É
preciso que o Legislativo e o Executivo não fechem os olhos à realidade do
País. Não é tempo de recesso ou de férias
O relator da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) Emergencial, senador Márcio Bittar (MDB-AC), informou que apresentará o parecer final sobre a proposta apenas no ano que vem. “Em vista da complexidade das medidas, bem como da atual conjuntura do País, decidi não mais apresentar o relatório da PEC Emergencial em 2020. Creio que a proposta será melhor debatida no ano que vem, tão logo o Congresso nacional retome suas atividades e o momento político se mostre mais adequado”, disse Bittar.
É
no mínimo estranho que a atual conjuntura do País sirva como desculpa para
adiar uma vez mais a tramitação de uma PEC que, como o próprio nome revela, vem
cuidar de uma situação emergencial. As atuais circunstâncias do País, em
especial o estado das finanças públicas – ver abaixo o editorial Retomada
mais lenta –, são motivo mais que suficiente para que o Congresso enfrente
imediatamente o assunto.
O fato é que o Legislativo percebeu que o próprio autor da PEC, o Executivo federal, se desinteressou pelo assunto. Dessa forma, o tema que já era de difícil aprovação – a proposta estabelece restrições e mecanismos para os gastos públicos – ganhou ares de tarefa impossível. Não há mágica. Se o governo federal não faz sua parte para promover a responsabilidade fiscal, dificilmente haverá algum avanço no caminho do reequilíbrio das contas públicas.
Nos
últimos meses, o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, ressaltou várias
vezes a necessidade da PEC Emergencial. “Sem a PEC Emergencial, (o governo) vai
ter muita dificuldade de aprovar o Orçamento”, advertiu o presidente da Câmara.
Mas o governo de Jair Bolsonaro parece ter esquecido os motivos que o levaram a
propor a PEC Emergencial, como se a simples passagem do tempo tivesse evaporado
os desafios fiscais do País. Como se sabe, desde a apresentação da proposta, no
fim do ano passado, a questão fiscal apenas se agravou.
Nada
disso, no entanto, parece preocupar o presidente Jair Bolsonaro e sua equipe.
No mesmo dia em que o relator da PEC Emergencial anunciou que o relatório será
apresentado apenas no ano que vem, o Diário Oficial da União informou
que o ministro da Economia, Paulo Guedes, estará de férias de 18 de dezembro de
2020 a 8 de janeiro de 2021.
Tem-se
a impressão de que, para o governo, a atual situação do País é da mais
corriqueira normalidade, sem exigir nenhum esforço ou trabalho adicionais.
Ainda não foram aprovadas a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei
Orçamentária Anual (LOA) de 2021. Sem a aprovação da LDO e da LOA, que
estabelecem as metas e prioridades da administração pública federal, bem como
as despesas de capital para o exercício subsequente, o governo não terá base
legal para realizar nenhum gasto discricionário em 2021.
Em
razão de sua importância para o funcionamento do Estado, a tramitação da LDO
tem determinados prazos. O projeto deve ser enviado pelo Executivo até o dia 15
de abril de cada ano, devendo ser devolvido para sanção presidencial até o dia
17 de julho. Estamos em dezembro, mas a máquina federal é incapaz de perceber a
urgência do tema.
Diante
do atual quadro, não faz sentido que o Congresso entre em recesso no mês de
janeiro. “Sou a favor que o Congresso trabalhe em janeiro para aprovar,
principalmente, a PEC Emergencial. Não há outra solução, já que o decreto de
calamidade não será prorrogado”, disse Rodrigo Maia, em rede social. O decreto
de calamidade relativo à pandemia suspende algumas obrigações fiscais.
“Com
mais de 180 mil mortos e com o agravamento da pandemia, o Congresso precisa
estar atuante ao lado da população, contra o vírus, para ajudar neste momento
tão difícil para o Brasil”, disse Rodrigo Maia. É preciso que o Legislativo e o
Executivo não fechem os olhos à realidade do País. Não é tempo de recesso ou de
férias. Há ainda muito a fazer e a trabalhar para enfrentar a pandemia e
assegurar condições mínimas de funcionamento fiscal em 2021. Na atual situação
social e econômica do País, não é difícil perceber a urgência de tantos
assuntos. Basta não se alienar.
Um plano incoerente - Opinião | O Estado de S. Paulo
Documento da Saúde é coerente com um presidente que nega a importância das vacinas
No
fim da semana passada, o Ministério da Saúde entregou ao Supremo Tribunal
Federal (STF) um “plano nacional de vacinação” contra a covid-19 que, a bem da
verdade, não chegava a ser propriamente um plano. O documento não continha data
para início da campanha, não determinava que imunizantes seriam utilizados para
cada grupo e previa vacinar apenas um quarto da população – 51,4 milhões de
brasileiros. Ou seja, com boa vontade, o tal “plano” não passava de uma mal
elaborada carta de intenções. A urgência do momento, com mais de 181 mil mortos
e um nítido crescimento do número de infectados, requer muito mais do que isso.
Diante
de tão relevantes lacunas, incompatíveis com a gravidade da crise e
imperdoáveis pelo tempo que o governo federal teve para, se assim quisesse,
preparar um bom plano de vacinação de toda a população, o ministro Ricardo
Lewandowski, relator de uma ação no STF que trata da obrigatoriedade da vacina,
determinou que a pasta reescrevesse o documento estabelecendo um cronograma com
a previsão de início e término da vacinação de todos os brasileiros.
Questionado
pelo Estado, o Ministério da Saúde afirmou que “seria uma
irresponsabilidade” inserir no documento um cronograma de vacinação e um rol de
imunizantes para cada grupo a ser vacinado sem “dados científicos suficientes”.
Ora, à frente da pasta está um general intendente da ativa. O ministro Eduardo
Pazuello sabe muito bem que um plano pode ser condicionado. A cada variável,
prevê-se uma determinada ação.
Mas
o plano não foi mal-ajambrado por acaso. É resultado direto, primeiro, da falta
de disposição do governo federal de enfrentar a emergência sanitária com a
seriedade que ela impõe. O presidente Jair Bolsonaro sempre negou a gravidade
da pandemia e em nenhum momento nesta triste trajetória de nove meses mostrou
qualquer sinal de compaixão por seus concidadãos ou de respeito aos fatos e às
recomendações das autoridades sanitárias. Ao contrário, pôs-se a afrontar tanto
uns como as outras em um sem-número de ocasiões. Nunca será demais rememorar
que Pazuello é o terceiro ministro da Saúde nomeado por Bolsonaro em meio à
pandemia. Seus antecessores foram defenestrados exatamente por não terem se
curvado diante do total descaso do presidente pela vida dos brasileiros.
Em
sua deliberada cegueira negacionista – ou melhor, com os olhos voltados apenas
para sua campanha à reeleição –, Bolsonaro também jamais manifestou qualquer
interesse em viabilizar uma campanha de vacinação séria contra a covid-19 para
toda a população. O presidente chegou a dizer que preferia gastar dinheiro com
o “tratamento” da doença – sabe-se bem qual – do que com vacinas, o que é
incoerente com seu discurso em favor da retomada da “vida normal” da atividade
econômica. Pois, se há algo que pode determinar a volta sustentável da
atividade econômica, é uma bem-sucedida campanha de vacinação. Jair Bolsonaro
deveria ser o primeiro a mobilizar toda a estrutura de governo para este fim.
Se não por compaixão, por mero pragmatismo.
O
plano de vacinação ao qual a Nação teve acesso na semana passada, portanto, é
um plano bastante coerente com um governo que nega a gravidade da pandemia e
jamais considerou a vacinação de toda a população uma prioridade nacional. A
forma atabalhoada como foi elaborado e as flagrantes lacunas que continha dão a
entender que o “plano” nada mais foi do que uma tentativa do governo federal
para não ficar para trás na absurda disputa política que trava com o governo de
São Paulo sobre a primazia na campanha de vacinação.
A
única disputa que importa neste momento é a da ciência e da boa governança
contra um vírus que já enlutou dezenas de milhares de famílias no País. Passa
da hora de o ministro da Saúde agir à altura do desafio e honrar a tradição de
excelência do Brasil em campanhas de vacinação. As condições objetivas estão
dadas. A ver até quando vai sua disposição de negá-las por subserviência.
Retomada mais lenta – Opinião | O Estado de S. Paulo
Reação
continuou perdendo ritmo em outubro, segundo prévia do PIB
Depois de uma forte reação inicial aos danos da pandemia, a economia brasileira começou a perder impulso, com menor avanço do consumo, expansão mais lenta da produção industrial, serviços muito atrasados na recuperação e desemprego ainda muito alto. A acomodação, ou perda de ritmo, já mostrada pelos dados setoriais, é evidenciada também no menor dinamismo do Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br). Considerado um sinalizador de tendência, esse indicador cresceu 0,86% de setembro para outubro. Foi a menor taxa mensal desde o início da retomada, em maio.
Publicado
todo mês, o IBC-Br é usado como prévia do Produto Interno Bruto (PIB). É uma
prévia imperfeita, mas duplamente útil – por indicar o rumo e o ritmo da
atividade e por estar disponível mensalmente. Só de três em três meses o PIB é
divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A
prévia pode ser imperfeita, mas o rumo e a variação de ritmo vêm sendo
apontados com clareza. A economia continua subindo a encosta, mas a perda de
velocidade é evidente. Essa perda é bem nítida quando se comparam os trimestres
móveis encerrados em agosto, setembro e outubro. Em cada período a atividade
cresceu mais devagar sobre o trimestre móvel anterior. O ritmo passou de 3,04%
para 1,90% e, finalmente, 1,38%.
O
menor dinamismo havia aparecido claramente nos dados setoriais publicados todo
mês pelo IBGE. Em outubro a produção industrial foi apenas 1,1% maior que em
setembro. O crescimento foi o menor desde o começo da reação, em maio. Além
disso, a expansão foi menos disseminada. Em setembro os aumentos haviam
ocorrido em 22 dos 26 segmentos cobertos pela pesquisa. Em outubro, só 15 ramos
apresentaram aumento da produção.
O
total produzido foi 1,4% maior que o de fevereiro, mês anterior ao choque, mas
o acumulado em 2020 foi 6,3% inferior ao de janeiro-outubro de 2019. Em 12
meses o recuo foi de 5,6% em relação ao período imediatamente anterior.
Nas
vendas do varejo houve um repique, com o aumento passando de 0,5% em setembro
para 0,9% em outubro. Mas essa taxa ainda foi menor que a da maior parte dos
meses desde o início da retomada: 12,2% em maio, 8,6% em junho, 4,6% em julho e
2,9% em agosto. Os números de novembro poderão confirmar se houve nova
alteração de tendência – para cima. Nada, ainda, permite essa conclusão,
especialmente por causa da redução do auxílio emergencial a partir de setembro.
Nos
serviços a recuperação prosseguiu em outubro, com expansão de 1,7% em relação a
setembro, mas o setor, ao contrário da indústria e do varejo, continuou abaixo
do nível anterior à queda ocasionada pela pandemia. O crescimento acumulado em
cinco meses, de 15,8%, ficou muito longe de compensar a perda de 19,8% ocorrida
no período de fevereiro a maio.
Os
serviços entraram em recuperação um mês depois do varejo e da indústria e
avançaram bem menos na reparação dos estragos. Esse atraso retarda
sensivelmente a reativação do mercado de trabalho, porque os serviços são
importante fonte de empregos.
Apesar
dos avanços, a atividade permanece abaixo do nível de 2019 e de patamares mais
distantes. No terceiro trimestre, o PIB foi 3,9% menor que o de um ano antes. O
acumulado no ano foi 5% inferior ao de igual período de 2019. Em 12 meses o
recuo foi de 3,4%. Esses são dados oficiais do IBGE.
Os
números do IBC-Br também mostram perdas importantes nessas comparações. No
trimestre móvel encerrado em outubro a atividade foi 22,65% menor que a de um
ano antes. No acumulado do ano o recuo foi de 4,92%. O confronto de períodos de
12 meses aponta uma queda de 3,93%.
Segundo
todas as projeções correntes, o balanço de 2020 mostrará produção menor que a
de 2019. O PIB será 4,41% inferior ao do ano passado, pela mediana das
estimativas colhidas no mercado pelo Banco Central. Mas o ano termina, e as
principais perguntas, agora, são a respeito de 2021. O governo tenta parecer
otimista, mas seria mais convincente se ao menos dispusesse de um orçamento bem
definido e confiável para o próximo ano.
O arremedo de um plano de vacinação – Opinião | O Globo
Lacunas
na proposta enviada ao STF pelo Ministério da Saúde expõem um governo
desorientado
No
domingo, o ministro Ricardo Lewandowski, do STF, deu 48 horas ao Ministério da
Saúde para que informe quando começará a vacinar os brasileiros contra a
Covid-19. É um pedido compreensível, mas de resposta impossível. Não dá para
exigir do governo que estabeleça uma data de vacinação, se nem há vacina
aprovada. O problema do plano enviado ao Supremo é outro: está repleto de
lacunas, como reflexo de um governo à deriva para lidar com o desafio.
Trata-se
de um arremedo de planejamento, elaborado às pressas, apenas para satisfazer à
pressão da opinião pública. O endosso de epidemiologistas, que parecia lhe dar
credibilidade, tornou-se constrangimento. No fim de semana, 31 deles divulgaram
carta informando não terem chancelado a versão final que leva seus nomes.
O
plano prevê 242 milhões de doses ao longo de 2021, distribuídas entre três
fornecedores: AstraZeneca/Universidade de Oxford/Fiocruz; consórcio Covax
(OMS); e Pfizer/BioNTech, opção que o Ministério da Saúde descartara pelas
dificuldades logísticas. Nenhuma palavra sobre as 46 milhões de doses previstas
da CoronaVac, produzida pelo Butantan em parceria com a chinesa Sinovac, em
fase avançada de teste e produção.
Na
hora de estabelecer prioridades, o governo acerta ao priorizar quem está sob
maior risco (idosos e profissionais de saúde), mas esquece os detentos e deixa
em segundo plano a vacinação de professores, essencial para a retomada das
aulas, e de profissionais de alto contato com o público, como motoristas ou
profissionais de limpeza e segurança. Não traça, como se esperaria em qualquer
planejamento decente, cenários para as possibilidades de entrega das vacinas,
nem prazos para a distribuir as doses pelo país.
O
plano não prevê o óbvio, como compra de seringas, agulhas, termômetros, caixas
de transporte ou algodão, que já deveriam ter sido licitados pelo menos desde
julho. Só agora o dinheiro começou a ser repassado a municípios para a
aquisição, que deveria ter sido centralizada para garantir preço e estoques.
Não
estão descritos os detalhes da rede de distribuição a frio, nem os
investimentos necessários para isso, em particular para a vacina da Pfizer (que
precisa ser conservada a -70° C). Diversos trechos do documento foram copiados
do plano de vacinação contra a gripe, sem que tivesse sido feito um
levantamento da capacidade atual de distribuição e aplicação das vacinas.
O
país tem ampla experiência com vacinação em situações extraordinárias, mas
deveria aproveitá-la melhor. Nada impede que gestores locais cuidem de seus
territórios. O objetivo do plano nacional deveria ser garantir o mínimo para
quem não tiver condições de fazer, e não impedir quem puder de fazer mais.
Diante de tamanha inépcia, não surpreende que a fração de brasileiros dispostos
a se vacinar esteja caindo, como mostrou pesquisa Datafolha (de 89% para 73%).
Da forma como foi elaborado, o arremedo de plano só contribui para alimentar a
dúvida, a desconfiança e a confusão.
Ensino público saiu perdendo na regulamentação do novo Fundeb – Opinião | O Globo
Alterado
na Câmara por emendas da bancada evangélica, projeto ainda precisa passar pelo
Senado
A
aprovação da PEC do novo Fundeb foi comemorada como grande vitória da educação
em agosto. O fundo de apoio ao ensino básico não precisaria mais ser renovado
periodicamente, a União concordou em aumentar sua contribuição financeira e foi
rechaçada a intenção do presidente Jair Bolsonaro de desviar alguns bilhões do
fundo para criar seu programa assistencial, o “Renda Cidadã”, aproveitando que
o Fundeb está fora do teto de gastos. Pareciam garantidos os recursos fixados
nas negociações com Executivo e Legislativo para melhorar a qualidade do ciclo
básico no ensino público. Não fosse um senão: o Planalto apoiou a bancada
evangélica para, na regulamentação do fundo, ampliar as transferências a
escolas ligadas a igrejas e instituições privadas.
O
relatório do deputado Felipe Rigoni (PSB-ES) mantinha o acesso, já garantido
anteriormente, de escolas privadas sem fins lucrativos e confessionais ao
dinheiro público, mas apenas para os ensinos infantil, especial e rural. Em
desafio ao acordo sobre a questão, emendas apresentadas e aprovadas estenderam
esses repasses também aos níveis fundamental e médio. Como o dinheiro do fundo
é finito, saíram perdendo as escolas públicas.
O
Fundeb é constituído por impostos estaduais, municipais e repasses da União,
crescentes de forma escalonada. Dos atuais 10% do fundo, o governo federal
chegará a contribuir com 23% em 2026, acrescendo dois pontos percentuais anuais
a partir do ano que vem. No período, a União deverá repassar cerca de R$ 65
bilhões ao fundo. Os recursos serão, na maior parte, destinados ao pagamento de
salários dos profissionais do ensino.
Em
meio à crise econômica, era natural que esses bilhões despertassem a cobiça de
grupos de interesse. As escolas mantidas por igrejas e instituições
filantrópicas não foram as únicas incluídas no Fundeb. Também se beneficiaram
escolas privadas de ensino profissionalizante, como as do Sistema S. É certo
que a recessão da pandemia reduziu o orçamento desse sistema, mas a solução não
está em retirar recursos que farão falta à educação pública básica, nossa maior
carência.
O
movimento Todos pela Educação criticou a ampliação do alcance do Fundeb para
cobrir os ciclos fundamental e médio de escolas de igrejas, comunitárias ou
filantrópicas, ainda que essa ampliação fique limitada a 10% do total das
matrículas no ensino público. Está agora com o Senado a responsabilidade de
restabelecer pelo menos o texto original do relator Rigoni na Câmara. As
perspectivas são preocupantes, porque, se houver impasse e o ano acabar, o
governo poderá fazer a regulamentação do Fundeb por Medida Provisória.
Anvisa em xeque – Opinião | Folha de S. Paulo
Agência
terá de escolher entre Bolsonaro e a prudência sanitária com vacinas
Um
momento definidor para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) como
órgão de Estado se aproxima. Em questão de
dias ela terá de mostrar, em relação a vacinas contra a
Covid-19, se trabalha pela saúde da população ou se virou um aparelho populista
do presidente Jair Bolsonaro.
Entre
países mais populosos, o Brasil desponta como um dos mais atrasados no
planejamento para imunizar cidadãos. Nesta segunda (14), a vacinação
começou nos EUA após licença emergencial da FDA (a Anvisa
americana), concedida no sábado, para o preparado das empresas Pfizer e
BioNTech.
A
mesma vacina, na semana passada, já tinha dado início a campanha de prevenção
no Reino Unido. O fato de os líderes Donald Trump e Boris Johnson terem agido
como irresponsáveis diante da pandemia, ainda que em graus diversos, não
impediu que seus governados começassem a ser protegidos.
O
negacionismo pueril de Bolsonaro fez e faz múltiplos estragos na prontidão para
conter a epidemia, secundado pelos militares instalados no Ministério da Saúde
e na Anvisa, que parecem confundir dever de ofício com obediência cega —e
néscia— ao chefe tresloucado.
Primeiro,
o presidente lançou dúvidas sobre a gravidade da doença, combatendo o
isolamento social e as máscaras. Depois, temeroso de que o governador João
Doria (PSDB) auferisse dividendos com o avanço da Coronavac do Instituto
Butantan e da Sinovac, espalhou descrédito sobre o que chamou de “vacina
chinesa do Doria”.
Conseguiu,
com rompantes inconsequentes, erodir a confiança da população em todas as
vacinas, não só a patrocinada pelo governo paulista. Pesquisa Datafolha mostrou
que, de agosto a dezembro, caiu de 89% para 73% a parcela dos brasileiros
dispostos a vacinar-se.
Doria
trabalha para forçar a Anvisa a licenciar o uso emergencial da Coronavac. Adiou
a publicação de resultados preliminares, antes marcada para esta terça (15), e
deve lançar em oito dias a pesquisa completa de eficácia e segurança, prevendo
aprovação do imunizante pela autoridade chinesa.
Saindo
a chancela da China, a Anvisa
estaria na obrigação legal de, em 72 horas, segundo a lei 14.006/2020, avaliar
a Coronavac.
A agência já deu mostras de subserviência ao nem mesmo mencionar a vacina do
Butantan em seu deficiente planejamento inicial; também questiona que tenha tal
prazo para a autorização.
O
Planalto cometeu erro grave com a aposta única no imunizante da AstraZeneca e
da Universidade de Oxford, e mais grave ainda ao sabotar a Coronavac. A
vacinação demora mais que o necessário. Milhares de mortes adicionais entrarão
na conta de Bolsonaro.
Reveses da Lava Jato – Opinião | Folha de S. Paulo
Operação
merece questionamentos, mas não se pode renunciar aos ganhos que trouxe
Desde
que foi deflagrada, em 2014, a Operação Lava Jato tornou-se um marco na forma
com que se trata a moralidade pública no Brasil. Para bem e para mal, ela mudou
a percepção tanto da população em geral quanto dos estratos do poder acerca dos
limites da corrupção.
Como
todo movimento que se pretende revolucionário, a Lava Jato por vezes se deixou
levar pelo voluntarismo de seus integrantes, simbolizados pela hoje afastada
dupla Sergio Moro e Deltan Dallagnol, que cometeram não poucos excessos e
arbitrariedades.
No
campo legal, isso sempre foi combatido por advogados, como que seria normal, e
pelos garantistas das cortes superiores.
Desde
que o Supremo Tribunal Federal voltou atrás acerca da prisão de condenados em
segunda instância, há um ano, a maré virou. Além de sofrer derrotas judiciais,
a operação verá Moro julgado por suspeita de viés na condução do processo
contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O
ex-juiz, por óbvio, não era imaculado. Isso foi amplamente perscrutado nos
vazamentos de mensagens do site The Intercept. Ademais, ter integrado o governo
de Jair Bolsonaro, principal beneficiário da vaga antipolítica causada pelo
terremoto anticorrupção, já havia tisnado sua credibilidade.
O
questionamento pertinente não pode, contudo, servir à impunidade. Apenas 5 de
53 sentenças da Lava Jato que inspiraram recursos chegaram ao
trâmite em julgado no STF, como noticiou a Folha.
Na
Segunda Turma da corte, que lida com temas da operação, o recém-chegado
Kassio Nunes aliou-se aos garantistas Gilmar Mendes e Ricardo
Lewandowski.
Outros
movimentos causam estranheza, como o Superior Tribunal de Justiça ter dado
continuidade a um recurso do
deputado Arthur Lira (PP-AL) para reaver R$ 10,4 milhões
bloqueados pela Lava Jato, pouco depois de decisão em sentido oposto.
O
prócer do centrão é hoje o candidato de Bolsonaro a presidente da Câmara dos
Deputados, o que dá à medida aparência de casuísmo.
Nota-se
também, por fim, certo fastio com o debate da corrupção. Segundo o Datafolha,
às vésperas do impeachment de 2016, o tema era o principal problema para os
brasileiros —37% assim se manifestaram. Hoje, figura num longíquo quarto lugar,
com 7% de citações.
Nada
justifica, entretanto, retrocessos nas contribuições preciosas da Lava Jato à
vida pública nacional.
Brasil fica fora da Cúpula de Ambição Climática da ONU – Opinião | Valor Econômico
Estudo
das Nações Unidas recomenda que o sistema financeiro direcione recursos para
investimento “limpo”
A
diplomacia brasileira deve ter ficado frustrada com o fato de o presidente Jair
Bolsonaro não ter sido um dos 77 líderes globais escolhidos para discursar na
Cúpula de Ambição Climática das Nações Unidas (ONU), realizada sábado em
encontro virtual. O encontro marcou o aniversário de cinco anos do Acordo de
Paris, que fixou importantes metas de controle da emissão de gases de efeito
estufa com objetivo de desacelerar o aquecimento global.
Realizada
sob o patrocínio da ONU, do Reino Unido e da França, e com a Itália e o Chile
como co-anfitriões, a Cúpula de Ambição Climática tinha como objetivo preparar
o debate para a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas
(CoP-26), adiada em consequência da pandemia deste ano para novembro de 2021,
em Glasgow (Escócia).
Apenas
quatro dias antes da cúpula, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles,
divulgou uma atualização da meta climática do Brasil. Como se viu depois,
pareceu mais uma improvisação nada ambiciosa, que não justificava um lugar
entre 77 palestrantes.
A
meta climática atualizada anunciada por Salles tem três pontos. Dois deles
fazem parte da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) já formulada no governo
da ex-presidente Dilma Rousseff, em 2015, por ocasião do Acordo de Paris.
Salles, não deu detalhes, mas os compromissos confirmados foram a meta de
redução de gases-estufa em 37% até 2025 em relação aos níveis de 2005 e o corte
de 43% na emissão de gases até 2030. O terceiro ponto compreende o compromisso
de descarbonização da economia brasileira até 2060, que havia sido levantado no
governo de Michel Temer.
O
único acréscimo de Salles foi acenar com a possibilidade de reduzir o prazo de
descarbonização se o país receber US$ 10 bilhões por ano a partir de 2021 para
a conservação das florestas. Sugeriu ainda que as contribuições poderiam ser
substituídas por mecanismos de mercado, quando houvesse a regulamentação do
Artigo 6 do Acordo de Paris, que ainda está em discussão.
Enquanto
isso, o presidente Xi Jinping anunciou que a China, maior emissor global de
gases-estufa, irá reduzir suas emissões de CO2 por unidade de PIB em “mais de
65%” em 2030 em relação aos níveis de 2005, indo além da meta atual que vai de
60% a 65%. Ele ainda reafirmou o compromisso em alcançar a neutralidade nas
emissões líquidas em carbono antes de 2060. O primeiro-ministro do Reino Unido,
Boris Johnson, reforçou o compromisso de reduzir em 68% as emissões de
gases-estufa até 2030, em comparação aos níveis de 1990. Giuseppe Conte,
primeiro-ministro da Itália, disse que o país vai reduzir a zero as emissões
até 2050, e doar €30 milhões para o fundo de adaptação às mudanças climáticas
das Nações Unidas. Sebastián Piñera, presidente do Chile, sublinhou que o país
está comprometido com a campanha de emissões líquidas zero antes de 2050.
Especialistas
ouvidos pelo Valor (10/12)
não deixaram de dar razão à ONU por não ter escalado Bolsonaro para a cúpula.
Entre as críticas feitas estão o fato de Salles ter apresentado uma meta
indicativa para 2060, sem compromisso firme. Além disso, não especificou o
impacto em termos absolutos das metas de redução em emissão de gás carbônico
estabelecidas para 2025 e 2030. Como os números foram revisados na base, de
2005, as emissões na verdade serão maiores do que o objetivo anteriormente
traçado.
No
entanto, o que as autoridades brasileiras insistem em ignorar é a ligação cada
vez mais estreita entre responsabilidade climática, negócios e investimentos. A
União Europeia acaba de sugerir uma “Iniciativa Amazônia” de cooperação, para
melhorar as condições para ratificação do acordo de livre comércio com o
Mercosul, que inclui um mecanismo de monitoramento de desmatamento da floresta
(Valor 14/12).
Além das instituições financeiras privadas estarem cada vez mais levando em conta as questões ambientais na concessão de financiamentos e os investidores no caso de suas aplicações, o movimento é ainda mais visível em organismos multilaterais. Durante a Cúpula, o European Investment Bank (EIB) informou que não vai mais financiar projetos de energia baseados em combustíveis fósseis. O presidente do Banco Mundial, David Malpass, afirmou que ampliará investimentos relacionados a clima para 35% nos próximos cinco anos. Novo estudo das ONU sobre finanças climáticas recomenda que o sistema financeiro direcione recursos para investimentos “limpos”.
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