O
debate institucional brasileiro sofreu inflexões nas últimas três décadas
As
análises sobre o arranjo institucional brasileiro sofreram várias inflexões nas
últimas décadas. Embora tenha dinâmica própria, elas acompanharam o debate
público mais amplo e refletiram a conjuntura.
A
primeira década da democracia foi marcada por uma frustração coletiva
avassaladora. O país viu a hiperinflação, planos macroeconômicos fracassados, e
um impeachment presidencial.
O
diagnóstico era de que o país institucional era ingovernável devido à
combinação de presidencialismo, multipartidarismo, federalismo robusto, e
partidos fracos. A debilidade do sistema partidário seria produto da adoção da
representação proporcional com lista aberta e pela ação desorganizadora dos
interesses regionais/locais.
O dilema seria, portanto, que presidentes sem sustentação parlamentar eram incapazes de aprovar a agenda do Executivo. A era FHC, no entanto, pôs em xeque o diagnóstico, e a agenda de pesquisas mudou. Os poderes do presidente —como as medidas provisórias, iniciativa exclusiva ou controle da agenda congressual— foram vistos como facilitadores da aprovação de agendas. O Congresso não se revelou obstáculo à agenda do executivo.
Mas
as pesquisas passaram a mostrar que o gerenciamento das coalizões é variável
chave: a governabilidade depende do compartilhamento do poder com os membros
das coalizões, cada vez mais necessária dada a fragmentação partidária
crescente. E que o equilíbrio que permite que esta solução não degenere em
abuso de poder e corrupção é instável. Elas mostraram também que o judiciário e
instituições de controle lato sensu —que se beneficiaram de robusta delegação
de poderes e gradativo e inédito fortalecimento organizacional— são cruciais.
O
equilíbrio institucional se desfez, dando margem a duas interpretações rivais:
1) a crise teve (tem) raízes institucionais —o presidencialismo multipartidário
gera incentivos perversos, corrupção e ingovernabilidade; e 2) a crise resultou
das escolhas dos atores políticos em meio a uma tempestade perfeita (exposição
avassaladora de corrupção com crise econômica) e ao fortalecimento das
instituições de controle lato sensu, alterando a dinâmica do jogo.
O
debate que se seguiu sofreu nova inflexão: o desenho institucional deixa de ter
centralidade, o foco é a democracia. É o presidente —com suas preferências e
escolhas— que é o centro do debate, e não a presidência como instituição.
Se
o debate nos anos 1990 centrava-se no Executivo, agora ele se desloca para o
Judiciário como fonte de governabilidade, embora o foco muitas vezes é nos
juízes e suas escolhas, e não na instituição, que passa por teste
de estresse inédito.
*Marcus André Melo, Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
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