Tentativa
de golpe produzirá desdobramentos que ainda não se podem prever
A
invasão do Capitólio, em Washington, pelos extremistas
seguidores do presidente Trump, nessa quarta-feira, produzirá
desdobramentos que ainda não se podem prever.
O desfecho
desse 6 de janeiro segue a lógica da política
isolacionista, xenófoba, populista e antidemocrática adotada pelo governo
dos Estados
Unidos nestes últimos quatro anos.
Se não pode levar pelo voto, a eleição não serve. É invariavelmente “roubada”, quando os da turma são vencidos nas urnas. Numa primeira tentativa, vale apelar para a guerra judicial e, se não adiantar, a saída é o golpe. Se as forças institucionais, como as polícias e os militares, não aderirem, a solução é apelar para os movimentos de massa, para os agrupamentos armados e, assim, arrancar o poder com a invasão dos centros de exercício da democracia. Foi assim no nazismo, foi assim no fascismo e será assim nos regimes totalitários.
Como não poderá mais agasalhar esses movimentos antidemocráticos, sob pena de se esvaziar, o Partido Republicano dos Estados Unidos, o Great Old Party (GOP, na sigla em inglês), que já foi liderado por Abraham Lincoln, terá de se renovar, tarefa complicada, a ser precedida por expurgos.
Tiraram
o megafone do Trump. No meio da confusão, as contas do presidente Trump
no Twitter e no Facebook foram bloqueadas. O
homem mais poderoso do mundo, que tem o botão da bomba à altura dos seus dedos,
não pode mais usar as redes sociais para transmitir ordens e contraordens a
seus comandados, como se o alcance à corneta fosse retirado do comandante no campo
de batalha.
Desse
fato não se conclui apenas que, numa dimensão que importa, há poder maior do
que o do presidente dos Estados Unidos. Conclui-se, também, que uma vez
bloqueada a comunicação com suas massas de manobra, a capacidade de mobilização
de um chefão autoritário perde substância. Questão subsequente consiste em
saber quem, em última instância, manda nas redes sociais e como o acesso a elas
pode ser controlado democraticamente.
A
partir do que houve em Washington, é preciso saber por que o país mais dotado
de instituições de segurança no mundo e por que o FBI, a CIA e outros organismos de
inteligência que existem para defender as instituições não serviram para prever
e prevenir as forças democráticas contra a invasão e a tentativa de
golpe.
A
aglomeração começou desde a véspera, no dia 5. O presidente Trump havia feito
pronunciamentos desesperados contundentes em que conclamou seus seguidores a
agir pela força. E as intenções de invasão foram manifestadas a qualquer
interessado. Por que, mesmo assim, tudo aconteceu como se viu?
Finalmente,
vamos às implicações para o Brasil. A mesma lógica da política de Trump que
desembocou onde desembocou se aplica ao atual governo brasileiro, para quem a
democracia só tem serventia se ajudar na tomada do poder para sua turma. Quando
as instituições e as regras do jogo se tornam obstáculos, então é preciso
desmontá-las.
Se
o Supremo dispara sentenças desfavoráveis, é preciso destituí-lo. Para isso e
para outras providências da mesma qualidade, sempre é melhor aproveitar a
confusão da hora para “passar a boiada”.
Se
o Congresso atrapalhar, cumpre aliciar segmentos importantes que o compõem,
como o Centrão, com benesses e favores políticos. Ao mesmo tempo, convém armar
os seguidores e prepará-los para confrontos que possam se tornar inevitáveis.
Criar e encorpar as milícias acaba sendo o passo seguinte.
Tudo isso é mera fantasia? Pois, ainda nesta quinta-feira, o presidente Bolsonaro não poderia ter sido mais claro do que foi: “A falta de confiança nas eleições levou a esse problema que aconteceu lá (nos Estados Unidos). Se tivermos voto eletrônico no Brasil em 2022, vai ser a mesma coisa. Ou vamos ter problema pior que nos Estados Unidos” – foi o que disse.
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