sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

O que pensa a mídia: Opiniões / Editoriais

Desafinados – Opinião | O Estado de S. Paulo

As prioridades apresentadas pelo presidente Jair Bolsonaro não parecem ser exatamente as mesmas de seus apadrinhados que comandam o Congresso

Se harmonia significa afinação, faltou ensaio entre o presidente Jair Bolsonaro e os novos comandantes do Congresso na abertura do ano legislativo. Malgrado o presidente ter festejado a “harmonia” entre os Poderes depois que os candidatos por ele apoiados venceram a recente eleição para as presidências da Câmara e do Senado, o fato é que as prioridades apresentadas por Bolsonaro não parecem ser exatamente as mesmas de seus apadrinhados.

Em primeiro lugar, é difícil saber quais são as prioridades do presidente da República. Bolsonaro foi pessoalmente ao Congresso entregar uma lista com nada menos que 35 itens tratados como essenciais pelo governo.

Considerando-se que restam somente 24 meses para o final do mandato tanto do presidente da República como dos novos dirigentes do Congresso, é preciso um assombroso otimismo para acreditar que um governo que mal conseguia aprovar medidas provisórias na primeira metade do mandato será capaz de emplacar mais de um projeto por mês, entre os quais complicadas reformas constitucionais, nos próximos dois anos.

Mas essa é a hipótese benevolente, porque a janela para a aprovação dos projetos, na prática, só vai até o início de 2022, por volta de março, quando então todo o mundo político se voltará para a campanha eleitoral de outubro.

O prazo, contudo, é apenas o menor dos problemas. Há um claro desencontro de agendas entre o Executivo e o Legislativo. Entre as 35 prioridades apresentadas pelo presidente Bolsonaro, por exemplo, apenas uma, que versa sobre uso de fundos públicos, diz respeito à pandemia de covid-19 – que, enquanto estiver fazendo vítimas, sobrecarregando o sistema de saúde e limitando a atividade econômica, não permitirá a recuperação do País. O presidente tampouco mencionou a possibilidade de um novo auxílio emergencial para os milhões de cidadãos destituídos de renda em razão da pandemia.

Já as prioridades apresentadas pelos novos presidentes da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco, são focadas basicamente no combate à pandemia, por meio da vacinação, e na retomada do auxílio emergencial. Trata-se de um objetivo bem mais realista e coerente com a urgência do momento.

É evidente que os investimentos em dinheiro e suor dos brasileiros devem estar totalmente direcionados neste momento para a luta contra o coronavírus, por meio de uma vacinação em massa, e para o socorro àqueles que de uma hora para outra foram atirados na aflição de não saber se terão condições de se alimentar – sem falar da hercúlea tarefa de adequar o Orçamento a essa situação excepcional, respeitando as leis que limitam gastos públicos. Não é hora de desperdiçar energia discutindo se a população deve ter maior acesso a armas ou se pode adotar o ensino em casa, duas das tantas “prioridades” apresentadas por Bolsonaro.

A desafinação entre Bolsonaro e os presidentes da Câmara e do Senado mostra que o arranjo governista que elegeu Arthur Lira e Rodrigo Pacheco é precário. O Centrão, grande vencedor da eleição no Congresso e fiador do governo, começou a nova coabitação tentando demonstrar independência: não passou despercebida, no discurso do senador Pacheco ao tomar posse, a advertência de que “não pode haver substituição de papéis entre os Poderes”. Em outras palavras, o presidente Bolsonaro não deve tratar o Congresso como uma extensão do Palácio do Planalto.

Ou seja, não basta ao governo elencar dezenas de prioridades e esperar que o Congresso, agora sob nova direção, supostamente governista, aprove tudo sem questionamento. Cada votação será uma batalha, e o sucesso da pauta do governo depende, sobretudo, do empenho político do presidente Bolsonaro. O regime de governo no Brasil, afinal, é presidencialista.

A esse propósito, ressalte-se o significativo gesto de Bolsonaro de comparecer à solenidade de abertura do ano legislativo – o costume é o presidente da República enviar sua mensagem por meio do ministro da Casa Civil. Trata-se de uma sinalização da importância que Bolsonaro dá à nova direção do Congresso. Mas que ninguém se engane: o Centrão não se comove com simbolismos – só o poder real lhe interessa.

O futuro da Comissão de Justiça – Opinião | O Estado de S. Paulo

Tentativa de convertê-la num feudo bolsonarista é avanço da democracia iliberal no Brasil.

Na entrevista que concedeu ao Estado, anunciando o que fará caso seja eleita para comandar a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a principal, da Câmara, a deputada Bia Kicis (PSL-DF) deixou claro que não tem a menor condição de exercer o cargo. 

Entre outras iniciativas, afirmou que desengavetará um projeto apresentado pela bancada evangélica, incluindo na lista de crimes de responsabilidade a “usurpação de competência do Congresso por parte dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF)”. A proposta está parada na CCJ desde 2016 e é defendida pelo presidente Jair Bolsonaro. Como vem sendo investigada sob suspeita de ter usado dinheiro público para divulgar mensagens em favor do fechamento do STF, Bia Kicis carece de autoridade moral para tomar essa iniciativa. 

Além disso, ela quer reduzir de 75 para 70 anos o limite para a aposentadoria compulsória dos membros do STF, o que permitiria a Bolsonaro indicar ministros alinhados com o que chama de sua “agenda”. É uma forma nada sutil de liberar vagas para que Bolsonaro aparelhe a principal Corte do País. “Quero um STF que funcione cumprindo seu papel constitucional. Não o quero interferindo nas minhas funções de parlamentar”, disse ela, mal escondendo seu desejo de ter uma corte servil à vontade do Planalto. Contudo, isso é evidenciado pelo modo como critica as interpretações que o STF faz da Constituição. Como a Carta contém muitos dispositivos com conceitos abertos, quando os ministros os interpretam de uma forma que não atende aos interesses de Bolsonaro, eles são classificados como “ativistas” por Kicis. Mais grave, quando atuaram como relatores em processos de interesse do presidente, apresentando pareceres contrários aos seus interesses, os ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes foram objeto de um pedido de impeachment encaminhado por Kicis. Foi por esses motivos que alguns ministros do STF não esconderam seu descontentamento com uma eventual ascensão de Kicis à presidência da CCJ. Segundo eles, por avaliar a legalidade e constitucionalidade de projetos, decretos, leis, MPs e PECs, a CCJ ficaria desmoralizada sob seu comando. 

Independentemente das críticas do STF e de partidos com representação na Câmara, a desenvoltura como Kicis e outros parlamentares bolsonaristas vêm agindo no Congresso entreabre o risco de o País se converter na chamada democracia iliberal. Historicamente, ela surge quando a economia entra em estagnação ou eclodem crises inesperadas, como a de saúde pública. As consequências são, de um lado, o aumento de insegurança jurídica e de concepções regressivas de ordem pública. E, de outro, a ascensão de um populismo autoritário que não esconde o desapreço pelas liberdades públicas, menospreza a pluralidade social, ignora os direitos das minorias e desqualifica o diálogo como meio de resolução de divergências. 

A democracia iliberal é um regime no qual regras e procedimentos democráticos tendem a ser utilizados por populistas autoritários com o objetivo de reduzir as mediações institucionais e minar garantias fundamentais. É um regime manipulado por governantes que não hesitam em corroer as regras democráticas com base nas quais se elegeram. Por um lado, recorrem a instrumentos da democracia liberal em busca de uma tinta de legitimidade. Mas, por outro, testam os limites de liberdade que a Constituição assegura, promovendo um esvaziamento progressivo dos mecanismos de controle do Estado de Direito, aparelhando com gente medíocre e subserviente organismos policiais e de inteligência financeira, além do Ministério Público e do Judiciário. 

Desde que ascendeu ao poder, Bolsonaro teve muitas das suas iniciativas questionadas no STF, que aplicou as leis de modo isento. Neste período em que a judicialização da vida política faz com que o jogo democrático dependa cada vez mais das posições do Judiciário, a tentativa de converter a deputada Bia Kicis em presidente da CCJ nada mais é do que um avanço para aprofundar a democracia iliberal, desta vez com a intenção de interferir na produção das leis que os tribunais terão de aplicar. 

 O fim da Operação Lava Jato – Opinião | O Estado de S. Paulo

O encerramento da força-tarefa de Curitiba não é o fim do combate à corrupção no País.

Tudo tem um fim. Não haveria por que ser diferente com a força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba, onde tudo começou há quase sete anos.

A própria natureza de uma força-tarefa deveria bastar para delimitar tanto seu escopo de atuação como seu prazo de validade. Não é exagero dizer, portanto, que sete anos foi tempo demasiado longo para a ação do grupo formado por membros do Ministério Público Federal (MPF), da Polícia Federal (PF) e da Receita Federal para investigar, inicialmente, casos de corrupção envolvendo contratos com a Petrobrás e empresas subsidiárias, mas que logo degenerou em uma espécie de “Tribunal do Santo Ofício” para purgar o País daquilo que, na visão dos procuradores, seriam os males da atividade política.

Desde o dia 1.º de fevereiro, os procuradores da República que compunham a força-tarefa de Curitiba passaram a fazer parte do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) criado no MPF do Paraná. Os casos em andamento sob os cuidados da antiga força-tarefa continuarão a ser investigados, evidentemente, mas sem dedicação exclusiva dos procuradores.

O fim da célula nuclear da Operação Lava Jato é a principal medida do processo de “correção de rumos” no MPF que o procurador-geral da República, Augusto Aras, encampou ao assumir o cargo. Crítico do modelo de atuação por forças-tarefa, Aras defende um “novo modelo de investigação” que não se submeta ao que chama de “métodos personalistas” nem permita a criação de grupos de procuradores fechados em si mesmos, como “caixas-pretas”.

Neste ponto, Aras não está errado. Vejamos por quê.

Nenhuma análise histórica da Operação Lava Jato será honesta se não reconhecer sua longa folha de serviços prestados à Nação. Se não por quaisquer outras razões, a Lava Jato merece ser lembrada por ter resgatado o primado da igualdade de todos perante a lei. Havia muito tempo a observação empírica dos cidadãos em nada se coadunava com a isonomia formalmente inscrita na Constituição. Poucas coisas são mais nocivas para a saúde democrática de um país do que sua Constituição ser tida como letra morta por grande parte dos cidadãos.

Pouco a pouco, à medida que avançavam os processos originados por 130 denúncias e que resultaram em 278 condenações, os brasileiros voltaram a acreditar que ninguém está fora do alcance da Justiça quando se desvia da lei, nem mesmo políticos influentes, incluindo ex-presidentes da República e ex-governadores, nem grandes empresários, um grupo que sempre pareceu à opinião pública estar submetido a uma ordem jurídica bem peculiar, mais permeável.

Ao mesmo tempo, o sucesso da Operação Lava Jato foi sua maldição. Seria muito melhor para o País que a força-tarefa simplesmente cumprisse seu papel no tempo certo e com os objetivos bem delineados. Não foi o que se viu. Alguns de seus membros foram tomados pela vaidade e pelo “personalismo” do qual falou Augusto Aras. Deu no que deu.

Se o resgate do primado da isonomia foi a maior contribuição que a Operação Lava Jato deu ao País, o “lavajatismo” foi, de longe, a pior. Em nome desse movimento de purgação nacional, tudo passou a valer para combater a corrupção, convertida em grande mal do Brasil, o que é uma falácia.

Alguns membros da Lava Jato e prosélitos da operação acharam por bem tomá-la como uma instituição à parte do Ministério Público, que nem sequer Poder da República é, embora muitos de seus membros pensem que seja. Buscando para si um grau de independência inaudito, não foram poucos os procuradores que julgaram ter poder de vida e morte sobre as carreiras de muitos políticos e empresários, associando-se ao Poder Judiciário – o que, por si só, é um descalabro.

O fim da Lava Jato tal como ficou conhecida não significa o fim do combate à corrupção no País. É o desfecho normal de uma operação que desde o início deveria ter seu objeto e prazo determinados.

O fim da Lava Jato – Opinião | Folha de S. Paulo

Ação de Bolsonaro e Aras para esvaziar órgãos de controle liquida força-tarefa

Criada há sete anos para desvendar um gigantesco esquema de corrupção na Petrobras e suas ramificações, a força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba teve enorme impacto na vida do país.

Suas investigações atingiram o coração do sistema político brasileiro, levaram à cadeia dois ex-presidentes da República, congressistas e empresários poderosos e permitiram recuperar bilhões de reais desviados dos cofres públicos.

A Lava Jato acabou contribuindo também para criar um ambiente propício à ascensão de Jair Bolsonaro, que se apresentou aos eleitores como antípoda dos políticos postos fora de combate e atraiu para seu ministério o juiz responsável pela operação, Sergio Moro.

Por tudo isso é notável a frieza com que foi recebido o anúncio da dissolução da equipe de procuradores, na quarta (3). No lugar dos pronunciamentos trovejantes que celebravam suas ações no passado, houve pouco além de suspiros.

Alguns dos profissionais serão incorporados a um grupo especializado no combate ao crime organizado, ao qual caberá acompanhar processos em andamento e dar continuidade às investigações, agora com menos recursos.

A extinção da força-tarefa encerra um processo prolongado de desgaste, para o qual erros cometidos pelos integrantes da operação e ações de seus adversários ofereceram contribuições decisivas.

Com o tempo, abusos cometidos pelos procuradores tornaram-se evidentes, pondo em xeque seus métodos e minando a credibilidade de suas iniciativas. Até ministros do Supremo Tribunal Federal tiveram a vida financeira devassada de forma clandestina.

O vazamento de mensagens trocadas pelos procuradores nos bastidores da operação ofereceu um retrato constrangedor do grupo, alimentando questionamentos à isenção de Moro como juiz e pondo em risco os resultados alcançados pelas investigações.

Sabia-se que os dias da força-tarefa estavam contados havia mais de um ano, desde que Bolsonaro escolheu Augusto Aras para chefiar a Procuradoria-Geral da República, ignorando os nomes indicados pela corporação.

Assombrado por apurações sobre seus familiares, o presidente começou a se mexer para enfraquecer órgãos de controle e logo deixou claro o interesse em interferir neles para proteger os filhos.

Após o rompimento de Moro com o governo, Aras passou a agir como instrumento de Bolsonaro, trabalhando primeiro para reduzir a autonomia do grupo do Paraná e de seus congêneres em outros estados —e por fim para esvaziá-los.

Seria defensável o fim da força-tarefa de Curitiba se fosse parte de uma estratégia para aperfeiçoar as instituições encarregadas de vigiar o poder e coibir seus abusos. Infelizmente, não há sinal de que esse seja o objetivo de Bolsonaro e Aras.

Minorias sob ataque – Opinião | Folha de S. Paulo

É preciso investigar denúncias de ataques contra representantes de discriminados

Uma série de atentados e atos de intimidação vem atingindo representantes eleitos de minorias e grupos que sofrem discriminação por questões de gênero ou cor.

Fruto de um crescente processo de conscientização e de luta por direitos que se dissemina no Brasil, a apresentação de candidaturas vinculadas a movimentos de defesa de mulheres, negros, homossexuais e transgêneros tornou-se mais expressiva nas eleições municipais do ano passado.

A crescente visibilidade de parlamentares desses segmentos tem despertado, contudo, reações violentas de ressentimento e preconceito que são intoleráveis à luz da cidadania e da convivência democrática —além de se caracterizarem como crimes comuns.

Foi o caso, por exemplo, noticiado no final do mês de janeiro, de Carolina Iara, integrante de mandato coletivo do PSOL na Câmara Municipal de São Paulo. A covereadora integra a Bancada Feminista, composta por seis pessoas, que mereceu 46.267 votos em nome de Silvia Andrea Ferraro.

Ataques foram também denunciados por outras duas parlamentares do PSOL, a covereadora Samara Sosthenes, do grupo Quilombo Periférico, e a vereadora Erika Hilton, negra e transexual, a mulher mais bem votada em 2020 no país, com mais de 50 mil sufrágios.

Convidada a participar do programa Roda Viva, da TV Cultura, Hilton não se furtou, em ato corajoso, a apontar a onda intimidatória que atinge colegas de Legislativo.

Não se trata, como se sabe, de um problema paulistano. Demonstrações deploráveis de discriminação têm sido registradas em diversas cidades e estados. Ganhou recente projeção nacional a vereadora Ana Lúcia Martins (PT), primeira negra eleita para a Câmara de Joinville (SC) —alvo de ofensas nas redes sociais e de ameaça de morte.

Registre-se que também em outros países, como os EUA, onde representantes de minorias têm obtido êxito em eleições, observam-se comportamentos análogos.

Além de medidas de proteção cabíveis, a cargo dos respectivos órgãos legislativos, é indispensável que os atentados sejam investigados pela polícia. É preciso impor limites à violência discriminatória que serve apenas para perpetuar o quadro de desigualdades que infelizmente ainda é realidade no país.

 Governo de Bolsonaro põe fim à Operação Lava-Jato – Opinião | Valor Econômico

A maior operação anti-corrupção da história do país foi rebaixada a grupo de debates

Uma nota lacônica do Ministério Público Federal assinalou o fim do trabalho da equipe de Curitiba da Operação Lava-Jato que, a partir de março de 2014, desencadeou a maior investigação sobre a corrupção na história republicana. No dia 1º de fevereiro, quando deixou de existir, o deputado Arthur Lira (PP-AL), a caminho de tornar-se reú em dois processos dela originados, foi eleito para comandar a Câmara dos Deputados. Os efeitos devastadores sobre os partidos e a consequente onda da “antipolítica” ajudaram um deputado medíocre como Jair Bolsonaro a se eleger à Presidência. Em mais uma ironia da história, coube a Bolsonaro, suposto paladino anti-corrupção, ser justamente o coveiro da operação.

A Lava-Jato definhou tanto por suas muitas virtudes quanto por seus erros. Deixou uma trilha de abusos legais, colecionou inimigos poderosos - todo o establishment político-partidário, que reagiu contra ela - e perdeu o apoio dos ministros do Supremo Tribunal Federal, que teve no início. Os ventos políticos mudaram, mas a Lava-Jato já tinha cumprido boa parte de suas tarefas: 278 condenações de 174 réus, 17 acordos de leniência que assegurarão a recuperação de R$ 15 bilhões roubados.

Das maracutaias descobertas em um posto de gasolina resultaram algo até então impensável: prisões e condenações de empresários da elite da construção civil, como Marcelo Odebrecht, de executivos, de diretores da Petrobras e das cúpulas políticas, como o ex-presidente Lula, o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, o governador do Rio, Sérgio Cabral, e eminências pardas de governos petistas, como Antonio Palocci. As investigações ainda assombram o “quadrilhão” do PP, Aécio Neves e expoentes do tucanato paulista.

A dissolução das forças tarefas, com procuradores exclusivamente dedicados a casos determinados, nos grupos de combate ao crime organizado (Gaecos), ainda está em curso. Dos 13 procuradores da Lava-Jato de Curitiba, 4 terão esse destino. O fim da “República de Curitiba” não foi lamentado nem pela direita, pelo centro ou pela esquerda, o que diz muito de seu sucesso e das razões de seu fim.

Um dos principais erros dos procuradores de Curitiba foi o de, embalados pelos trunfos iniciais, pela popularidade conquistada e pelos poderes que tinham nas mãos, passarem a se comportar como se tudo pudessem. A ultrapassagem das linhas legais deixou um enorme flanco vulnerável. As prisões preventivas, que se prolongaram como instrumento de pressão e que tinham respaldo na Justiça, aos poucos deixaram de tê-lo. A onipotência de alguns procuradores levou-os a bisbilhotar membros do STF e familiares, sem que para isso se apoiassem em meios legais.

Além disso, o juiz Sergio Moro passou a orientar investigações, cujos resultados ele próprio haveria de julgar, ferindo a imparcialidade a que a lei o obriga. Ao mesmo tempo em que a Lava-Jato findou, o ministro Ricardo Lewandowski tornou públicas as fitas antes parcialmente divulgadas pelo The Intercept, revelando diálogos entre Moro e os procuradores de Curitiba que vão nesse sentido.

A reação à Lava-Jato foi lenta, gradual e segura. O STF mudou entendimento e decidiu que os réus só poderiam ser presos até o trânsito em julgado, e não após condenação em segunda instância, que foi eficaz arma para a colaboração premiada, catalisadora das investigações. E encaminhou boa parte dos processos envolvendo caixa dois para a Justiça Eleitoral, desaparelhada para isso. O Supremo ainda deve julgar ação que pede a anulação da condenação de Lula por parcialidade de Moro. Moro tornou-se ministro de Bolsonaro poucos meses depois que a condenação de Lula o impediu de concorrer à Presidência.

O “mensalão”, antes, e a Lava-Jato, depois, desvendaram focos de corrupção ativados por políticos do centrão, sempre necessários nas “bases de apoio” governistas, tucanas primeiro, petistas depois. O Centrão agora comanda o Congresso, justamente quando Lava-Jato deixou de existir e precisaria estar ativa.

O procurador geral Augusto Aras encerrou um modelo bem-sucedido de investigações com argumentos burocráticos - e o fato de que com uma penada tenha acabado com a Lava-Jato indica que ela estava perto do fim. O procurador Alessandro Oliveira fez o obituário da operação, apontando como seu legado avanços “em discutir temas tão importantes e caros à sociedade brasileira”. A maior operação anti-corrupção da história do país foi rebaixada a grupo de estudos. Fará falta.

 Pandemia e reformas são as prioridades  - Opinião | O Globo

Na abertura do ano legislativo, o presidente Jair Bolsonaro, ao colocar na mesa os temas prioritários para a agenda do Congresso neste ano, elencou nada menos que 35 projetos — da reforma administrativa à liberação de mais armas para a população, passando pelo ensino doméstico e pela privatização da Eletrobras. A lista foi entregue formalmente aos novos presidentes da Câmara e do Senado, Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG). Só ficou no ar uma dúvida: com 35 projetos, quais são mesmo as prioridades?

É importante lembrar que Bolsonaro tem todo o direito de imprimir ênfase à pauta de costumes com que conquistou votos nos setores conservadores da sociedade. Ele já cumpre promessas de liberar mais armas e munições para os grupos de colecionadores, atiradores esportivos e caçadores. Há propostas para isentar policiais em mortes ocorridas em confrontos e para facilitar a vida dos caminhoneiros. É do jogo democrático que um presidente eleito tente atender os grupos que o elegeram. O Congresso, em contrapartida, tem outro dever. Precisa priorizar os temas de fato urgentes. Hoje, eles são dois: os efeitos da pandemia e a crise fiscal crônica, que já atingia o país antes dela e persistirá depois.

No primeiro, é essencial garantir a vacinação em massa e o atendimento aos contaminados. O governo é o grande responsável por não haver a garantia de vacina para toda a população. A situação fica cada vez mais angustiante com o crescimento do número de mortos pela Covid-19, que beira os 230 mil. Os novos presidentes da Câmara e do Senado assumiram fazendo referências à crise sanitária. Parece haver no Legislativo consenso em torno da recriação de outro auxílio emergencial, para conter os efeitos econômicos e sociais dramáticos provocados pelo vírus.

Mas só será possível fazer isso abrindo espaço fiscal para os gastos. Daí deriva logicamente a segunda prioridade: as reformas capazes de trazer fôlego orçamentário. O Planalto precisa ter consciência de que a primeira onda da pandemia, no ano passado, já deixou as contas públicas em ruínas. A recessão vertiginosa em que a economia caiu em 2020 derrubou as arrecadações tributárias federal, estadual e municipal. Produziu déficits elevados em todos os orçamentos públicos. Sem contar o déficit crônico, vegetativo, gerado pelas regalias do funcionalismo. Se for inevitável um novo auxílio de emergência — o do ano passado custou R$ 300 bilhões, e a União fechou o ano com um saldo no vermelho de mais de R$ 700 bilhões —, é imperioso haver compensação em cortes de gastos.

Constam da relação de projetos entregues pelo presidente ao Congresso medidas com tal objetivo. É o caso da PEC Emergencial, que automatiza a contenção de despesas, assim que elas ultrapassarem determinado nível (está no Senado). Há a reforma administrativa, que precisaria incluir os atuais servidores para ter efeito fiscal mais robusto. E várias outras medidas de impacto fiscal. Mas, como só pensa em 2022, não se descarta a possibilidade de Bolsonaro cobrar o apoio que deu a Lira e a Pacheco exigindo pressa na pauta de costumes e assemelhadas para agradar suas bases. Seria mais uma irresponsabilidade presidencial,entre tantas outras a que já nos habituamos.

Governo precisa ampliar logo as opções de vacina contra Covid-19 – Opinião | O Globo

Ainda que tardiamente, o Ministério da Saúde acerta ao ampliar o portfólio de vacinas contra a Covid- 19. As oportunidades que se apresentam não podem ser desperdiçadas. A primeira é a russa Sputnik V, que demonstrou eficácia de 92%, de acordo com resultados publicados na revista médica “The Lancet”. Embora possa haver exagero nesse número, ela já vem sendo adotada em variados países, como Argentina, Hungria ou Quirguistão. O acordo para comprar 10 milhões de doses deve ser encarado como prioritário. Sua similaridade com a vacina Oxford/AstraZeneca permitirá que o princípio ativo seja depois produzido no Brasil. Na quarta-feira, a Anvisa anunciou mudança de protocolos para facilitar o uso emergencial no país de vacinas como a Sputnik.

Outra oportunidade que não pode ser perdida é a vacina da Janssen/Johnson & Johnson, uma das quatro testadas no Brasil. Ela demonstrou eficácia de 66%. Uma vantagem é ser aplicada em dose única, facilitando a logística. Finalmente, há a indiana Covaxin, do laboratório Bharat Biotech. Todas têm o perfil adequado para as condições de distribuição no Brasil. Na última quarta-feira, o governo informou que está negociando a compra de 30 milhões de doses da Sputnik e Covaxin.

Finalmente, o Ministério da Saúde parece ter acordado para a importância de apostar em diversas opções. É inadmissível repetir os mesmos erros que o levaram pôr todas as fichas na vacina Oxford/AstraZeneca e a ficar refém da importação do Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA) da China para produzi-la na Fiocruz. Como os insumos atrasaram, não se sabe quando essas doses estarão disponíveis.

É preciso agilidade também para garantir o novo lote de 54 milhões de doses da CoronaVac, produzida no Butantan a partir do ingrediente ativo chinês. Em boa hora, o governo recuou da postura arrogante de querer negociar apenas em maio, como previa o contrato com o Butantan.

Até agora, só foi vacinado 1,4% da população brasileira, quase todos com a CoronaVac — a vacina que Bolsonaro sempre demonizou. O número pífio não se deve a características do Programa Nacional de Imunização, que já foi referência no mundo, mas sim à escassez de vacinas. Em condições normais, o país tem capacidade de vacinar um milhão de pessoas por dia, como já fez de forma bem-sucedida em campanhas contra a gripe. Também teria plenas condições de ter desenvolvido vacinas próprias. Em termos de conhecimento científico na área, nada devemos a China, Índia ou Rússia.

Em meio à inépcia que domina a Saúde, faltou ao governo estabelecer o desenvolvimento de vacinas como prioridade e garantir aos centros de pesquisa as mesmas condições dadas no exterior (o caso da Rússia de Vladimir Putin é um exemplo a estudar). Não surpreende, num país em que o presidente da República põe em dúvida a eficácia das vacinas. Agora, só dá para tentar correr atrás do prejuízo. E rápido, porque não há vacinas disponíveis nas prateleiras.

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