Não há recursos publicitários ou campanha de comunicação que possam reverter números lamentáveis do Brasil
Desde a campanha presidencial de 2018 já se notava que o discurso sobre a “indústria da multa” do candidato Jair Bolsonaro e sua paranoia em torno dos objetivos de ONGs na Amazônia, bem como o desdém à proteção de culturas indígenas e o flerte com a saída do Acordo de Paris, sugeriam um enfraquecimento das políticas ambientais.
Antes mesmo da posse, ele fez o Brasil desistir de sediar a 25ª edição da conferência da ONU sobre o clima (COP-25) e quase extinguiu o Ministério do Meio Ambiente, deixando seu ocupante como último a ser anunciado na formação do governo. Já na Presidência, Bolsonaro protagonizou afrontas ao artigo 225 da Constituição Federal, que impõe ao poder público a responsabilidade por “preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais”.
Seria preocupante, mas com consequências muito menos prejudiciais, se as atitudes do presidente tivessem se limitado a questões quase folclóricas, como o afastamento do fiscal do Ibama que havia lhe multado por pescar em estação ecológica ou a insistência em criar a “Cancún brasileira” numa baía fluminense com 29 ilhas, lajes e rochedos que servem de refúgio e berçário para um sem-número de espécies marinhas.
O que chama a atenção do mundo não são “opiniões distorcidas”, como disse Bolsonaro, mas fatos: alta de 34% no índice de desmatamento da Amazônia entre agosto de 2018 e julho de 2019 (em relação aos 12 meses anteriores), redução de 25% no ano passado dos autos de infração aplicados pelo Ibama, um novo aumento da devastação florestal neste primeiro semestre e o maior número de focos de incêndio para junho em mais de uma década. A esses números somam-se o desmantelamento do Fundo Amazônia, cujos recursos aparelhavam a fiscalização, e uma postura desmedidamente agressiva em fóruns diplomáticos, confundindo justa rejeição à tutela ambiental com uma narrativa patrioteira de defesa da soberania.
Em 18 meses, o governo Bolsonaro foi colocado em uma encruzilhada. Depois de um histórico acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia, resultado de duas décadas de negociações, há risco de todo o esforço ruir. Os parlamentos da Áustria, da Holanda e da Valônia (na Bélgica) aprovaram moções contra a ratificação do tratado. Há fortes suspeitas de protecionismo travestido de defesa do meio ambiente, diante do temor de agricultores europeus, mas o Brasil entrega de bandeja as justificativas para que tais alegações se legitimem na opinião pública.
Fundos de investimento e de pensão, que administram US$ 4,1 trilhões em ativos, fizeram chegar seu desconforto com a falta de assertividade brasileira no combate ao desmatamento. Exportadores nacionais já relatam “bloqueios silenciosos” por parte de compradores europeus. Produtores de limão tahiti em Mogi Mirim (SP) e de maçãs em Santa Catarina já perderam novos contratos ou receberam advertências por causa da má fama do país. O Ministério da Infraestrutura acaba de concluir os estudos para leiloar a Ferrogrão - projeto ferroviário de 933 quilômetros ligando Sinop (MT) a Itaituba (PA). Mas, no mercado, há ceticismo de que investidores estrangeiros se disponham a injetar recursos bilionários em uma concessão de 69 anos nas franjas da Amazônia - sem saber se ela continuará existindo como floresta tropical ou savana.
Diante da pressão cada vez mais forte da comunidade internacional e dos donos do dinheiro, é imprescindível uma resposta incisiva da União. Até agora, ela veio muito na forma e pouco no conteúdo.
Mobilizar forças militares no combate a queimadas e ações de grileiros só pode dar certo valorizando o conhecimento acumulado e a liderança dos órgãos ambientais, que convivem com falta de apoio e penúria orçamentária. O Plano de Combate ao Desmatamento Ilegal, com vigência até julho de 2023, precisa estar acompanhado de um inexistente - ressalte-se - programa coordenado pelo Estado de aproveitamento das riquezas brutas da floresta para uma nova bioeconomia. Mais do que meios de transporte para grãos e carnes, a Amazônia precisa de centros de pesquisa tecnológica e internet de alta velocidade, de um projeto de desenvolvimento sustentável.
Não há recursos publicitários ou campanha de comunicação que possam reverter números lamentáveis. Como bem disse Jeanett Bergan, executiva do KLP (maior fundo de pensão da Noruega), após reunião com o vice-presidente Hamilton Mourão: “Precisamos ver resultados concretos. Quando avaliamos o risco de investimentos, avaliamos fatos. Não interessa o que se fala, a não ser que seja seguido de atos concretos”.
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