sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

Eliane Cantanhêde - ‘Efeito Orloff’

- O Estado de S. Paulo

Hoje, ataque à democracia nos Estados Unidos. E amanhã, nas eleições presidenciais no Brasil?

O “Mito”, ou “Trump do Brasil”, aderiu orgulhosamente à minoria extremista e violenta que vê “heróis” no lugar de terroristas naqueles que atacaram a maior democracia do mundo, vandalizaram o Capitólio e ocuparam o plenário e o gabinete da presidente da Câmara, Nancy Pelosi, em nome de uma grande mentira: a de que houve fraudes na vitória do democrata Joe Biden, que assume a presidência dos Estados Unidos no dia 20.

O presidente Jair Bolsonaro, que desde 2018 joga desconfiança sobre o sistema eleitoral brasileiro, que depois de eleito insiste que houve “fraude” na própria eleição que ele venceu, que joga lama diariamente contra a mídia e que continua deslumbrado com o derrotado e absurdo Trump, gostou do caos em Washington e aproveitou para ameaçar também a democracia no Brasil e mobilizar desde já os extremistas antidemocráticos contra as eleições de 2022. Assim como loucos, que estão por toda parte, eles existem também aqui e podem ser contados aos milhares, talvez milhões.

Sempre na contramão do mundo, Bolsonaro foi o último presidente do G20 (as 20 maiores economias do mundo) a reconhecer a vitória de Joe Biden e agora não fez como a alemã Angela Merkel nem como o francês Emmanuel Macron, que condenaram veementemente o ataque à democracia americana. Talvez, no íntimo, esteja até aplaudindo, comemorando, porque insiste na farsa de que as eleições foram fraudadas – ora, ora, nos EUA! – e se une ao esforço de Trump de reduzir a maior democracia e maior economia do planeta à condição de “Republiqueta de Bananas”, um paraíso das fraudes.

Por trás da ação criminosa de Trump e da manifestação ameaçadora de Bolsonaro, está a mesma premissa: a eleição só vale se eu vencer; se eu perder, ela não vale. Bolsonaro esboçava isso em 2018, disse e repetiu que houve fraudes na própria eleição que lhe deu a vitória e agora já projeta o descrédito para o pleito de 2022, ameaçando: “Se nós não tivermos o voto impresso em 2022, uma maneira de auditar o voto, nós vamos ter problema pior que os EUA”. 

É sem pé nem cabeça. A eleição americana, que acusa de fraude, não é por urna eletrônica. A eleição brasileira, que ele venceu, é por urna eletrônica. Logo, o que uma coisa tem a ver com a outra? E não precisa ter um QI muito alto para saber o quanto as cédulas de papel são mais suscetíveis a fraudes. Aliás, a história eleitoral no Brasil comprova.

Ao falar nas “fraudes” daqui e dos EUA sem mostrar uma única, mísera, prova, Bolsonaro aproveitou para mais uma vez desdenhar da “tal pandemia”. Seria risível, apenas vexaminoso, se as declarações não juntassem o descaso com a democracia ao descaso com a vida e a um toque macabro: as manifestações do presidente foram justamente no dia em que o Brasil atingiu 200 mil mortos pela covid-19.

Com suas ideias fixas, egocentrismo e capacidade de manipulação de massas, os presidentes dos EUA e do Brasil são um perigo tanto para a democracia quanto para a vida. Em que mundo Trump e Bolsonaro vivem? No mundinho só deles, em que só importa o que eles acham, o que lhes é conveniente. Mas Trump sai da Casa Branca para o lixo da história e o país volta a respirar normalidade com a chegada de Joe Biden, que tem maioria no Senado e na Câmara, e com a ala responsável dos republicanos dando um basta no trumpismo. E no Brasil?

Com Bolsonaro investindo contra as eleições, estimulando atos antidemocráticos, cooptando militares e policiais e armando milícias, tudo pode acontecer. Contra o Supremo, já houve teste com fogos de artifício. E contra o Congresso e a mídia, como será 2022? Nicolás Maduro, Donald Trump e Jair Bolsonaro vão ficando iguaizinhos e com seguidores dispostos a tudo, até explodir a democracia.

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