As prioridades apresentadas pelo presidente Jair Bolsonaro não parecem ser exatamente as mesmas de seus apadrinhados que comandam o Congresso
Se
harmonia significa afinação, faltou ensaio entre o presidente Jair Bolsonaro e
os novos comandantes do Congresso na abertura do ano legislativo. Malgrado o
presidente ter festejado a “harmonia” entre os Poderes depois que os candidatos
por ele apoiados venceram a recente eleição para as presidências da Câmara e do
Senado, o fato é que as prioridades apresentadas por Bolsonaro não parecem ser
exatamente as mesmas de seus apadrinhados.
Em
primeiro lugar, é difícil saber quais são as prioridades do presidente da
República. Bolsonaro foi pessoalmente ao Congresso entregar uma lista com nada
menos que 35 itens tratados como essenciais pelo governo.
Considerando-se
que restam somente 24 meses para o final do mandato tanto do presidente da
República como dos novos dirigentes do Congresso, é preciso um assombroso
otimismo para acreditar que um governo que mal conseguia aprovar medidas
provisórias na primeira metade do mandato será capaz de emplacar mais de um
projeto por mês, entre os quais complicadas reformas constitucionais, nos próximos
dois anos.
Mas
essa é a hipótese benevolente, porque a janela para a aprovação dos projetos,
na prática, só vai até o início de 2022, por volta de março, quando então todo
o mundo político se voltará para a campanha eleitoral de outubro.
O prazo, contudo, é apenas o menor dos problemas. Há um claro desencontro de agendas entre o Executivo e o Legislativo. Entre as 35 prioridades apresentadas pelo presidente Bolsonaro, por exemplo, apenas uma, que versa sobre uso de fundos públicos, diz respeito à pandemia de covid-19 – que, enquanto estiver fazendo vítimas, sobrecarregando o sistema de saúde e limitando a atividade econômica, não permitirá a recuperação do País. O presidente tampouco mencionou a possibilidade de um novo auxílio emergencial para os milhões de cidadãos destituídos de renda em razão da pandemia.
Já
as prioridades apresentadas pelos novos presidentes da Câmara, Arthur Lira, e
do Senado, Rodrigo Pacheco, são focadas basicamente no combate à pandemia, por
meio da vacinação, e na retomada do auxílio emergencial. Trata-se de um
objetivo bem mais realista e coerente com a urgência do momento.
É
evidente que os investimentos em dinheiro e suor dos brasileiros devem estar
totalmente direcionados neste momento para a luta contra o coronavírus, por meio
de uma vacinação em massa, e para o socorro àqueles que de uma hora para outra
foram atirados na aflição de não saber se terão condições de se alimentar – sem
falar da hercúlea tarefa de adequar o Orçamento a essa situação excepcional,
respeitando as leis que limitam gastos públicos. Não é hora de desperdiçar
energia discutindo se a população deve ter maior acesso a armas ou se pode
adotar o ensino em casa, duas das tantas “prioridades” apresentadas por
Bolsonaro.
A
desafinação entre Bolsonaro e os presidentes da Câmara e do Senado mostra que o
arranjo governista que elegeu Arthur Lira e Rodrigo Pacheco é precário. O
Centrão, grande vencedor da eleição no Congresso e fiador do governo, começou a
nova coabitação tentando demonstrar independência: não passou despercebida, no
discurso do senador Pacheco ao tomar posse, a advertência de que “não pode
haver substituição de papéis entre os Poderes”. Em outras palavras, o
presidente Bolsonaro não deve tratar o Congresso como uma extensão do Palácio
do Planalto.
Ou
seja, não basta ao governo elencar dezenas de prioridades e esperar que o
Congresso, agora sob nova direção, supostamente governista, aprove tudo sem
questionamento. Cada votação será uma batalha, e o sucesso da pauta do governo
depende, sobretudo, do empenho político do presidente Bolsonaro. O regime de
governo no Brasil, afinal, é presidencialista.
A
esse propósito, ressalte-se o significativo gesto de Bolsonaro de comparecer à
solenidade de abertura do ano legislativo – o costume é o presidente da República
enviar sua mensagem por meio do ministro da Casa Civil. Trata-se de uma
sinalização da importância que Bolsonaro dá à nova direção do Congresso. Mas
que ninguém se engane: o Centrão não se comove com simbolismos – só o poder
real lhe interessa.
O futuro da Comissão de Justiça – Opinião | O Estado de S. Paulo
Tentativa
de convertê-la num feudo bolsonarista é avanço da democracia iliberal no
Brasil.
Na entrevista que concedeu ao Estado, anunciando o que fará caso seja eleita para comandar a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a principal, da Câmara, a deputada Bia Kicis (PSL-DF) deixou claro que não tem a menor condição de exercer o cargo.
Entre
outras iniciativas, afirmou que desengavetará um projeto apresentado pela
bancada evangélica, incluindo na lista de crimes de responsabilidade a
“usurpação de competência do Congresso por parte dos ministros do Supremo
Tribunal Federal (STF)”. A proposta está parada na CCJ desde 2016 e é defendida
pelo presidente Jair Bolsonaro. Como vem sendo investigada sob suspeita de ter
usado dinheiro público para divulgar mensagens em favor do fechamento do STF,
Bia Kicis carece de autoridade moral para tomar essa iniciativa.
Além
disso, ela quer reduzir de 75 para 70 anos o limite para a aposentadoria
compulsória dos membros do STF, o que permitiria a Bolsonaro indicar ministros
alinhados com o que chama de sua “agenda”. É uma forma nada sutil de liberar
vagas para que Bolsonaro aparelhe a principal Corte do País. “Quero um STF que
funcione cumprindo seu papel constitucional. Não o quero interferindo nas
minhas funções de parlamentar”, disse ela, mal escondendo seu desejo de ter uma
corte servil à vontade do Planalto. Contudo, isso é evidenciado pelo modo como
critica as interpretações que o STF faz da Constituição. Como a Carta contém
muitos dispositivos com conceitos abertos, quando os ministros os interpretam
de uma forma que não atende aos interesses de Bolsonaro, eles são classificados
como “ativistas” por Kicis. Mais grave, quando atuaram como relatores em processos
de interesse do presidente, apresentando pareceres contrários aos seus
interesses, os ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes foram objeto de um
pedido de impeachment encaminhado por Kicis. Foi por esses motivos que alguns
ministros do STF não esconderam seu descontentamento com uma eventual ascensão
de Kicis à presidência da CCJ. Segundo eles, por avaliar a legalidade e
constitucionalidade de projetos, decretos, leis, MPs e PECs, a CCJ ficaria
desmoralizada sob seu comando.
Independentemente
das críticas do STF e de partidos com representação na Câmara, a desenvoltura
como Kicis e outros parlamentares bolsonaristas vêm agindo no Congresso
entreabre o risco de o País se converter na chamada democracia iliberal.
Historicamente, ela surge quando a economia entra em estagnação ou eclodem
crises inesperadas, como a de saúde pública. As consequências são, de um lado,
o aumento de insegurança jurídica e de concepções regressivas de ordem pública.
E, de outro, a ascensão de um populismo autoritário que não esconde o desapreço
pelas liberdades públicas, menospreza a pluralidade social, ignora os direitos
das minorias e desqualifica o diálogo como meio de resolução de
divergências.
A
democracia iliberal é um regime no qual regras e procedimentos democráticos
tendem a ser utilizados por populistas autoritários com o objetivo de reduzir
as mediações institucionais e minar garantias fundamentais. É um regime
manipulado por governantes que não hesitam em corroer as regras democráticas
com base nas quais se elegeram. Por um lado, recorrem a instrumentos da
democracia liberal em busca de uma tinta de legitimidade. Mas, por outro,
testam os limites de liberdade que a Constituição assegura, promovendo um
esvaziamento progressivo dos mecanismos de controle do Estado de Direito,
aparelhando com gente medíocre e subserviente organismos policiais e de
inteligência financeira, além do Ministério Público e do Judiciário.
Desde
que ascendeu ao poder, Bolsonaro teve muitas das suas iniciativas questionadas
no STF, que aplicou as leis de modo isento. Neste período em que a
judicialização da vida política faz com que o jogo democrático dependa cada vez
mais das posições do Judiciário, a tentativa de converter a deputada Bia Kicis
em presidente da CCJ nada mais é do que um avanço para aprofundar a democracia
iliberal, desta vez com a intenção de interferir na produção das leis que os
tribunais terão de aplicar.
O
encerramento da força-tarefa de Curitiba não é o fim do combate à corrupção no
País.
Tudo tem um fim. Não haveria por que ser diferente com a força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba, onde tudo começou há quase sete anos.
A
própria natureza de uma força-tarefa deveria bastar para delimitar tanto seu
escopo de atuação como seu prazo de validade. Não é exagero dizer, portanto,
que sete anos foi tempo demasiado longo para a ação do grupo formado por
membros do Ministério Público Federal (MPF), da Polícia Federal (PF) e da
Receita Federal para investigar, inicialmente, casos de corrupção envolvendo
contratos com a Petrobrás e empresas subsidiárias, mas que logo degenerou em
uma espécie de “Tribunal do Santo Ofício” para purgar o País daquilo que, na
visão dos procuradores, seriam os males da atividade política.
Desde
o dia 1.º de fevereiro, os procuradores da República que compunham a
força-tarefa de Curitiba passaram a fazer parte do Grupo de Atuação Especial de
Combate ao Crime Organizado (Gaeco) criado no MPF do Paraná. Os casos em
andamento sob os cuidados da antiga força-tarefa continuarão a ser
investigados, evidentemente, mas sem dedicação exclusiva dos procuradores.
O
fim da célula nuclear da Operação Lava Jato é a principal medida do processo de
“correção de rumos” no MPF que o procurador-geral da República, Augusto Aras,
encampou ao assumir o cargo. Crítico do modelo de atuação por forças-tarefa,
Aras defende um “novo modelo de investigação” que não se submeta ao que chama
de “métodos personalistas” nem permita a criação de grupos de procuradores fechados
em si mesmos, como “caixas-pretas”.
Neste
ponto, Aras não está errado. Vejamos por quê.
Nenhuma
análise histórica da Operação Lava Jato será honesta se não reconhecer sua
longa folha de serviços prestados à Nação. Se não por quaisquer outras razões,
a Lava Jato merece ser lembrada por ter resgatado o primado da igualdade de
todos perante a lei. Havia muito tempo a observação empírica dos cidadãos em
nada se coadunava com a isonomia formalmente inscrita na Constituição. Poucas
coisas são mais nocivas para a saúde democrática de um país do que sua
Constituição ser tida como letra morta por grande parte dos cidadãos.
Pouco
a pouco, à medida que avançavam os processos originados por 130 denúncias e que
resultaram em 278 condenações, os brasileiros voltaram a acreditar que ninguém
está fora do alcance da Justiça quando se desvia da lei, nem mesmo políticos
influentes, incluindo ex-presidentes da República e ex-governadores, nem
grandes empresários, um grupo que sempre pareceu à opinião pública estar
submetido a uma ordem jurídica bem peculiar, mais permeável.
Ao
mesmo tempo, o sucesso da Operação Lava Jato foi sua maldição. Seria muito
melhor para o País que a força-tarefa simplesmente cumprisse seu papel no tempo
certo e com os objetivos bem delineados. Não foi o que se viu. Alguns de seus
membros foram tomados pela vaidade e pelo “personalismo” do qual falou Augusto
Aras. Deu no que deu.
Se
o resgate do primado da isonomia foi a maior contribuição que a Operação Lava
Jato deu ao País, o “lavajatismo” foi, de longe, a pior. Em nome desse
movimento de purgação nacional, tudo passou a valer para combater a corrupção,
convertida em grande mal do Brasil, o que é uma falácia.
Alguns
membros da Lava Jato e prosélitos da operação acharam por bem tomá-la como uma
instituição à parte do Ministério Público, que nem sequer Poder da República é,
embora muitos de seus membros pensem que seja. Buscando para si um grau de
independência inaudito, não foram poucos os procuradores que julgaram ter poder
de vida e morte sobre as carreiras de muitos políticos e empresários,
associando-se ao Poder Judiciário – o que, por si só, é um descalabro.
O
fim da Lava Jato tal como ficou conhecida não significa o fim do combate à
corrupção no País. É o desfecho normal de uma operação que desde o início
deveria ter seu objeto e prazo determinados.
O fim da Lava Jato – Opinião | Folha de S. Paulo
Ação
de Bolsonaro e Aras para esvaziar órgãos de controle liquida força-tarefa
Criada
há sete anos para desvendar um gigantesco esquema de corrupção na Petrobras e
suas ramificações, a força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba teve enorme
impacto na vida do país.
Suas
investigações atingiram o coração do sistema político brasileiro, levaram à
cadeia dois ex-presidentes da República, congressistas e empresários poderosos
e permitiram recuperar bilhões de reais desviados dos cofres públicos.
A
Lava Jato acabou contribuindo também para criar um ambiente propício à ascensão
de Jair Bolsonaro, que se apresentou aos eleitores como antípoda dos políticos
postos fora de combate e atraiu para seu ministério o juiz responsável pela
operação, Sergio Moro.
Por
tudo isso é notável a frieza com que foi recebido o anúncio da dissolução
da equipe de procuradores, na quarta (3). No lugar dos
pronunciamentos trovejantes que celebravam suas ações no passado, houve pouco
além de suspiros.
Alguns
dos profissionais serão incorporados a um grupo especializado no combate ao
crime organizado, ao qual caberá acompanhar processos em andamento e dar
continuidade às investigações, agora com menos recursos.
A
extinção da força-tarefa encerra um processo prolongado de desgaste, para o
qual erros cometidos pelos integrantes da operação e ações de seus adversários
ofereceram contribuições decisivas.
Com
o tempo, abusos cometidos pelos procuradores tornaram-se evidentes, pondo em
xeque seus métodos e minando a credibilidade de suas iniciativas. Até ministros
do Supremo Tribunal Federal tiveram a vida financeira devassada de forma
clandestina.
O
vazamento de mensagens trocadas pelos procuradores nos bastidores da operação
ofereceu um retrato constrangedor do grupo, alimentando questionamentos à
isenção de Moro como juiz e pondo em risco os resultados alcançados pelas
investigações.
Sabia-se
que os dias da força-tarefa estavam contados havia mais de um ano, desde que
Bolsonaro escolheu Augusto Aras para chefiar a Procuradoria-Geral da República,
ignorando os nomes indicados pela corporação.
Assombrado
por apurações sobre seus familiares, o presidente começou a se mexer para
enfraquecer órgãos de controle e logo deixou claro o interesse em interferir
neles para proteger os filhos.
Após
o rompimento de Moro com o governo, Aras passou a agir como instrumento de
Bolsonaro, trabalhando primeiro para reduzir a autonomia do grupo do Paraná e
de seus congêneres em outros estados —e por fim para esvaziá-los.
Seria
defensável o fim da força-tarefa de Curitiba se fosse parte de uma estratégia
para aperfeiçoar as instituições encarregadas de vigiar o poder e coibir seus
abusos. Infelizmente, não há sinal de que esse seja o objetivo de Bolsonaro e
Aras.
Minorias sob ataque – Opinião | Folha de S. Paulo
É
preciso investigar denúncias de ataques contra representantes de discriminados
Uma
série de atentados e atos de intimidação vem atingindo representantes eleitos
de minorias e grupos que sofrem discriminação por questões de gênero ou cor.
Fruto
de um crescente processo de conscientização e de luta por direitos que se
dissemina no Brasil, a apresentação de candidaturas vinculadas a movimentos de
defesa de mulheres, negros, homossexuais e transgêneros tornou-se mais
expressiva nas eleições municipais do ano passado.
A
crescente visibilidade de parlamentares desses segmentos tem despertado,
contudo, reações violentas de ressentimento e preconceito que são intoleráveis
à luz da cidadania e da convivência democrática —além de se caracterizarem como
crimes comuns.
Foi
o caso, por exemplo, noticiado no final do mês de janeiro, de Carolina Iara,
integrante de mandato coletivo do PSOL na Câmara Municipal de São Paulo. A
covereadora integra a Bancada Feminista, composta por seis pessoas, que mereceu
46.267 votos em nome de Silvia Andrea Ferraro.
Ataques
foram também denunciados por outras duas parlamentares do PSOL, a covereadora Samara
Sosthenes, do grupo Quilombo Periférico, e a vereadora Erika Hilton,
negra e transexual, a mulher mais bem votada em 2020 no país, com mais de 50
mil sufrágios.
Convidada
a participar do programa Roda Viva, da TV Cultura, Hilton não se furtou, em ato
corajoso, a apontar a onda intimidatória que atinge colegas de Legislativo.
Não
se trata, como se sabe, de um problema paulistano. Demonstrações deploráveis de
discriminação têm sido registradas em diversas cidades e estados. Ganhou
recente projeção nacional a vereadora Ana Lúcia Martins (PT), primeira negra
eleita para a Câmara de Joinville (SC) —alvo de ofensas nas redes sociais e de
ameaça de morte.
Registre-se
que também em outros países, como os EUA, onde representantes de minorias têm
obtido êxito em eleições, observam-se comportamentos análogos.
Além
de medidas de proteção cabíveis, a cargo dos respectivos órgãos legislativos, é
indispensável que os atentados sejam investigados pela polícia. É preciso impor
limites à violência discriminatória que serve apenas para perpetuar o quadro de
desigualdades que infelizmente ainda é realidade no país.
A
maior operação anti-corrupção da história do país foi rebaixada a grupo de
debates
Uma
nota lacônica do Ministério Público Federal assinalou o fim do trabalho da
equipe de Curitiba da Operação Lava-Jato que, a partir de março de 2014,
desencadeou a maior investigação sobre a corrupção na história republicana. No
dia 1º de fevereiro, quando deixou de existir, o deputado Arthur Lira (PP-AL),
a caminho de tornar-se reú em dois processos dela originados, foi eleito para
comandar a Câmara dos Deputados. Os efeitos devastadores sobre os partidos e a
consequente onda da “antipolítica” ajudaram um deputado medíocre como Jair
Bolsonaro a se eleger à Presidência. Em mais uma ironia da história, coube a
Bolsonaro, suposto paladino anti-corrupção, ser justamente o coveiro da
operação.
A
Lava-Jato definhou tanto por suas muitas virtudes quanto por seus erros. Deixou
uma trilha de abusos legais, colecionou inimigos poderosos - todo o establishment
político-partidário, que reagiu contra ela - e perdeu o apoio dos ministros do
Supremo Tribunal Federal, que teve no início. Os ventos políticos mudaram, mas
a Lava-Jato já tinha cumprido boa parte de suas tarefas: 278 condenações de 174
réus, 17 acordos de leniência que assegurarão a recuperação de R$ 15 bilhões
roubados.
Das
maracutaias descobertas em um posto de gasolina resultaram algo até então
impensável: prisões e condenações de empresários da elite da construção civil,
como Marcelo Odebrecht, de executivos, de diretores da Petrobras e das cúpulas
políticas, como o ex-presidente Lula, o então presidente da Câmara, Eduardo
Cunha, o governador do Rio, Sérgio Cabral, e eminências pardas de governos
petistas, como Antonio Palocci. As investigações ainda assombram o “quadrilhão”
do PP, Aécio Neves e expoentes do tucanato paulista.
A
dissolução das forças tarefas, com procuradores exclusivamente dedicados a
casos determinados, nos grupos de combate ao crime organizado (Gaecos), ainda
está em curso. Dos 13 procuradores da Lava-Jato de Curitiba, 4 terão esse
destino. O fim da “República de Curitiba” não foi lamentado nem pela direita,
pelo centro ou pela esquerda, o que diz muito de seu sucesso e das razões de
seu fim.
Um
dos principais erros dos procuradores de Curitiba foi o de, embalados pelos
trunfos iniciais, pela popularidade conquistada e pelos poderes que tinham nas
mãos, passarem a se comportar como se tudo pudessem. A ultrapassagem das linhas
legais deixou um enorme flanco vulnerável. As prisões preventivas, que se
prolongaram como instrumento de pressão e que tinham respaldo na Justiça, aos
poucos deixaram de tê-lo. A onipotência de alguns procuradores levou-os a
bisbilhotar membros do STF e familiares, sem que para isso se apoiassem em meios
legais.
Além
disso, o juiz Sergio Moro passou a orientar investigações, cujos resultados ele
próprio haveria de julgar, ferindo a imparcialidade a que a lei o obriga. Ao
mesmo tempo em que a Lava-Jato findou, o ministro Ricardo Lewandowski tornou
públicas as fitas antes parcialmente divulgadas pelo The Intercept, revelando
diálogos entre Moro e os procuradores de Curitiba que vão nesse sentido.
A
reação à Lava-Jato foi lenta, gradual e segura. O STF mudou entendimento e
decidiu que os réus só poderiam ser presos até o trânsito em julgado, e não
após condenação em segunda instância, que foi eficaz arma para a colaboração
premiada, catalisadora das investigações. E encaminhou boa parte dos processos
envolvendo caixa dois para a Justiça Eleitoral, desaparelhada para isso. O
Supremo ainda deve julgar ação que pede a anulação da condenação de Lula por
parcialidade de Moro. Moro tornou-se ministro de Bolsonaro poucos meses depois
que a condenação de Lula o impediu de concorrer à Presidência.
O
“mensalão”, antes, e a Lava-Jato, depois, desvendaram focos de corrupção
ativados por políticos do centrão, sempre necessários nas “bases de apoio”
governistas, tucanas primeiro, petistas depois. O Centrão agora comanda o
Congresso, justamente quando Lava-Jato deixou de existir e precisaria estar
ativa.
O
procurador geral Augusto Aras encerrou um modelo bem-sucedido de investigações
com argumentos burocráticos - e o fato de que com uma penada tenha acabado com
a Lava-Jato indica que ela estava perto do fim. O procurador Alessandro
Oliveira fez o obituário da operação, apontando como seu legado avanços “em
discutir temas tão importantes e caros à sociedade brasileira”. A maior
operação anti-corrupção da história do país foi rebaixada a grupo de estudos.
Fará falta.
Na
abertura do ano legislativo, o presidente Jair Bolsonaro, ao colocar na mesa os
temas prioritários para a agenda do Congresso neste ano, elencou nada menos que
35 projetos — da reforma administrativa à liberação de mais armas para a
população, passando pelo ensino doméstico e pela privatização da Eletrobras. A
lista foi entregue formalmente aos novos presidentes da Câmara e do Senado,
Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG). Só ficou no ar uma dúvida: com
35 projetos, quais são mesmo as prioridades?
É
importante lembrar que Bolsonaro tem todo o direito de imprimir ênfase à pauta
de costumes com que conquistou votos nos setores conservadores da sociedade.
Ele já cumpre promessas de liberar mais armas e munições para os grupos de
colecionadores, atiradores esportivos e caçadores. Há propostas para isentar
policiais em mortes ocorridas em confrontos e para facilitar a vida dos
caminhoneiros. É do jogo democrático que um presidente eleito tente atender os
grupos que o elegeram. O Congresso, em contrapartida, tem outro dever. Precisa
priorizar os temas de fato urgentes. Hoje, eles são dois: os efeitos da
pandemia e a crise fiscal crônica, que já atingia o país antes dela e
persistirá depois.
No
primeiro, é essencial garantir a vacinação em massa e o atendimento aos
contaminados. O governo é o grande responsável por não haver a garantia de
vacina para toda a população. A situação fica cada vez mais angustiante com o
crescimento do número de mortos pela Covid-19, que beira os 230 mil. Os novos
presidentes da Câmara e do Senado assumiram fazendo referências à crise
sanitária. Parece haver no Legislativo consenso em torno da recriação de outro
auxílio emergencial, para conter os efeitos econômicos e sociais dramáticos
provocados pelo vírus.
Mas
só será possível fazer isso abrindo espaço fiscal para os gastos. Daí deriva
logicamente a segunda prioridade: as reformas capazes de trazer fôlego
orçamentário. O Planalto precisa ter consciência de que a primeira onda da
pandemia, no ano passado, já deixou as contas públicas em ruínas. A recessão
vertiginosa em que a economia caiu em 2020 derrubou as arrecadações tributárias
federal, estadual e municipal. Produziu déficits elevados em todos os
orçamentos públicos. Sem contar o déficit crônico, vegetativo, gerado pelas regalias
do funcionalismo. Se for inevitável um novo auxílio de emergência — o do ano
passado custou R$ 300 bilhões, e a União fechou o ano com um saldo no vermelho
de mais de R$ 700 bilhões —, é imperioso haver compensação em cortes de gastos.
Constam
da relação de projetos entregues pelo presidente ao Congresso medidas com tal
objetivo. É o caso da PEC Emergencial, que automatiza a contenção de despesas,
assim que elas ultrapassarem determinado nível (está no Senado). Há a reforma
administrativa, que precisaria incluir os atuais servidores para ter efeito
fiscal mais robusto. E várias outras medidas de impacto fiscal. Mas, como só
pensa em 2022, não se descarta a possibilidade de Bolsonaro cobrar o apoio que
deu a Lira e a Pacheco exigindo pressa na pauta de costumes e assemelhadas para
agradar suas bases. Seria mais uma irresponsabilidade presidencial,entre tantas
outras a que já nos habituamos.
Governo precisa ampliar logo as opções de vacina contra Covid-19 – Opinião | O Globo
Ainda
que tardiamente, o Ministério da Saúde acerta ao ampliar o portfólio de vacinas
contra a Covid- 19. As oportunidades que se apresentam não podem ser
desperdiçadas. A primeira é a russa Sputnik V, que demonstrou eficácia de 92%,
de acordo com resultados publicados na revista médica “The Lancet”. Embora
possa haver exagero nesse número, ela já vem sendo adotada em variados países,
como Argentina, Hungria ou Quirguistão. O acordo para comprar 10 milhões de
doses deve ser encarado como prioritário. Sua similaridade com a vacina
Oxford/AstraZeneca permitirá que o princípio ativo seja depois produzido no
Brasil. Na quarta-feira, a Anvisa anunciou mudança de protocolos para facilitar
o uso emergencial no país de vacinas como a Sputnik.
Outra
oportunidade que não pode ser perdida é a vacina da Janssen/Johnson &
Johnson, uma das quatro testadas no Brasil. Ela demonstrou eficácia de 66%. Uma
vantagem é ser aplicada em dose única, facilitando a logística. Finalmente, há
a indiana Covaxin, do laboratório Bharat Biotech. Todas têm o perfil adequado
para as condições de distribuição no Brasil. Na última quarta-feira, o governo
informou que está negociando a compra de 30 milhões de doses da Sputnik e
Covaxin.
Finalmente,
o Ministério da Saúde parece ter acordado para a importância de apostar em
diversas opções. É inadmissível repetir os mesmos erros que o levaram pôr todas
as fichas na vacina Oxford/AstraZeneca e a ficar refém da importação do
Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA) da China para produzi-la na Fiocruz. Como
os insumos atrasaram, não se sabe quando essas doses estarão disponíveis.
É
preciso agilidade também para garantir o novo lote de 54 milhões de doses da
CoronaVac, produzida no Butantan a partir do ingrediente ativo chinês. Em boa
hora, o governo recuou da postura arrogante de querer negociar apenas em maio,
como previa o contrato com o Butantan.
Até
agora, só foi vacinado 1,4% da população brasileira, quase todos com a
CoronaVac — a vacina que Bolsonaro sempre demonizou. O número pífio não se deve
a características do Programa Nacional de Imunização, que já foi referência no
mundo, mas sim à escassez de vacinas. Em condições normais, o país tem
capacidade de vacinar um milhão de pessoas por dia, como já fez de forma
bem-sucedida em campanhas contra a gripe. Também teria plenas condições de ter
desenvolvido vacinas próprias. Em termos de conhecimento científico na área,
nada devemos a China, Índia ou Rússia.
Em meio à inépcia que domina a Saúde, faltou ao governo estabelecer o desenvolvimento de vacinas como prioridade e garantir aos centros de pesquisa as mesmas condições dadas no exterior (o caso da Rússia de Vladimir Putin é um exemplo a estudar). Não surpreende, num país em que o presidente da República põe em dúvida a eficácia das vacinas. Agora, só dá para tentar correr atrás do prejuízo. E rápido, porque não há vacinas disponíveis nas prateleiras.
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