Que
as declarações temerárias de Bolsonaro sirvam de alerta quanto ao risco de ele
repetir no Brasil em dois anos a intentona de seu ídolo americano
Se ainda havia dúvidas, as inacreditáveis cenas do assalto ao Capitólio, sede do Poder Legislativo dos Estados Unidos, ocorrido na tarde de quarta-feira passada em Washington, confirmaram de forma cabal o perigo da política de ressentimento estimulada pelo chamado tecnopopulismo, do qual o presidente americano, Donald Trump, é o maior expoente.
Atônitos,
milhões de pessoas em diversos países puderam acompanhar em tempo real os danos
que vândalos da democracia como Trump e seus imitadores mundo afora são capazes
de causar. Eles vão muito além do estímulo à polarização política e à subversão
da verdade factual nas redes sociais, o que já seria grave por si só. O ódio
que essas lideranças populistas promovem contra as instituições democráticas, o
que chamam de “sistema”, a diversidade e todos que não pertençam ao “povo”
encarnado pelo líder ungido, se traduz em violência e morte.
Enquanto
o Congresso dos Estados Unidos realizava uma sessão conjunta para certificar a
eleição de Joe Biden como o 46.º presidente americano, um ato que em condições
normais seria meramente protocolar, o presidente Donald Trump proferia um de
seus mais virulentos discursos contra o que chamou de “eleição roubada”.
Furioso porque seu vice, Mike Pence, simplesmente decidiu cumprir a Constituição
e se recusou a participar da sedição que o manteria no poder, Trump afirmou que
“jamais aceitaria” a derrota e insuflou uma horda de extremistas a “lutar” de
forma “patriótica” contra a “fraude” da qual diz ser vítima.
Não houve fraude alguma na eleição presidencial dos Estados Unidos. Trump não passa de um mau perdedor e, a partir de agora, de um golpista malsucedido. Sua manutenção no poder, ainda que por mais poucos dias, representa um enorme perigo. Donald Trump deve ser impedido ou retirado da presidência de acordo com a 25.ª Emenda à Constituição americana, que prevê que o presidente pode ser destituído por incapacidade de desempenhar suas funções após uma declaração conjunta de seu vice e da maioria dos membros de seu Gabinete.
A
responsabilidade pelo que aconteceu em Washington é exclusiva de Trump.
“Palavras de um presidente têm peso”, disse o presidente eleito, Joe Biden.
“Hoje vimos de um jeito duro o quão frágil é a democracia. Para preservá-la são
necessárias pessoas de boa vontade e líderes com coragem, que se dediquem não a
perseguir o poder e os interesses pessoais a qualquer custo, mas sim o bem
comum”, disse o presidente eleito.
Controlada
a invasão do Capitólio pelos radicais trumpistas – um rematado ato de
terrorismo doméstico que culminou na morte de pelo menos 4 pessoas e na prisão
de mais de 50 –, o Congresso retomou a sessão conjunta e certificou a decisão
do Colégio Eleitoral, que em 14 de dezembro elegeu a chapa democrática formada
por Joe Biden e Kamala Harris. A posse ocorrerá no próximo dia 20.
No
final, a secular democracia americana resistiu à infame tentativa de sublevação
insuflada por Trump e da qual fizeram parte alguns senadores republicanos, como
Ted Cruz, Josh Hawley e Ron Johnson. Mas o abalo seguramente foi sentido em democracias
mundo afora.
O
presidente Jair Bolsonaro, do tugúrio de onde expele fartas doses de mentiras e
de veneno antiliberdades, voltou a prestar apoio a Trump e a dizer que a
eleição americana foi “fraudada”, tal como a eleição brasileira em 2018, cantilena
que repete sem apresentar provas. O presidente brasileiro afirmou que, “se
tiver voto eletrônico no Brasil em 2022, vai ser a mesma coisa lá dos Estados
Unidos” (sic). Se Bolsonaro não se conforma com o sistema eleitoral do País,
que tente mudá-lo de acordo com as regras do jogo democrático. Se não conseguir
e continuar inconformado, que renuncie à Presidência e deixe a ribalta, que não
participe de um jogo de cujas regras discorda.
Como
ele não tem estofo para isso, que as declarações temerárias sirvam de alerta
para as autoridades brasileiras quanto ao risco de o presidente repetir no
Brasil daqui a dois anos a intentona de seu ídolo americano.
Decisão acertada – Opinião | O Estado de S. Paulo
Governo
entendeu que não é o momento de aumentar o imposto sobre alimentos.
Recuar de uma decisão, por reconhecê-la inadequada ou inapropriada naquele momento, é um gesto louvável do administrador público. Denota, da parte do gestor público, percepção das dimensões do impacto que tal decisão teria e de seu efeito nocivo, ainda que momentâneo, sobre determinados grupos sociais e setores da atividade econômica. Indica, sobretudo, o reconhecimento de que poderia estar cometendo um erro se a mantivesse e a coragem de evitá-lo. É assim que deve ser interpretada a decisão do governador do Estado de São Paulo, João Doria (PSDB), de suspender o corte de benefícios fiscais para determinados alimentos, remédios e equipamentos médicos.
Como
mostrou o editorial Insensibilidade assustadora, publicado em 5/1, a
medida, se mantida, prejudicaria as camadas de renda mais baixa, que gastam
proporcionalmente mais com alimentos, e determinados grupos de pacientes.
O
corte ou redução de benefícios fiscais sobre alimentos e produtos de uso médico
é parte de um amplo conjunto de medidas que o governo do Estado de São Paulo
propôs à Assembleia Legislativa em agosto do ano passado. As medidas foram
justificadas por Doria como necessárias ao ajuste das finanças do governo do
Estado, fortemente afetadas pelas medidas de enfrentamento da pandemia e pela
crise econômica por ela provocada.
Os
números que balizaram a proposição dessas medidas foram apresentados pelos
secretários da Fazenda, Henrique Meirelles, e de Projetos, Orçamento e Gestão,
Mauro Ricardo Machado Costa, e são impressionantes. Com base nas projeções da
evolução da atividade econômica, os técnicos da área financeira do governo
paulista estimaram as receitas totais de 2021 em R$ 214,99 bilhões. Já as
despesas totais foram calculadas em R$ 225,4 bilhões. Daí resultaria um déficit
estimado em R$ 10,4 bilhões neste ano.
Há
vários meios de combater o déficit fiscal, e todos são conhecidos dos técnicos
da área econômica do governo do Estado. Sua proposta de ajuste fiscal,
transformada na Lei 17.293/20, lança mão de vários deles. Fazem parte dela, por
exemplo, a extinção de várias entidades descentralizadas, com o objetivo de dar
maior funcionalidade e mais leveza à administração estadual, e a alienação de
imóveis. E há também medidas de natureza estritamente tributária, envolvendo
aumento de alíquotas e redução de benefícios fiscais.
São,
em geral, excessivas – e, em boa parte dos casos, distorcivas – as medidas de
isenção ou benefício tributário utilizadas em todo o País, especialmente pela
União. São notórios os casos de direcionamento das vantagens tributárias para
socorrer segmentos econômicos, grupos específicos de empresas ou até mesmo
empresas, todos selecionados discricionariamente pelo gestor público. Mesmo
medidas de alcance aparentemente universal, entre elas as reduções tributárias,
podem beneficiar mais alguns grupos de contribuintes do que outros. Uma reforma
tributária justa poderia evitar esse tipo de perversidade das políticas de
incentivos fiscais de diferentes naturezas.
As
medidas permitidas pela lei de ajuste financeiro do Estado de São Paulo podem
ser enquadradas no conjunto de providências destinadas a criar um regime fiscal
mais justo e menos distorcivo. A inclusão de alimentos e produtos médicos entre
os produtos que teriam elevada sua alíquota do Imposto sobre Circulação de
Mercadorias e Serviços (ICMS), o principal tributo estadual, seria, assim,
perfeitamente justificável do estrito ponto de vista do necessário ajuste
fiscal do governo paulista.
Mas
do governante lúcido e responsável deve-se esperar, além de perfeita
compreensão da realidade financeira que precisa administrar, o entendimento da
realidade econômica e social. Aumentar o preço da carne (8,9%), do leite
(8,4%), do arroz e do feijão (1,9%) quando o desemprego continua a subir e a
pandemia ressurge com vigor tornaria ainda mais difícil a vida das famílias
mais pobres.
O
governo João Doria entendeu que não era o momento para isso.
Segurança e sinalização das estradas – Opinião | O Estado de S. Paulo
Nenhum
esforço pode ser grande demais para poupar as vidas perdidas todos os anos.
Em diagnóstico sobre a sinalização no transporte rodoviário, a Confederação Nacional do Transporte (CNT) constata que nos últimos 15 anos, em especial desde a implementação do Programa de Segurança e Sinalização (BR-Legal), em 2013, houve avanços significativos. Mas a redução dos investimentos no último biênio e as falhas de planejamento e execução, às vezes grosseiras, resultam numa evolução ainda insuficiente, que deve ser sanada por aprimoramentos na regulamentação e gestão.
Desde
2006, houve três programas de sinalização: o Prosinal, o Prodefensas e o
BR-Legal. Pode-se dizer que os dois primeiros avançaram por tentativa e erro,
até que as melhores práticas fossem consolidadas no BR-Legal. Além de garantir
um estoque de verbas para sinalização, separando-as das verbas de manutenção, o
programa inovou na forma de licitação, na atribuição de responsabilidades às
contratadas e na metodologia de soluções empregadas. Desde então, segundo a
CNT, nos trechos rodoviários onde houve intervenção do BR-Legal a avaliação
positiva subiu de 39,7% para 57,5%.
Contudo,
a CNT, assim como o Tribunal de Contas da União e a Controladoria-Geral da
União, identificou problemas de fiscalização, superposição do programa com
outras ações, execução insuficiente ou inadequada, atrasos e inconformidades de
projetos. De resto, entre 2014 e 2019, dos R$ 4,47 bilhões previstos no
orçamento, foram investidos apenas 63%, e desde 2018 o volume está em queda. As
consequências são trágicas.
A
qualidade da sinalização interfere diretamente no número de acidentes e mortes.
“Quando o pavimento é bom, mas inexistem faixas centrais, o risco de morte sobe
47%”, afirmou o diretor executivo da CNT, Bruno Batista.
Além
das perdas inestimáveis de vidas, a má sinalização provoca danos econômicos.
Calcula-se que os mais de 67 mil acidentes em rodovias em 2019 custaram ao País
R$ 10,28 bilhões em perdas de vidas, produção e bens. No agregado da última
década, as perdas ultrapassaram R$ 156 bilhões, montante que se aproxima dos R$
172 bilhões destinados à infraestrutura e manutenção das atividades da Polícia
Rodoviária Federal. Por outro lado, nos trechos onde houve intervenção do
BR-Legal, estima-se que a cada R$ 1 investido em sinalização houve economia de
R$ 5.
Ao
mesmo tempo, a frota continua crescendo em proporção maior que a malha, e tem
havido uma redução dos investimentos em adequação, construção e manutenção de
rodovias.
Assim,
é imperativo que uma nova edição do BR-Legal corrija os dispositivos que não
foram capazes de superar os desafios que a abrangência e a complexidade do
programa enfrentam.
As
recomendações da CNT incluem melhorias na fiscalização, como contratar
previamente empresas supervisoras de contratos; adequar a quantidade e a
capacitação dos servidores dedicados à fiscalização do programa, bem como a
infraestrutura à sua disposição; definir os parâmetros de fiscalização a
priori; e elaborar os relatórios de acompanhamento.
Nas
licitações é preciso condicionar a aceitação dos projetos à sua
compatibilização com os anteprojetos e exigir um orçamento detalhado quando da
apresentação do projeto básico e executivo.
Há
ainda aprimoramentos no planejamento, como a compatibilização das intervenções
e os calendários de execução dos programas de manutenção rodoviária; não
incorporar nos contratos trechos ainda não implantados; e elaborar o inventário
da sinalização e dispositivos de segurança efetivamente implantados,
identificando suas inconsistências.
A
CNT reclama ainda a liberação tempestiva dos recursos vinculados ao BR-Legal. O
aperto fiscal do poder público não pode ser desculpa para não promover avanços
ainda mais significativos do que os que foram conquistados até agora. Dentre os
desafios da infraestrutura, a sinalização tem um custo relativamente pequeno, e
as maiores mudanças dependem antes de eficiência na gestão e governança do que
de recursos. Nenhum esforço pode ser grande demais para poupar as vidas perdidas
todos os anos nas estradas do Brasil.
Assalto à democracia – Opinião | Folha de S. Paulo
Ataque
ao Congresso incitado por Trump mancha os EUA, mas instituições vencem
Num ataque
infame, que mancha a história da democracia americana, uma horda de
extremistas de direita, incitada pelo presidente Donald Trump, invadiu o prédio
do Congresso dos EUA durante a sessão convocada para oficializar a vitória do
eleito Joe Biden.
O
maestro do espetáculo ultrajante de hostilidade às regras democráticas jamais
deixou dúvidas quanto às suas convicções autoritárias, racistas e homofóbicas,
enfeixadas por um projeto político regressivo, baseado no apelo mítico do
ressurgimento de uma América fabulosa e ancestral, purificada das influências
nefastas da modernidade e do internacionalismo.
Desde
a campanha de 2016, Trump aposta na polarização ideológica e no descrédito das
instituições. Suas investidas para rechaçar e tachar de fraudulento um possível
resultado negativo nas urnas, em 2020, já eram conhecidas bem antes do processo
eleitoral.
Quando
a derrota se esboçou, o republicano passou a comportar-se como um golpista
desvairado, a exortar, com base em falsidades, uma rebelião contra o sufrágio
popular —esforço coroado pelo assalto ao Capitólio, que deixou quatro mortos e
uma mácula sinistra na política dos EUA.
Se
não encontrou condições de organizar um golpe de Estado, Trump recorreu às
armas disponíveis para enfraquecer Biden e alardear a versão mentirosa de que
teria sido vítima de uma conspiração. O impostor semeia a insegurança para dar
prosseguimento à sua saga política destrutiva, que projeta graves indagações
sobre o futuro.
Consideradas
as circunstâncias, a vitória democrata no Senado, que assegurou ao partido
maioria nas duas Casas legislativas, constitui uma notícia auspiciosa.
Desanuviam-se, ao menos em parte, os riscos de paralisação governamental numa
nação imersa em confrontos ferrenhos e perigosos.
As
recorrentes comparações que se fizeram entre as cenas vistas na capital dos EUA
e as insurreições e quarteladas do Terceiro Mundo merecem ser ponderadas. Para
além da baderna, Trump perdeu tudo —e pode ter destino pior do que apenas
deixar a Casa Branca.
No
Brasil, também o sistema de freios e contrapesos contém um populista de
inclinações autoritárias que tem em Trump uma fonte óbvia de inspiração.
Entusiasta
da ditadura militar e venerador de torturadores, Jair Bolsonaro sempre foi fiel
e submisso ao congênere americano. Natural que, à luz sombria dos conflitos em
Washington, tenha evitado condenações. Preferiu lançar ameaças à democracia
brasileira, afirmando que se o país não regredir ao voto impresso enfrentará
“problema pior do que nos EUA”.
Como
deixa claro o tumulto insuflado por Trump, não se deve subestimar o
obscurantismo que se propaga na política internacional. Nos Estados Unidos,
felizmente, as instituições prevalecem —como têm prevalecido também no Brasil.
Riscos municipais – Opinião | Folha de S. Paulo
Gestão
de Covas terá de lidar com suspeitas sobre secretário de Educação e vice
Se
a distribuição de cargos de comando entre partidos aliados é quase uma
imposição da política, uma boa composição precisa cotejar benefícios e riscos
na escolha de nomes, especialmente nas pastas mais importantes. Em São Paulo, o
prefeito Bruno Covas (PSDB) fez algumas apostas arriscadas.
Tome-se
o caso do novo secretário de Educação da capital, Fernando Padula, acusado
de integrar um esquema de fraudes e desvios no setor conhecido
como a “máfia da merenda”, que teria operado durante a gestão do ex-governador
tucano Geraldo Alckmin.
Padula,
que é amigo de infância do alcaide paulistano, era chefe de gabinete da
Secretaria de Educação do estado em 2014, ano no qual, afirma o Ministério
Público, as irregularidades foram cometidas.
Em
2018, foi denunciado por corrupção passiva. Também é acusado em uma ação civil
de improbidade administrativa, concernente ao mesmo caso.
Cabe
apontar que as duas peças ainda não foram apreciadas pela Justiça, e Padula,
que nega participação nos supostos malfeitos, goza da presunção de inocência.
Entretanto é evidente que a evolução do caso pode ser motivo de instabilidade
para a administração.
Também
potencialmente problemática se mostra a escolha do vice de Covas, Ricardo Nunes
(MDB).
Ex-vereador,
Nunes tornou-se motivo de controvérsia ao longo da campanha após a Folha revelar que seu
grupo político fatura ao menos R$ 1,4 milhão por ano alugando imóveis
para creches
do sistema municipal, com valores que ultrapassam, na média, os
parâmetros de referência da prefeitura.
A
administração se vale de entidades parceiras para administrar e expandir as
creches, utilizando para tanto unidades conveniadas. O modelo, no entanto, é
alvo de investigações por fraudes.
Acrescente-se
ainda o fato de que a mulher de Nunes registrou em 2011 boletim de ocorrência
contra ele por violência doméstica, ameaça e injúria, embora tenha voltado
atrás posteriormente.
Não
faltaram ao candidato a vice, durante a campanha, oportunidades para aclarar
sobretudo as questões referentes ao seu relacionamento com as creches. Ele,
porém, evitou
debates e sabatinas.
Gestão da dívida pública avança mas enfrenta desafios – Opinião | Valor Econômico
Humor do mercado pode mudar porque o governo não dá sinais de que vai encarar seus desafios na área fiscal
No mesmo dia em que o presidente Jair Bolsonaro disse que o país estava quebrado ao justificar a um apoiador o motivo pelo qual não corrigiu a tabela do Imposto de Renda como prometeu em campanha, o Tesouro Nacional realizou o primeiro leilão de títulos públicos deste ano. Felizmente os investidores não levaram a declaração do presidente a sério e o Tesouro comemorou o sucesso da venda, após ter passado por um período, no ano passado, em que houve muita dúvida no mercado financeiro sobre a rolagem da dívida.
Neste
primeiro leilão de 2021, o Tesouro colocou no mercado toda a oferta de 1,3
milhão de Notas do Tesouro Nacional da série B (NTN-B), corrigidas pelo IPCA,
arrecadando R$ 5,5 bilhões. Foram vendidos títulos com vencimento em 2026, 2030
e 2055. A taxa dos papéis mais longos até caíram, ao contrário do que vinha
acontecendo. Nova sistemática introduzida facilita a formação do preço uma vez
que informa o volume de papéis em oferta.
O
resultado foi bem diferente do que chegou a ser registrado no segundo semestre
do ano passado. Um dos meses mais críticos foi setembro, quando o governo teve
que emitir R$ 155,3 bilhões para fazer frente aos elevados resgates de títulos
públicos. Somente em Letras Financeiras do Tesouro (LFTs), indexadas à Selic,
os resgates somaram R$ 72,1 bilhões. Além disso, o mercado estava claramente
preferindo títulos de curto prazo e só aceitando taxas mais elevadas para o
longo prazo.
O
leilão desta semana confirma a melhoria do cenário na gestão da dívida
mobiliária, observada a partir de novembro. O resultado das eleições americanas
contribuiu para aumentar o interesse pelos mercados emergentes, e as notícias a
respeito do sucesso das vacinas contra a covid-19 inspiraram previsões
otimistas de recuperação da economia global. Os juros baixos barateiam os
custos de financiamento. Tesouro e Banco Central realizaram mudanças nos
leilões que também ajudaram a reconduzir as operações da dívida mobiliária de
volta aos trilhos.
O
Tesouro aproveitou a janela de oportunidade do fim do ano para fazer caixa para
enfrentar os elevados vencimentos previstos para este ano, especialmente no
primeiro semestre. Conseguiu levantar R$ 173,3 bilhões em outubro e mais R$
139,7 bilhões em novembro. Em nota divulgada ontem, o Tesouro informou que
reuniu recursos em volume superior às despesas da dívida agendadas para o
primeiro semestre, sem detalhar valores.
Mas
sabe-se que os compromissos do ano todo são elevados. De acordo com o relatório
mensal da dívida mobiliária federal de novembro, vencem neste ano o equivalente
a 28,1% da dívida, o que significa pouco mais de R$ 1,3 trilhão. Quando
Bolsonaro tomou posse, o percentual da dívida mobiliária que vencia no prazo de
um ano era equivalente a quase metade disso, 16,3% do total.
Em
artigo no Valor do dia 11 de dezembro, o professor do Departamento de
Economia da PUC-Rio, Márcio Garcia, alerta para os elevados volumes das
operações compromissadas, que acentuam o encurtamento da dívida pública,
criando um fator adicional de risco diante das fragilidades fiscais. Ele
calcula que a dívida de curto prazo cresceu mais com a expansão das operações
compromissadas (8,4% do PIB) do que com os títulos do Tesouro (6,3% do PIB).
Dados do Banco Central informam que as operações compromissadas atingiram R$
1,54 trilhão em outubro em comparação com R$ 951,5 bilhões em dezembro de 2019.
Outros
indicadores também se deterioraram nesse período. A participação do investidor
estrangeiro na compra dos títulos públicos federais diminuiu quase dois pontos,
de 11,2% para 9,5% em novembro; e a dos fundos de investimento, caiu de 26,9%
para 25,5%. O espaço foi ocupado pelas instituições financeiras, que ampliaram
as compras dos papéis de 22,7% para 29,5% do total. O prazo médio de vida dos
títulos públicos (ATM, na sigla em inglês) também piorou e encolheu em quase um
ano nesse curto espaço de tempo, passando de 5,45 anos em 2018 para 4,65 anos
em novembro passado.
Os dados mostram que o aparente equilíbrio atual está assentado em bases frágeis. O Tesouro pode ser pressionado por alguma mudança no cenário externo ou pela elevação dos juros básicos, prevista para ocorrer ainda neste ano. Uma afirmação grave como a feita pelo presidente Bolsonaro pode também mudar o humor do mercado, especialmente porque o governo não dá sinais de que vai encarar seus desafios na área fiscal nem avançar nas reformas prometidas.
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