Há
um sincero desejo de que as coisas melhorem, deixando infortúnios para trás.
Que assim seja
Um
ano foi encerrado e outro se inicia sem que tenhamos ao certo uma linha
divisória entre um e outro. Talvez por décadas seja esta uma experiência única,
pois a sensação do não acabou ainda ou a pergunta de quando esse ano de 2020
vai terminar persistem. A humanidade foi severamente atingida por uma pandemia
que segue ceifando vidas, as pessoas, acossadas, não sabem mais como responder.
Algumas adotam a atitude de estar cansadas e decidem pela imprudência e pela
doença, quiçá a morte, enquanto outras procuram se proteger. Vida e morte se
entrelaçam de outra maneira, com esta última avançando.
Sinais de vida são fortalecidos mediante uma frenética e, parece agora, bem-sucedida busca por vacinas. Num esforço global gigantesco, 12 meses foram suficientes para que novas formas de combate à covid-19 fossem descobertas. Sinais de morte também encontraram o seu caminho, com governantes irresponsáveis menosprezando a doença, deixando as pessoas morrerem aos milhares. A irresponsabilidade do governo Bolsonaro é gritante, com 200 mil pessoas nos abandonando definitivamente. Nem numa guerra morrem tantas pessoas e, contudo, nem combatentes temos.
Zeram-se
os impostos para importação de armas como se se tratasse de uma prioridade
nacional, suponha-se, então, para dar uns tiros no coronavírus. Este, porém,
não se deixa abater pelos discursos demagógicos. Quanto mais se atira nele
dessa maneira, mais se espraia. No seu íntimo, deve estar rindo de nossos
governantes. Os verdadeiros tiros, que seriam uma política responsável de
combate à pandemia, encontram-se estranhamente ausentes.
O
espetáculo nacional é deprimente! Cenas pelo mundo mostram pessoas sendo
vacinadas, enquanto as estatísticas da morte em nosso país só aumentam. Um
mínimo de bom senso ensejaria a pergunta: por que pessoas são lá vacinadas,
enquanto aqui vivemos de uma verborragia de quinta categoria?
Lá
fora, em países minimamente responsáveis, quase em outro planeta, e já se
contam às dezenas, as campanhas de vacinação começaram. Não importa que seus
governantes sejam de direita ou de esquerda, o que deve ser levado a sério é a
vacina e as medidas de precaução no combate à doença. Dizendo uma obviedade: as
pessoas lutam pela vida, não fazem encenações macabras, como se morrer por descaso
fosse normal.
O
presidente Bolsonaro, em seus dois anos de mandato, alinhou-se ao presidente
Trump e ao primeiro-ministro Netanyahu. Ora, o que fizeram esses governantes?
Lançaram grandes campanhas de vacinação, deram prioridade à vida, tudo fazendo para
que as pessoas possam proteger sua saúde. Não lhes importou a origem das
vacinas, contanto que deem resultados. Pessoas sendo vacinadas, governantes
dando o exemplo, nenhum negacionismo! Será que o nosso presidente não poderia
alinhar-se a essas políticas, seguindo-as?
Se
continuarmos nesse diapasão, a única imunidade que vamos adquirir será a de
rebanho, o que levaria pelo menos mais 12 meses. Será que é isso que merecemos,
ser tratados como rebanho? Se isso persistir, talvez nos reste procurar uma sociedade
de proteção dos animais!
A
situação chega às raias do absurdo. O presidente Bolsonaro e o governador Doria
polemizam sobre a eficácia de vacinas pelos meios de comunicação. A luta pela
vacina tornou-se uma guerra publicitária, não de saúde! Nem um nem outro seguem
os protocolos científicos. Para que se comprove a eficácia de uma vacina, há
etapas a serem cumpridas, dentre as quais, ressalte-se, a divulgação do
relatório de pesquisa com a conclusão de sua fase 3, a publicação dos
resultados por uma revista cientificamente reconhecida, submetida a pares
independentes, e a submissão de todos esses documentos a uma agência
reguladora.
Foi
o feito pela Pfizer/BioNTech e pela Moderna, a partir do que, com segurança,
começaram as aplicações. Aqui, no Brasil, a vacina da Sinovac/Butantan não
cumpriu ainda esses procedimentos, no entanto, o começo de uma campanha de
vacinação já foi anunciado! Na verdade, só tivemos anúncios sendo
sistematicamente postergados. Melhor não fazer campanha publicitária nenhuma, pois
essa já é suficientemente contraproducente! A AstraZeneca/Fiocruz, embora
divulgue com maior rigor os seus resultados, apenas agora conseguiu a sua
aprovação na agência inglesa, abrindo caminho para a sua aplicação, após erros
metodológicos em sua terceira fase. A Anvisa, até agora, não recebeu a
documentação completa dessas respectivas pesquisas. Logo, evidentemente, não
pode ser responsabilizada por nenhum atraso. O resto é campanha publicitária e
luta política.
Em
mudanças de ano, habitualmente desejamos um feliz ano novo, expressando com
isto um sentimento de amor e de fraternidade. Uma esperança sempre se faz
presente, mesmo em modos aparentemente formais. Há um sincero desejo de que as
coisas melhorem, deixando eventuais infortúnios para trás. Que assim seja, e
oremos, talvez sem muita confiança, para que nossos governantes tomem juízo!
Está difícil...
*Professor de filosofia na UFGRS
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