Nenhum presidente brasileiro, até hoje, fez algo parecido
No
dia 31 de dezembro, em sua última live de 2020, o presidente Jair Bolsonaro
reclamou da atenção que a mídia dá ao caso
Queiroz. Até aí, tudo normal. É o tipo de coisa que o presidente faz em
vez de trabalhar para comprar vacina.
Parece
bem grave. Parece que o presidente da República tentou chantagear e intimidar o
Ministério Público do Rio de Janeiro. O
Ministério Público do Rio de Janeiro investiga o filho do presidente, o senador
Flávio Bolsonaro.
Se
algum bolsonarista ou alguém da turma do "não é tão ruim assim" tiver
outra hipótese para explicar o que o presidente da República disse em sua live
de 31 de dezembro, por favor, enviem-na para a Folha. Todos queremos ouvi-la.
Mesmo eu, que penso as piores coisas de Jair Bolsonaro, tive dificuldade de
acreditar no que estava ouvindo. Novamente: se alguém do governo tiver uma
outra explicação, será um prazer discuti-la. Ministro da Justiça?
Procurador-geral da República? Deputada
Janaina Paschoal? Wassef?
Quanto
à acusação feita pelo presidente, de duas, uma. Se ela for verdadeira, Bolsonaro vazou
dados sigilosos de uma investigação da Polícia Civil que obteve ilegalmente. Se
ela for falsa, Bolsonaro caluniou tanto o Ministério Público quanto a Polícia
Civil.
A
propósito, se Bolsonaro tiver aparelhado a polícia a ponto de vazar a acusação,
pode perfeitamente tê-la aparelhado a ponto de forjá-la.
E,
presidente, se usar "hipoteticamente" nesses contextos livrasse
alguém das consequências jurídicas do que diz, o senhor mal imagina o que
seriam minhas colunas sobre seu governo hipotético.
Talvez
Bolsonaro tenha dito o que disse justamente para provocar um escândalo e
difamar o Ministério Público no meio da confusão resultante. Seria uma conduta
típica da máquina de ódio bolsonarista. Se for o caso, talvez esta coluna
esteja fazendo o jogo de Bolsonaro ao divulgar suas acusações. É um risco.
Mas
se o que o presidente da República fez no dia 31 de dezembro for o que parece
ser, trata-se de coisa grave demais para não ser denunciada. Seria crime muito
mais pesado do que tráfico de drogas ou, aliás, do que "rachadinha".
Nenhum presidente brasileiro, até hoje, fez algo parecido.
O
Ministério Público do Rio continuará com as investigações, sem se intimidar. O
episódio não deve influenciar a escolha do novo procurador-geral de Justiça.
Mas enquanto o presidente
da República for capaz de fazer o que parece ter feito no dia 31 de
dezembro de 2020 sem sofrer consequências, ainda estaremos longe da normalidade
institucional.
*Celso Rocha de Barros, servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).
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