto, setembro e outubro. Em cada período a atividade cresceu mais devagar sobre o trimestre móvel anterior. O ritmo passou de 3,04% para 1,90% e, finalmente, 1,38%.

O menor dinamismo havia aparecido claramente nos dados setoriais publicados todo mês pelo IBGE. Em outubro a produção industrial foi apenas 1,1% maior que em setembro. O crescimento foi o menor desde o começo da reação, em maio. Além disso, a expansão foi menos disseminada. Em setembro os aumentos haviam ocorrido em 22 dos 26 segmentos cobertos pela pesquisa. Em outubro, só 15 ramos apresentaram aumento da produção.

O total produzido foi 1,4% maior que o de fevereiro, mês anterior ao choque, mas o acumulado em 2020 foi 6,3% inferior ao de janeiro-outubro de 2019. Em 12 meses o recuo foi de 5,6% em relação ao período imediatamente anterior.

Nas vendas do varejo houve um repique, com o aumento passando de 0,5% em setembro para 0,9% em outubro. Mas essa taxa ainda foi menor que a da maior parte dos meses desde o início da retomada: 12,2% em maio, 8,6% em junho, 4,6% em julho e 2,9% em agosto. Os números de novembro poderão confirmar se houve nova alteração de tendência – para cima. Nada, ainda, permite essa conclusão, especialmente por causa da redução do auxílio emergencial a partir de setembro.

Nos serviços a recuperação prosseguiu em outubro, com expansão de 1,7% em relação a setembro, mas o setor, ao contrário da indústria e do varejo, continuou abaixo do nível anterior à queda ocasionada pela pandemia. O crescimento acumulado em cinco meses, de 15,8%, ficou muito longe de compensar a perda de 19,8% ocorrida no período de fevereiro a maio.

Os serviços entraram em recuperação um mês depois do varejo e da indústria e avançaram bem menos na reparação dos estragos. Esse atraso retarda sensivelmente a reativação do mercado de trabalho, porque os serviços são importante fonte de empregos.

Apesar dos avanços, a atividade permanece abaixo do nível de 2019 e de patamares mais distantes. No terceiro trimestre, o PIB foi 3,9% menor que o de um ano antes. O acumulado no ano foi 5% inferior ao de igual período de 2019. Em 12 meses o recuo foi de 3,4%. Esses são dados oficiais do IBGE.

Os números do IBC-Br também mostram perdas importantes nessas comparações. No trimestre móvel encerrado em outubro a atividade foi 22,65% menor que a de um ano antes. No acumulado do ano o recuo foi de 4,92%. O confronto de períodos de 12 meses aponta uma queda de 3,93%.

Segundo todas as projeções correntes, o balanço de 2020 mostrará produção menor que a de 2019. O PIB será 4,41% inferior ao do ano passado, pela mediana das estimativas colhidas no mercado pelo Banco Central. Mas o ano termina, e as principais perguntas, agora, são a respeito de 2021. O governo tenta parecer otimista, mas seria mais convincente se ao menos dispusesse de um orçamento bem definido e confiável para o próximo ano.

O arremedo de um plano de vacinação – Opinião | O Globo

Lacunas na proposta enviada ao STF pelo Ministério da Saúde expõem um governo desorientado

No domingo, o ministro Ricardo Lewandowski, do STF, deu 48 horas ao Ministério da Saúde para que informe quando começará a vacinar os brasileiros contra a Covid-19. É um pedido compreensível, mas de resposta impossível. Não dá para exigir do governo que estabeleça uma data de vacinação, se nem há vacina aprovada. O problema do plano enviado ao Supremo é outro: está repleto de lacunas, como reflexo de um governo à deriva para lidar com o desafio.

Trata-se de um arremedo de planejamento, elaborado às pressas, apenas para satisfazer à pressão da opinião pública. O endosso de epidemiologistas, que parecia lhe dar credibilidade, tornou-se constrangimento. No fim de semana, 31 deles divulgaram carta informando não terem chancelado a versão final que leva seus nomes.

O plano prevê 242 milhões de doses ao longo de 2021, distribuídas entre três fornecedores: AstraZeneca/Universidade de Oxford/Fiocruz; consórcio Covax (OMS); e Pfizer/BioNTech, opção que o Ministério da Saúde descartara pelas dificuldades logísticas. Nenhuma palavra sobre as 46 milhões de doses previstas da CoronaVac, produzida pelo Butantan em parceria com a chinesa Sinovac, em fase avançada de teste e produção.

Na hora de estabelecer prioridades, o governo acerta ao priorizar quem está sob maior risco (idosos e profissionais de saúde), mas esquece os detentos e deixa em segundo plano a vacinação de professores, essencial para a retomada das aulas, e de profissionais de alto contato com o público, como motoristas ou profissionais de limpeza e segurança. Não traça, como se esperaria em qualquer planejamento decente, cenários para as possibilidades de entrega das vacinas, nem prazos para a distribuir as doses pelo país.

O plano não prevê o óbvio, como compra de seringas, agulhas, termômetros, caixas de transporte ou algodão, que já deveriam ter sido licitados pelo menos desde julho. Só agora o dinheiro começou a ser repassado a municípios para a aquisição, que deveria ter sido centralizada para garantir preço e estoques.

Não estão descritos os detalhes da rede de distribuição a frio, nem os investimentos necessários para isso, em particular para a vacina da Pfizer (que precisa ser conservada a -70° C). Diversos trechos do documento foram copiados do plano de vacinação contra a gripe, sem que tivesse sido feito um levantamento da capacidade atual de distribuição e aplicação das vacinas.

O país tem ampla experiência com vacinação em situações extraordinárias, mas deveria aproveitá-la melhor. Nada impede que gestores locais cuidem de seus territórios. O objetivo do plano nacional deveria ser garantir o mínimo para quem não tiver condições de fazer, e não impedir quem puder de fazer mais. Diante de tamanha inépcia, não surpreende que a fração de brasileiros dispostos a se vacinar esteja caindo, como mostrou pesquisa Datafolha (de 89% para 73%). Da forma como foi elaborado, o arremedo de plano só contribui para alimentar a dúvida, a desconfiança e a confusão.

Ensino público saiu perdendo na regulamentação do novo Fundeb – Opinião | O Globo

Alterado na Câmara por emendas da bancada evangélica, projeto ainda precisa passar pelo Senado

A aprovação da PEC do novo Fundeb foi comemorada como grande vitória da educação em agosto. O fundo de apoio ao ensino básico não precisaria mais ser renovado periodicamente, a União concordou em aumentar sua contribuição financeira e foi rechaçada a intenção do presidente Jair Bolsonaro de desviar alguns bilhões do fundo para criar seu programa assistencial, o “Renda Cidadã”, aproveitando que o Fundeb está fora do teto de gastos. Pareciam garantidos os recursos fixados nas negociações com Executivo e Legislativo para melhorar a qualidade do ciclo básico no ensino público. Não fosse um senão: o Planalto apoiou a bancada evangélica para, na regulamentação do fundo, ampliar as transferências a escolas ligadas a igrejas e instituições privadas.

O relatório do deputado Felipe Rigoni (PSB-ES) mantinha o acesso, já garantido anteriormente, de escolas privadas sem fins lucrativos e confessionais ao dinheiro público, mas apenas para os ensinos infantil, especial e rural. Em desafio ao acordo sobre a questão, emendas apresentadas e aprovadas estenderam esses repasses também aos níveis fundamental e médio. Como o dinheiro do fundo é finito, saíram perdendo as escolas públicas.

O Fundeb é constituído por impostos estaduais, municipais e repasses da União, crescentes de forma escalonada. Dos atuais 10% do fundo, o governo federal chegará a contribuir com 23% em 2026, acrescendo dois pontos percentuais anuais a partir do ano que vem. No período, a União deverá repassar cerca de R$ 65 bilhões ao fundo. Os recursos serão, na maior parte, destinados ao pagamento de salários dos profissionais do ensino.

Em meio à crise econômica, era natural que esses bilhões despertassem a cobiça de grupos de interesse. As escolas mantidas por igrejas e instituições filantrópicas não foram as únicas incluídas no Fundeb. Também se beneficiaram escolas privadas de ensino profissionalizante, como as do Sistema S. É certo que a recessão da pandemia reduziu o orçamento desse sistema, mas a solução não está em retirar recursos que farão falta à educação pública básica, nossa maior carência.

O movimento Todos pela Educação criticou a ampliação do alcance do Fundeb para cobrir os ciclos fundamental e médio de escolas de igrejas, comunitárias ou filantrópicas, ainda que essa ampliação fique limitada a 10% do total das matrículas no ensino público. Está agora com o Senado a responsabilidade de restabelecer pelo menos o texto original do relator Rigoni na Câmara. As perspectivas são preocupantes, porque, se houver impasse e o ano acabar, o governo poderá fazer a regulamentação do Fundeb por Medida Provisória.

Anvisa em xeque – Opinião | Folha de S. Paulo

Agência terá de escolher entre Bolsonaro e a prudência sanitária com vacinas

Um momento definidor para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) como órgão de Estado se aproxima. Em questão de dias ela terá de mostrar, em relação a vacinas contra a Covid-19, se trabalha pela saúde da população ou se virou um aparelho populista do presidente Jair Bolsonaro.

Entre países mais populosos, o Brasil desponta como um dos mais atrasados no planejamento para imunizar cidadãos. Nesta segunda (14), a vacinação começou nos EUA após licença emergencial da FDA (a Anvisa americana), concedida no sábado, para o preparado das empresas Pfizer e BioNTech.

A mesma vacina, na semana passada, já tinha dado início a campanha de prevenção no Reino Unido. O fato de os líderes Donald Trump e Boris Johnson terem agido como irresponsáveis diante da pandemia, ainda que em graus diversos, não impediu que seus governados começassem a ser protegidos.

O negacionismo pueril de Bolsonaro fez e faz múltiplos estragos na prontidão para conter a epidemia, secundado pelos militares instalados no Ministério da Saúde e na Anvisa, que parecem confundir dever de ofício com obediência cega —e néscia— ao chefe tresloucado.

Primeiro, o presidente lançou dúvidas sobre a gravidade da doença, combatendo o isolamento social e as máscaras. Depois, temeroso de que o governador João Doria (PSDB) auferisse dividendos com o avanço da Coronavac do Instituto Butantan e da Sinovac, espalhou descrédito sobre o que chamou de “vacina chinesa do Doria”.

Conseguiu, com rompantes inconsequentes, erodir a confiança da população em todas as vacinas, não só a patrocinada pelo governo paulista. Pesquisa Datafolha mostrou que, de agosto a dezembro, caiu de 89% para 73% a parcela dos brasileiros dispostos a vacinar-se.

Doria trabalha para forçar a Anvisa a licenciar o uso emergencial da Coronavac. Adiou a publicação de resultados preliminares, antes marcada para esta terça (15), e deve lançar em oito dias a pesquisa completa de eficácia e segurança, prevendo aprovação do imunizante pela autoridade chinesa.

Saindo a chancela da China, a Anvisa estaria na obrigação legal de, em 72 horas, segundo a lei 14.006/2020, avaliar a Coronavac. A agência já deu mostras de subserviência ao nem mesmo mencionar a vacina do Butantan em seu deficiente planejamento inicial; também questiona que tenha tal prazo para a autorização.

O Planalto cometeu erro grave com a aposta única no imunizante da AstraZeneca e da Universidade de Oxford, e mais grave ainda ao sabotar a Coronavac. A vacinação demora mais que o necessário. Milhares de mortes adicionais entrarão na conta de Bolsonaro.

Reveses da Lava Jato – Opinião | Folha de S. Paulo

Operação merece questionamentos, mas não se pode renunciar aos ganhos que trouxe

Desde que foi deflagrada, em 2014, a Operação Lava Jato tornou-se um marco na forma com que se trata a moralidade pública no Brasil. Para bem e para mal, ela mudou a percepção tanto da população em geral quanto dos estratos do poder acerca dos limites da corrupção.

Como todo movimento que se pretende revolucionário, a Lava Jato por vezes se deixou levar pelo voluntarismo de seus integrantes, simbolizados pela hoje afastada dupla Sergio Moro e Deltan Dallagnol, que cometeram não poucos excessos e arbitrariedades.

No campo legal, isso sempre foi combatido por advogados, como que seria normal, e pelos garantistas das cortes superiores.

Desde que o Supremo Tribunal Federal voltou atrás acerca da prisão de condenados em segunda instância, há um ano, a maré virou. Além de sofrer derrotas judiciais, a operação verá Moro julgado por suspeita de viés na condução do processo contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O ex-juiz, por óbvio, não era imaculado. Isso foi amplamente perscrutado nos vazamentos de mensagens do site The Intercept. Ademais, ter integrado o governo de Jair Bolsonaro, principal beneficiário da vaga antipolítica causada pelo terremoto anticorrupção, já havia tisnado sua credibilidade.

O questionamento pertinente não pode, contudo, servir à impunidade. Apenas 5 de 53 sentenças da Lava Jato que inspiraram recursos chegaram ao trâmite em julgado no STF, como noticiou a Folha.

Na Segunda Turma da corte, que lida com temas da operação, o recém-chegado Kassio Nunes aliou-se aos garantistas Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski.

Outros movimentos causam estranheza, como o Superior Tribunal de Justiça ter dado continuidade a um recurso do deputado Arthur Lira (PP-AL) para reaver R$ 10,4 milhões bloqueados pela Lava Jato, pouco depois de decisão em sentido oposto.

O prócer do centrão é hoje o candidato de Bolsonaro a presidente da Câmara dos Deputados, o que dá à medida aparência de casuísmo.

Nota-se também, por fim, certo fastio com o debate da corrupção. Segundo o Datafolha, às vésperas do impeachment de 2016, o tema era o principal problema para os brasileiros —37% assim se manifestaram. Hoje, figura num longíquo quarto lugar, com 7% de citações.

Nada justifica, entretanto, retrocessos nas contribuições preciosas da Lava Jato à vida pública nacional.

Brasil fica fora da Cúpula de Ambição Climática da ONU – Opinião | Valor Econômico

Estudo das Nações Unidas recomenda que o sistema financeiro direcione recursos para investimento “limpo”

A diplomacia brasileira deve ter ficado frustrada com o fato de o presidente Jair Bolsonaro não ter sido um dos 77 líderes globais escolhidos para discursar na Cúpula de Ambição Climática das Nações Unidas (ONU), realizada sábado em encontro virtual. O encontro marcou o aniversário de cinco anos do Acordo de Paris, que fixou importantes metas de controle da emissão de gases de efeito estufa com objetivo de desacelerar o aquecimento global.

Realizada sob o patrocínio da ONU, do Reino Unido e da França, e com a Itália e o Chile como co-anfitriões, a Cúpula de Ambição Climática tinha como objetivo preparar o debate para a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (CoP-26), adiada em consequência da pandemia deste ano para novembro de 2021, em Glasgow (Escócia).

Apenas quatro dias antes da cúpula, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, divulgou uma atualização da meta climática do Brasil. Como se viu depois, pareceu mais uma improvisação nada ambiciosa, que não justificava um lugar entre 77 palestrantes.

A meta climática atualizada anunciada por Salles tem três pontos. Dois deles fazem parte da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) já formulada no governo da ex-presidente Dilma Rousseff, em 2015, por ocasião do Acordo de Paris. Salles, não deu detalhes, mas os compromissos confirmados foram a meta de redução de gases-estufa em 37% até 2025 em relação aos níveis de 2005 e o corte de 43% na emissão de gases até 2030. O terceiro ponto compreende o compromisso de descarbonização da economia brasileira até 2060, que havia sido levantado no governo de Michel Temer.

O único acréscimo de Salles foi acenar com a possibilidade de reduzir o prazo de descarbonização se o país receber US$ 10 bilhões por ano a partir de 2021 para a conservação das florestas. Sugeriu ainda que as contribuições poderiam ser substituídas por mecanismos de mercado, quando houvesse a regulamentação do Artigo 6 do Acordo de Paris, que ainda está em discussão.

Enquanto isso, o presidente Xi Jinping anunciou que a China, maior emissor global de gases-estufa, irá reduzir suas emissões de CO2 por unidade de PIB em “mais de 65%” em 2030 em relação aos níveis de 2005, indo além da meta atual que vai de 60% a 65%. Ele ainda reafirmou o compromisso em alcançar a neutralidade nas emissões líquidas em carbono antes de 2060. O primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, reforçou o compromisso de reduzir em 68% as emissões de gases-estufa até 2030, em comparação aos níveis de 1990. Giuseppe Conte, primeiro-ministro da Itália, disse que o país vai reduzir a zero as emissões até 2050, e doar €30 milhões para o fundo de adaptação às mudanças climáticas das Nações Unidas. Sebastián Piñera, presidente do Chile, sublinhou que o país está comprometido com a campanha de emissões líquidas zero antes de 2050.

Especialistas ouvidos pelo Valor (10/12) não deixaram de dar razão à ONU por não ter escalado Bolsonaro para a cúpula. Entre as críticas feitas estão o fato de Salles ter apresentado uma meta indicativa para 2060, sem compromisso firme. Além disso, não especificou o impacto em termos absolutos das metas de redução em emissão de gás carbônico estabelecidas para 2025 e 2030. Como os números foram revisados na base, de 2005, as emissões na verdade serão maiores do que o objetivo anteriormente traçado.

No entanto, o que as autoridades brasileiras insistem em ignorar é a ligação cada vez mais estreita entre responsabilidade climática, negócios e investimentos. A União Europeia acaba de sugerir uma “Iniciativa Amazônia” de cooperação, para melhorar as condições para ratificação do acordo de livre comércio com o Mercosul, que inclui um mecanismo de monitoramento de desmatamento da floresta (Valor 14/12).

Além das instituições financeiras privadas estarem cada vez mais levando em conta as questões ambientais na concessão de financiamentos e os investidores no caso de suas aplicações, o movimento é ainda mais visível em organismos multilaterais. Durante a Cúpula, o European Investment Bank (EIB) informou que não vai mais financiar projetos de energia baseados em combustíveis fósseis. O presidente do Banco Mundial, David Malpass, afirmou que ampliará investimentos relacionados a clima para 35% nos próximos cinco anos. Novo estudo das ONU sobre finanças climáticas recomenda que o sistema financeiro direcione recursos para investimentos “limpos”.

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