Órgão
técnico vira órgão político
Criada
pela Lei nº 9.782 de 1999, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa) é uma autarquia que “tem por finalidade institucional promover a
proteção da saúde da população […] mediante a intervenção nos riscos
decorrentes da produção e do uso de produtos e serviços sujeitos à vigilância
sanitária, em ação coordenada e integrada no âmbito do Sistema Único de Saúde”
É
um órgão de natureza eminentemente técnica como ela própria, em nota
distribuída, ontem, a propósito do uso de vacinas contra o coronavírus, fez
questão de ressaltar. Ocorre que a nota é o maior atestado público de que a
Anvisa, em tempos de governo presidido por um ex-capitão do Exército e de
Ministério da Saúde repleto de militares, foi inoculada pelo vírus ideológico.
A
primeira parte da nota disserta sobre o plano mal ajambrado de vacinação em
massa ainda sem data marcada para começar – mas até aí nada demais a levar-se
em conta um presidente que tratou a Covid-19 como uma gripezinha, estimou que
não mataria mais do que oitocentas pessoas, menos ele dotado de saúde de
atleta, e que ao fim acabariam morrendo os que tivessem de morrer, e daí?
Vale
como confissão do aparelhamento político da Anvisa o que está escrito na nota
do seu meio para seu final. Está dito lá que deve ser levada em consideração ao
se avaliar o uso emergencial de vacinas “a potencial influência de questões
relacionadas à geopolítica que podem permear as discussões nacionais e decisões
estrangeiras relacionadas à vacina da Covid-19”.
Segundo a Anvisa, “há o risco ainda de que países coloquem interesses nacionais em primeiro lugar na garantia de acesso a uma vacina para seus próprios cidadãos, criando potencial de corromper o rigor com que as vacinas candidatas contra a Covid-19 são avaliadas para autorização de uso de emergência”. E aí? Aí a nota entra no assunto que de fato a justifica: a vacina chinesa.
O
Brasil é o líder internacional no processo de avaliação da Coronavac, vacina
que já se encontra com Autorização de Uso Emergencial (AUE) na China desde
junho. A agência argumenta que os critérios chineses para concessão de
autorização de uso emergencial não são transparentes e que não há
informações sobre os critérios empregados para essa tomada de decisão.
E
decreta: “Até o momento, nenhuma outra autoridade reguladora estrangeira tomou
decisão semelhante. Caso venha a ser autorizada a replicação automática da AUE
estrangeira no Brasil, sem a devida submissão de dados à Anvisa, são esperados
enfraquecimento e retardação na condução do estudo clínico no Brasil; além de
expor a população brasileira a riscos”.
Há
pouco mais de um mês, depois de ter sido autorizado pelo presidente Jair
Bolsonaro, o general Eduardo Pazuello, ministro da Saúde, reuniu-se com mais de
20 governadores e anunciou que todas as vacinas comprovadamente eficazes seriam
compradas pelo governo federal, inclusive a Coronavac. Desautorizado no dia
seguinte, recuou sob a desculpa de quem tem juízo obedece.
A questão é muito simples: à falta de interesse do governo federal em preservar vidas, João Doria (PSDB), governador de São Paulo, saiu em defesa do seu rebanho, e o Instituto Butantã fechou um acordo com a China para a produção da Coronavac. Ao invés de correr atrás de outras vacinas, Bolsonaro faz tudo para impedir que Doria seja bem-sucedido, mesmo que à custa de mais mortes.
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