sábado, 18 de julho de 2020

Merval Pereira - A realidade que se impõe

- O Globo

Há dois meses como interino, o general Pazuello aumentou para 1.249 o número de militares na Saúde, subindo em 94,55%

A divulgação dos dados atualizados dos militares em atuação no governo Bolsonaro, obtidos por uma ação do ministro Bruno Dantas, do Tribunal de Contas da União (TCU) preocupado com o possível “desvirtuamento do papel das Forças Armadas”, uma militarização do governo que está sendo criticada, mostra uma participação muito maior do que se imaginava.

O número com que todos os analistas lidavam, cerca de 3.515 militares em diversas áreas, se refere ao ano passado. Neste 2020 da pandemia, esse número teve um acréscimo de 2.942 militares em relação a 2019, num total de 6.157. A média de 3 mil militares foi mantida desde 2016, o que quer dizer que era um número historicamente aceitável, e não alto como se presumia.

No primeiro ano, a suposta militarização se revelava pelo número de ministros oriundos da área militar no primeiro escalão do governo, além, claro, da atuação do próprio presidente, que se dedicou mais a comparecer a festas e cerimônias militares do que aos hospitais para consolar os doentes da Covid-19, hoje na casa de 2 milhões de pessoas, com mais de 75 mil mortos já contabilizados.

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luis Roberto Barroso já havia advertido em entrevista que uma militarização do governo poderia tirar a credibilidade das Forças Armadas, que são uma instituição do Estado e não podem ser compreendidas como parte de um governo, seja ele de que tendência for.


Ao mais que dobrar esse número a partir deste ano, o governo Bolsonaro deu partida a uma política de recrutamento militar que se revelou mais aprofundada no ministério da Saúde, justamente no período da pandemia. Há dois meses como interino, o General Pazuello aumentou para 1.249 o número de militares no campo da saúde, subindo em 94,55% a participação deles em comparação com 2016.

Essa presença está provocando muitas discussões internas, tanto no próprio governo, como entre os militares. O Exército não está satisfeito, como instituição, em ver seu nome envolvido em decisões de saúde pública que não são da sua alçada, e ao mesmo tempo sendo culpado por medidas ineficientes. A palavra de outro ministro do STF, Gilmar Mendes, sobre essa militarização do ministério da Saúde, envolvendo o Exército em um “genocídio”, referindo-se ao aumento de mortes nesses últimos dois meses de interinidade, trouxe a questão novamente ao debate.

A primeira reação dos militares, através do ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, foi branda, com uma nota relacionando todas as ações das Forças Armadas para ajudar o combate à Covid-19. A palavra “genocídio”, no entanto, foi tomada em sua significação histórica, e não como uma hipérbole que tinha o objetivo de alertar para a necessidade de não dar ao Exército uma missão que não é dele.

A reclamação à Procuradoria-Geral da República não deve ter maiores consequências, inclusive porque os próprios militares, como disse o vice-presidente Hamilton Mourão, querem dar esse assunto por encerrado, “uma página virada”.

Bolsonaro tratou de jogar água na fervura, conversou com Gilmar Mendes e pediu que o General Eduardo Pazuello ligasse para ele. Mas, como de hábito, não deu o braço a torcer, afirmando que permanecem no governo tanto Eduardo Pazuello quanto Ricardo Salles, outro ministro na marca do pênalti devido aos desarranjos da política ambiental.

O caso de Ricardo Salles deve ser resolvido mais rápida e naturalmente, não porque o presidente Bolsonaro tenha se convertido ao movimento verde, mas pelo dinheiro que os investidores nacionais e estrangeiros se recusam a colocar no Brasil se continuarmos sem preservar a Amazônia e os indígenas.

Ninguém vai negociar com Salles à frente do ministério do Meio Ambiente, e por isso o vice-presidente Hamilton Mourão está assumindo a coordenação do Conselho da Amazônia. Já com Pazuello, a questão é mais delicada, porque envolve o Exército. Bolsonaro tem a visão equivocada de que é preciso um especialista em logística no ministério da Saúde, e não um médico, e por isso o mantém

A opinião de Pazuello de que a testagem não é tão importante quanto dizem, contrariamente ao que pensam os especialistas, é uma mostra dos equívocos que estamos cometendo durante a pandemia. Mas a realidade vai acabar se impondo.

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