sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

Vândalos da democracia – Opinião | O Estado de S. Paulo

Que as declarações temerárias de Bolsonaro sirvam de alerta quanto ao risco de ele repetir no Brasil em dois anos a intentona de seu ídolo americano

Se ainda havia dúvidas, as inacreditáveis cenas do assalto ao Capitólio, sede do Poder Legislativo dos Estados Unidos, ocorrido na tarde de quarta-feira passada em Washington, confirmaram de forma cabal o perigo da política de ressentimento estimulada pelo chamado tecnopopulismo, do qual o presidente americano, Donald Trump, é o maior expoente.

Atônitos, milhões de pessoas em diversos países puderam acompanhar em tempo real os danos que vândalos da democracia como Trump e seus imitadores mundo afora são capazes de causar. Eles vão muito além do estímulo à polarização política e à subversão da verdade factual nas redes sociais, o que já seria grave por si só. O ódio que essas lideranças populistas promovem contra as instituições democráticas, o que chamam de “sistema”, a diversidade e todos que não pertençam ao “povo” encarnado pelo líder ungido, se traduz em violência e morte.

Enquanto o Congresso dos Estados Unidos realizava uma sessão conjunta para certificar a eleição de Joe Biden como o 46.º presidente americano, um ato que em condições normais seria meramente protocolar, o presidente Donald Trump proferia um de seus mais virulentos discursos contra o que chamou de “eleição roubada”. Furioso porque seu vice, Mike Pence, simplesmente decidiu cumprir a Constituição e se recusou a participar da sedição que o manteria no poder, Trump afirmou que “jamais aceitaria” a derrota e insuflou uma horda de extremistas a “lutar” de forma “patriótica” contra a “fraude” da qual diz ser vítima.

Não houve fraude alguma na eleição presidencial dos Estados Unidos. Trump não passa de um mau perdedor e, a partir de agora, de um golpista malsucedido. Sua manutenção no poder, ainda que por mais poucos dias, representa um enorme perigo. Donald Trump deve ser impedido ou retirado da presidência de acordo com a 25.ª Emenda à Constituição americana, que prevê que o presidente pode ser destituído por incapacidade de desempenhar suas funções após uma declaração conjunta de seu vice e da maioria dos membros de seu Gabinete.

A responsabilidade pelo que aconteceu em Washington é exclusiva de Trump. “Palavras de um presidente têm peso”, disse o presidente eleito, Joe Biden. “Hoje vimos de um jeito duro o quão frágil é a democracia. Para preservá-la são necessárias pessoas de boa vontade e líderes com coragem, que se dediquem não a perseguir o poder e os interesses pessoais a qualquer custo, mas sim o bem comum”, disse o presidente eleito.

Controlada a invasão do Capitólio pelos radicais trumpistas – um rematado ato de terrorismo doméstico que culminou na morte de pelo menos 4 pessoas e na prisão de mais de 50 –, o Congresso retomou a sessão conjunta e certificou a decisão do Colégio Eleitoral, que em 14 de dezembro elegeu a chapa democrática formada por Joe Biden e Kamala Harris. A posse ocorrerá no próximo dia 20. 

No final, a secular democracia americana resistiu à infame tentativa de sublevação insuflada por Trump e da qual fizeram parte alguns senadores republicanos, como Ted Cruz, Josh Hawley e Ron Johnson. Mas o abalo seguramente foi sentido em democracias mundo afora.

O presidente Jair Bolsonaro, do tugúrio de onde expele fartas doses de mentiras e de veneno antiliberdades, voltou a prestar apoio a Trump e a dizer que a eleição americana foi “fraudada”, tal como a eleição brasileira em 2018, cantilena que repete sem apresentar provas. O presidente brasileiro afirmou que, “se tiver voto eletrônico no Brasil em 2022, vai ser a mesma coisa lá dos Estados Unidos” (sic). Se Bolsonaro não se conforma com o sistema eleitoral do País, que tente mudá-lo de acordo com as regras do jogo democrático. Se não conseguir e continuar inconformado, que renuncie à Presidência e deixe a ribalta, que não participe de um jogo de cujas regras discorda.

Como ele não tem estofo para isso, que as declarações temerárias sirvam de alerta para as autoridades brasileiras quanto ao risco de o presidente repetir no Brasil daqui a dois anos a intentona de seu ídolo americano.

Decisão acertada – Opinião | O Estado de S. Paulo

Governo entendeu que não é o momento de aumentar o imposto sobre alimentos.

Recuar de uma decisão, por reconhecê-la inadequada ou inapropriada naquele momento, é um gesto louvável do administrador público. Denota, da parte do gestor público, percepção das dimensões do impacto que tal decisão teria e de seu efeito nocivo, ainda que momentâneo, sobre determinados grupos sociais e setores da atividade econômica. Indica, sobretudo, o reconhecimento de que poderia estar cometendo um erro se a mantivesse e a coragem de evitá-lo. É assim que deve ser interpretada a decisão do governador do Estado de São Paulo, João Doria (PSDB), de suspender o corte de benefícios fiscais para determinados alimentos, remédios e equipamentos médicos.

Como mostrou o editorial Insensibilidade assustadora, publicado em 5/1, a medida, se mantida, prejudicaria as camadas de renda mais baixa, que gastam proporcionalmente mais com alimentos, e determinados grupos de pacientes.

O corte ou redução de benefícios fiscais sobre alimentos e produtos de uso médico é parte de um amplo conjunto de medidas que o governo do Estado de São Paulo propôs à Assembleia Legislativa em agosto do ano passado. As medidas foram justificadas por Doria como necessárias ao ajuste das finanças do governo do Estado, fortemente afetadas pelas medidas de enfrentamento da pandemia e pela crise econômica por ela provocada.

Os números que balizaram a proposição dessas medidas foram apresentados pelos secretários da Fazenda, Henrique Meirelles, e de Projetos, Orçamento e Gestão, Mauro Ricardo Machado Costa, e são impressionantes. Com base nas projeções da evolução da atividade econômica, os técnicos da área financeira do governo paulista estimaram as receitas totais de 2021 em R$ 214,99 bilhões. Já as despesas totais foram calculadas em R$ 225,4 bilhões. Daí resultaria um déficit estimado em R$ 10,4 bilhões neste ano.

Há vários meios de combater o déficit fiscal, e todos são conhecidos dos técnicos da área econômica do governo do Estado. Sua proposta de ajuste fiscal, transformada na Lei 17.293/20, lança mão de vários deles. Fazem parte dela, por exemplo, a extinção de várias entidades descentralizadas, com o objetivo de dar maior funcionalidade e mais leveza à administração estadual, e a alienação de imóveis. E há também medidas de natureza estritamente tributária, envolvendo aumento de alíquotas e redução de benefícios fiscais.

São, em geral, excessivas – e, em boa parte dos casos, distorcivas – as medidas de isenção ou benefício tributário utilizadas em todo o País, especialmente pela União. São notórios os casos de direcionamento das vantagens tributárias para socorrer segmentos econômicos, grupos específicos de empresas ou até mesmo empresas, todos selecionados discricionariamente pelo gestor público. Mesmo medidas de alcance aparentemente universal, entre elas as reduções tributárias, podem beneficiar mais alguns grupos de contribuintes do que outros. Uma reforma tributária justa poderia evitar esse tipo de perversidade das políticas de incentivos fiscais de diferentes naturezas.

As medidas permitidas pela lei de ajuste financeiro do Estado de São Paulo podem ser enquadradas no conjunto de providências destinadas a criar um regime fiscal mais justo e menos distorcivo. A inclusão de alimentos e produtos médicos entre os produtos que teriam elevada sua alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), o principal tributo estadual, seria, assim, perfeitamente justificável do estrito ponto de vista do necessário ajuste fiscal do governo paulista.

Mas do governante lúcido e responsável deve-se esperar, além de perfeita compreensão da realidade financeira que precisa administrar, o entendimento da realidade econômica e social. Aumentar o preço da carne (8,9%), do leite (8,4%), do arroz e do feijão (1,9%) quando o desemprego continua a subir e a pandemia ressurge com vigor tornaria ainda mais difícil a vida das famílias mais pobres.

O governo João Doria entendeu que não era o momento para isso.

Segurança e sinalização das estradas – Opinião | O Estado de S. Paulo

Nenhum esforço pode ser grande demais para poupar as vidas perdidas todos os anos.

Em diagnóstico sobre a sinalização no transporte rodoviário, a Confederação Nacional do Transporte (CNT) constata que nos últimos 15 anos, em especial desde a implementação do Programa de Segurança e Sinalização (BR-Legal), em 2013, houve avanços significativos. Mas a redução dos investimentos no último biênio e as falhas de planejamento e execução, às vezes grosseiras, resultam numa evolução ainda insuficiente, que deve ser sanada por aprimoramentos na regulamentação e gestão.

Desde 2006, houve três programas de sinalização: o Prosinal, o Prodefensas e o BR-Legal. Pode-se dizer que os dois primeiros avançaram por tentativa e erro, até que as melhores práticas fossem consolidadas no BR-Legal. Além de garantir um estoque de verbas para sinalização, separando-as das verbas de manutenção, o programa inovou na forma de licitação, na atribuição de responsabilidades às contratadas e na metodologia de soluções empregadas. Desde então, segundo a CNT, nos trechos rodoviários onde houve intervenção do BR-Legal a avaliação positiva subiu de 39,7% para 57,5%.

Contudo, a CNT, assim como o Tribunal de Contas da União e a Controladoria-Geral da União, identificou problemas de fiscalização, superposição do programa com outras ações, execução insuficiente ou inadequada, atrasos e inconformidades de projetos. De resto, entre 2014 e 2019, dos R$ 4,47 bilhões previstos no orçamento, foram investidos apenas 63%, e desde 2018 o volume está em queda. As consequências são trágicas.

A qualidade da sinalização interfere diretamente no número de acidentes e mortes. “Quando o pavimento é bom, mas inexistem faixas centrais, o risco de morte sobe 47%”, afirmou o diretor executivo da CNT, Bruno Batista.

Além das perdas inestimáveis de vidas, a má sinalização provoca danos econômicos. Calcula-se que os mais de 67 mil acidentes em rodovias em 2019 custaram ao País R$ 10,28 bilhões em perdas de vidas, produção e bens. No agregado da última década, as perdas ultrapassaram R$ 156 bilhões, montante que se aproxima dos R$ 172 bilhões destinados à infraestrutura e manutenção das atividades da Polícia Rodoviária Federal. Por outro lado, nos trechos onde houve intervenção do BR-Legal, estima-se que a cada R$ 1 investido em sinalização houve economia de R$ 5.

Ao mesmo tempo, a frota continua crescendo em proporção maior que a malha, e tem havido uma redução dos investimentos em adequação, construção e manutenção de rodovias.

Assim, é imperativo que uma nova edição do BR-Legal corrija os dispositivos que não foram capazes de superar os desafios que a abrangência e a complexidade do programa enfrentam.

As recomendações da CNT incluem melhorias na fiscalização, como contratar previamente empresas supervisoras de contratos; adequar a quantidade e a capacitação dos servidores dedicados à fiscalização do programa, bem como a infraestrutura à sua disposição; definir os parâmetros de fiscalização a priori; e elaborar os relatórios de acompanhamento.

Nas licitações é preciso condicionar a aceitação dos projetos à sua compatibilização com os anteprojetos e exigir um orçamento detalhado quando da apresentação do projeto básico e executivo.

Há ainda aprimoramentos no planejamento, como a compatibilização das intervenções e os calendários de execução dos programas de manutenção rodoviária; não incorporar nos contratos trechos ainda não implantados; e elaborar o inventário da sinalização e dispositivos de segurança efetivamente implantados, identificando suas inconsistências.

A CNT reclama ainda a liberação tempestiva dos recursos vinculados ao BR-Legal. O aperto fiscal do poder público não pode ser desculpa para não promover avanços ainda mais significativos do que os que foram conquistados até agora. Dentre os desafios da infraestrutura, a sinalização tem um custo relativamente pequeno, e as maiores mudanças dependem antes de eficiência na gestão e governança do que de recursos. Nenhum esforço pode ser grande demais para poupar as vidas perdidas todos os anos nas estradas do Brasil.

Assalto à democracia – Opinião | Folha de S. Paulo

Ataque ao Congresso incitado por Trump mancha os EUA, mas instituições vencem

Num ataque infame, que mancha a história da democracia americana, uma horda de extremistas de direita, incitada pelo presidente Donald Trump, invadiu o prédio do Congresso dos EUA durante a sessão convocada para oficializar a vitória do eleito Joe Biden.

O maestro do espetáculo ultrajante de hostilidade às regras democráticas jamais deixou dúvidas quanto às suas convicções autoritárias, racistas e homofóbicas, enfeixadas por um projeto político regressivo, baseado no apelo mítico do ressurgimento de uma América fabulosa e ancestral, purificada das influências nefastas da modernidade e do internacionalismo.

Desde a campanha de 2016, Trump aposta na polarização ideológica e no descrédito das instituições. Suas investidas para rechaçar e tachar de fraudulento um possível resultado negativo nas urnas, em 2020, já eram conhecidas bem antes do processo eleitoral.

Quando a derrota se esboçou, o republicano passou a comportar-se como um golpista desvairado, a exortar, com base em falsidades, uma rebelião contra o sufrágio popular —esforço coroado pelo assalto ao Capitólio, que deixou quatro mortos e uma mácula sinistra na política dos EUA.

Se não encontrou condições de organizar um golpe de Estado, Trump recorreu às armas disponíveis para enfraquecer Biden e alardear a versão mentirosa de que teria sido vítima de uma conspiração. O impostor semeia a insegurança para dar prosseguimento à sua saga política destrutiva, que projeta graves indagações sobre o futuro.

Consideradas as circunstâncias, a vitória democrata no Senado, que assegurou ao partido maioria nas duas Casas legislativas, constitui uma notícia auspiciosa. Desanuviam-se, ao menos em parte, os riscos de paralisação governamental numa nação imersa em confrontos ferrenhos e perigosos.

As recorrentes comparações que se fizeram entre as cenas vistas na capital dos EUA e as insurreições e quarteladas do Terceiro Mundo merecem ser ponderadas. Para além da baderna, Trump perdeu tudo —e pode ter destino pior do que apenas deixar a Casa Branca.

No Brasil, também o sistema de freios e contrapesos contém um populista de inclinações autoritárias que tem em Trump uma fonte óbvia de inspiração.

Entusiasta da ditadura militar e venerador de torturadores, Jair Bolsonaro sempre foi fiel e submisso ao congênere americano. Natural que, à luz sombria dos conflitos em Washington, tenha evitado condenações. Preferiu lançar ameaças à democracia brasileira, afirmando que se o país não regredir ao voto impresso enfrentará “problema pior do que nos EUA”.

Como deixa claro o tumulto insuflado por Trump, não se deve subestimar o obscurantismo que se propaga na política internacional. Nos Estados Unidos, felizmente, as instituições prevalecem —como têm prevalecido também no Brasil.

Riscos municipais – Opinião | Folha de S. Paulo

Gestão de Covas terá de lidar com suspeitas sobre secretário de Educação e vice

Se a distribuição de cargos de comando entre partidos aliados é quase uma imposição da política, uma boa composição precisa cotejar benefícios e riscos na escolha de nomes, especialmente nas pastas mais importantes. Em São Paulo, o prefeito Bruno Covas (PSDB) fez algumas apostas arriscadas.

Tome-se o caso do novo secretário de Educação da capital, Fernando Padula, acusado de integrar um esquema de fraudes e desvios no setor conhecido como a “máfia da merenda”, que teria operado durante a gestão do ex-governador tucano Geraldo Alckmin.

Padula, que é amigo de infância do alcaide paulistano, era chefe de gabinete da Secretaria de Educação do estado em 2014, ano no qual, afirma o Ministério Público, as irregularidades foram cometidas.

Em 2018, foi denunciado por corrupção passiva. Também é acusado em uma ação civil de improbidade administrativa, concernente ao mesmo caso.

Cabe apontar que as duas peças ainda não foram apreciadas pela Justiça, e Padula, que nega participação nos supostos malfeitos, goza da presunção de inocência. Entretanto é evidente que a evolução do caso pode ser motivo de instabilidade para a administração.

Também potencialmente problemática se mostra a escolha do vice de Covas, Ricardo Nunes (MDB).

Ex-vereador, Nunes tornou-se motivo de controvérsia ao longo da campanha após a Folha revelar que seu grupo político fatura ao menos R$ 1,4 milhão por ano alugando imóveis para creches do sistema municipal, com valores que ultrapassam, na média, os parâmetros de referência da prefeitura.

A administração se vale de entidades parceiras para administrar e expandir as creches, utilizando para tanto unidades conveniadas. O modelo, no entanto, é alvo de investigações por fraudes.

Acrescente-se ainda o fato de que a mulher de Nunes registrou em 2011 boletim de ocorrência contra ele por violência doméstica, ameaça e injúria, embora tenha voltado atrás posteriormente.

Não faltaram ao candidato a vice, durante a campanha, oportunidades para aclarar sobretudo as questões referentes ao seu relacionamento com as creches. Ele, porém, evitou debates e sabatinas.

Gestão da dívida pública avança mas enfrenta desafios – Opinião | Valor Econômico

Humor do mercado pode mudar porque o governo não dá sinais de que vai encarar seus desafios na área fiscal

No mesmo dia em que o presidente Jair Bolsonaro disse que o país estava quebrado ao justificar a um apoiador o motivo pelo qual não corrigiu a tabela do Imposto de Renda como prometeu em campanha, o Tesouro Nacional realizou o primeiro leilão de títulos públicos deste ano. Felizmente os investidores não levaram a declaração do presidente a sério e o Tesouro comemorou o sucesso da venda, após ter passado por um período, no ano passado, em que houve muita dúvida no mercado financeiro sobre a rolagem da dívida.

Neste primeiro leilão de 2021, o Tesouro colocou no mercado toda a oferta de 1,3 milhão de Notas do Tesouro Nacional da série B (NTN-B), corrigidas pelo IPCA, arrecadando R$ 5,5 bilhões. Foram vendidos títulos com vencimento em 2026, 2030 e 2055. A taxa dos papéis mais longos até caíram, ao contrário do que vinha acontecendo. Nova sistemática introduzida facilita a formação do preço uma vez que informa o volume de papéis em oferta.

O resultado foi bem diferente do que chegou a ser registrado no segundo semestre do ano passado. Um dos meses mais críticos foi setembro, quando o governo teve que emitir R$ 155,3 bilhões para fazer frente aos elevados resgates de títulos públicos. Somente em Letras Financeiras do Tesouro (LFTs), indexadas à Selic, os resgates somaram R$ 72,1 bilhões. Além disso, o mercado estava claramente preferindo títulos de curto prazo e só aceitando taxas mais elevadas para o longo prazo.

O leilão desta semana confirma a melhoria do cenário na gestão da dívida mobiliária, observada a partir de novembro. O resultado das eleições americanas contribuiu para aumentar o interesse pelos mercados emergentes, e as notícias a respeito do sucesso das vacinas contra a covid-19 inspiraram previsões otimistas de recuperação da economia global. Os juros baixos barateiam os custos de financiamento. Tesouro e Banco Central realizaram mudanças nos leilões que também ajudaram a reconduzir as operações da dívida mobiliária de volta aos trilhos.

O Tesouro aproveitou a janela de oportunidade do fim do ano para fazer caixa para enfrentar os elevados vencimentos previstos para este ano, especialmente no primeiro semestre. Conseguiu levantar R$ 173,3 bilhões em outubro e mais R$ 139,7 bilhões em novembro. Em nota divulgada ontem, o Tesouro informou que reuniu recursos em volume superior às despesas da dívida agendadas para o primeiro semestre, sem detalhar valores.

Mas sabe-se que os compromissos do ano todo são elevados. De acordo com o relatório mensal da dívida mobiliária federal de novembro, vencem neste ano o equivalente a 28,1% da dívida, o que significa pouco mais de R$ 1,3 trilhão. Quando Bolsonaro tomou posse, o percentual da dívida mobiliária que vencia no prazo de um ano era equivalente a quase metade disso, 16,3% do total.

Em artigo no Valor do dia 11 de dezembro, o professor do Departamento de Economia da PUC-Rio, Márcio Garcia, alerta para os elevados volumes das operações compromissadas, que acentuam o encurtamento da dívida pública, criando um fator adicional de risco diante das fragilidades fiscais. Ele calcula que a dívida de curto prazo cresceu mais com a expansão das operações compromissadas (8,4% do PIB) do que com os títulos do Tesouro (6,3% do PIB). Dados do Banco Central informam que as operações compromissadas atingiram R$ 1,54 trilhão em outubro em comparação com R$ 951,5 bilhões em dezembro de 2019.

Outros indicadores também se deterioraram nesse período. A participação do investidor estrangeiro na compra dos títulos públicos federais diminuiu quase dois pontos, de 11,2% para 9,5% em novembro; e a dos fundos de investimento, caiu de 26,9% para 25,5%. O espaço foi ocupado pelas instituições financeiras, que ampliaram as compras dos papéis de 22,7% para 29,5% do total. O prazo médio de vida dos títulos públicos (ATM, na sigla em inglês) também piorou e encolheu em quase um ano nesse curto espaço de tempo, passando de 5,45 anos em 2018 para 4,65 anos em novembro passado.

Os dados mostram que o aparente equilíbrio atual está assentado em bases frágeis. O Tesouro pode ser pressionado por alguma mudança no cenário externo ou pela elevação dos juros básicos, prevista para ocorrer ainda neste ano. Uma afirmação grave como a feita pelo presidente Bolsonaro pode também mudar o humor do mercado, especialmente porque o governo não dá sinais de que vai encarar seus desafios na área fiscal nem avançar nas reformas prometidas.

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