Nem
sequer seringas temos. Mas teremos. Né, general?
Um
governo que ancorou seu negacionismo frente à pandemia num discurso de
compromisso radical com a saúde econômica deveria ser obcecado por vacinar
maciçamente a população. Porque só a vacinação destravará a economia.
Este,
no entanto, é um governo que só criou — e cria — dificuldades para a vacinação.
Na prática, o governo Bolsonaro — força regressiva, dependente de
imprevisibilidades, que melhor vigorará quanto maior for a calamidade — lida
com a pandemia de forma antieconômica. É um contrassenso. É, pois, a mais pura
expressão do bolsonarismo, fenômeno reacionário anabolizado pela dissonância
cognitiva.
A
principal constituição discursiva de Jair Bolsonaro ante a peste apenas se
serviu da preocupação com a economia para fabricar conflitos e difundir teorias
da conspiração. Falamos de um presidente que manteve taxa de aprovação acima de
30% mesmo, no auge da pandemia, quando cultivava declarações beligerantes no
cercadinho do Alvorada. Ingênuo crer que sua pregação antivacina não resultasse
em aumento no número daqueles que não pretendem se imunizar.
Isso passa, contudo. Reverte-se. No caso da Covid-19, é ter as doses nos postos para que a desconfiança dos que dizem que não se vacinariam se converter em braço esticado. Sim: teremos os antivacinas vacinados. E continuarão bolsonaristas. Ok. O problema é a cisão social derivada da descrença; o eco influente da desinformação — sim, genocida — sobre outrora sólida cultura vacinal. Voltou o sarampo. A estúpida campanha antivacina produz atraso objetivo quando o estúpido é o presidente da República.
No
mundo real, vários países iniciam seus programas de vacinação já neste
dezembro. O Brasil não poderia mesmo formar entre os primeiros. Não é o Reino
Unido. A questão é se precisaria ficar tão atrás. Há países em condições
político-econômicas piores que começarão antes. Isso é produto da
incompetência; da pazuellização do
Brasil. O governo brasileiro é péssimo de serviço, o que foi potencializado —
esta ruindade sabotadora — pela doença ideológica bolsonarista.
Meses
de delinquência criaram a lama para este ambiente de caos anestesiado. De modo
que o governador Ronaldo Caiado, de Goiás, deveria calibrar melhor a leitura
das razões para o que diagnosticou — corretamente — como corrida maluca por
vacinas. E pensar sobre quem prospera investindo na loucura.
Não
há corrida maluca porque um governador — diante, por exemplo, de empecilhos
forjados por uma Anvisa a serviço de um projeto de poder — tomou a frente para
assegurar a vacinação dos seus. Há corrida maluca porque o governo federal —
por meio de atitude sociopata — recusou-se, boicotando qualquer esforço
coordenado, a comandar o processo. O governo Bolsonaro plantou o cada um por
si.
Caia
quem quiser na armadilha polarizadora sobre quem teria politizado primeiro; se
Bolsonaro ou Doria. Políticos politizam. Claro que olham para 2022. Normal.
Todos o fazem, inclusive Caiado. Com uma diferença: tudo o mais constante, só
um entre os politizadores terá vacina para aplicar em janeiro. É uma diferença
civilizacional.
O
pânico, esta é a palavra, quem promove agora, por medo de natureza
político-eleitoral, é o governo federal reativo, cujo plano nacional de
vacinação — um catadão vergonhoso cuspido no papel — só existe porque obrigado,
feito às pressas sob a vara de um Supremo que se deixa enganar. Como acreditar
que um Ministério da Saúde inconfiável, que se prestou a cavalo de um
mistificador, cavalo também sendo o Exército, e que nada planeja desde abril,
seria — será — capaz de conceber um programa vacinal em semanas?
Foram
meses de escolhas cretinas. A começar pela inexistência de convênios com todos
os grandes produtores de vacina. Precisaríamos de todas. O governo, porém,
preferiu restringir-se a um só fabricante, incapaz de atender a toda nossa
demanda — e de que ficaríamos cativos em caso de alguma delonga no trâmite de
aprovação de seu imunizante. Foi o que ocorreu.
Acontece.
Ninguém obrigou o Brasil a se atrelar ao destino de um só laboratório. Quem
dera, porém, fosse apenas esse o nosso espeto... Nem sequer seringas temos. Mas
teremos. Né, general? A questão é quando. Questão — quando? — que projeta fosso
de negligência em que milhares morrerão.
Nunca
tive dúvida de que, havendo vacinas, o governo federal correria para comprar
todas, inclusive a CoronaVac, aquela chinesa, a comunista etc. Aquela que
Bolsonaro disse que não compraria. Comprará. O mundo real se impõe. Nunca
duvidei de que o governo safado testaria até a tese do confisco; a surpresa
sendo um macaco velho como Caiado, pazuellizado,
deixar-se servir por boi de piranha da barbárie.
O
mundo real se impõe. E a lei se imporá, inclusive para tornar a Anvisa
bolsonarista irrelevante... A lei se imporá também ao processo de pazuellização da vida pública.
O revés é o tempo perdido —sempre ele. Veja o caso da vacina da Pfizer. O
Ministério da Saúde, leviano, arrotou várias dificuldades, antecipando-se para
difamar um imunizante porque exigiria geladeiras especificas. E agora é o “ai,
Jesus” — com Pazuello, talvez já convencido de que haja demanda, anunciando
acordo para aquisição de milhões de doses antes mesmo de o contrato assinado.
Compraremos todas, qualquer que seja o preço. E esperaremos — no fim da fila. O mais caro preço. Párias e otários.
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