O
fracasso contra a Covid-19 se deve à sabotagem dos consensos científicos sobre
a doença
É
impressionante a resiliência de Bolsonaro na pesquisa Datafolha que
avaliou as percepções do eleitorado sobre sua performance. Apesar do
agravamento da epidemia, a aprovação ao presidente continua em 37%, mesmo nível
registrado em agosto, quando a curva das infecções refluía.
Seria
tentador decretar que o eleitor é um marciano cego, incapaz de reconhecer a
realidade que o cerca, desistir da democracia e sonhar com um déspota
esclarecido. Mas não é tão simples. A Covid-19 é corretamente percebida como um
problema, e a maior parte dos entrevistados (42%) considera o desempenho do
presidente nessa frente como ruim ou péssimo --30% cravaram bom ou ótimo.
Não obstante, a maioria (52%) afirma que o presidente não tem nenhuma culpa pelos mais de 180 mil brasileiros mortos, e 38% dizem que ele tem alguma responsabilidade, mas não é o principal causador dos óbitos.
Há
aqui, acredito, um problema de "accountability". Seria um
despropósito apontar Bolsonaro como o principal culpado pelas mortes, como
fizeram 8% dos entrevistados. O presidente se sai mal em praticamente tudo o
que diz respeito ao controle sanitário da pandemia, mas não foi ele que criou e
espalhou o vírus, a causa mais direta do morticínio.
Só
que isentá-lo de qualquer responsabilidade, como fizeram, vale repetir, 52%,
significa ignorar as funções precípuas do Estado contemporâneo, que existe,
entre outros objetivos, para dar respostas coordenadas e efetivas a emergências
nacionais, sejam elas decorrentes de guerras, desastres naturais, crises
econômicas ou epidemias.
O que torna o caso de Bolsonaro especialmente revoltante é que o fracasso do Brasil no manejo da Covid-19 não se deve apenas à incompetência das autoridades, um fato da vida, mas à insistência do presidente em sabotar os poucos consensos científicos sobre a doença a fim de extrair ganhos políticos pessoais. E isso é abominável.
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