Porém, vulnerável como está, presidente terá pouca margem de manobra para endurecer o jogo com o Centrão, caso seja necessário
O
que terá levado Jair Bolsonaro a
dobrar a aposta que já fizera no Centrão?
Levará algum tempo até que os múltiplos determinantes desse jogo tão pesado
sejam entendidos em toda sua complexidade. Mas a razão primordial já salta aos
olhos: o pânico do presidente com a possibilidade de ser levado a impeachment por
seus desmandos no enfrentamento da pandemia.
É
bem verdade que a disponibilidade de vacinas vem permitindo, afinal, vislumbrar
o fim da pandemia. Mas, por aqui, o quadro se afigura bem mais complicado que
em países mais afortunados. Na esteira da “segunda onda”, do surgimento de
novas cepas do vírus e da gritante ineficácia das ações do governo na Saúde, o Brasil parece
fadado a continuar enredado no combate à covid-19 por
muitos meses mais.
Em artigo recente, intitulado O tsnunami que se aproxima, o renomado biólogo Fernando Reinach não poderia ter sido mais contundente: “Desculpem o pessimismo, mas é melhor apertar os cintos e nos prepararmos para o pior” (Estado, 30/1). A conta de quase 230 mil mortes parece estar longe do fim.
Tudo
indica que as cenas macabras de Manaus fizeram
soar o alarme definitivo no Planalto. Bolsonaro, afinal, se deu conta de como um novo e
sério agravamento da pandemia poderá lhe ser desastroso. Percebeu, enfim, a
real extensão de sua vulnerabilidade ao crescendo de indignação da opinião
pública que tal cenário traria, tendo em vista a acintosa inconsequência com que
se permitiu lidar com a pandemia desde seu início.
Por
não dispor de mecanismos de correção de erros e pela própria personalidade
peculiar do presidente, o governo se recusa a reconhecer seus equívocos no
combate à covid-19. O que se teme, no Planalto, é que o reconhecimento de tais
equívocos, com imediata demissão do ministro da Saúde, dê força redobrada às
alegações de que os desacertos de Bolsonaro nessa área já seriam razão mais que
suficiente para justificar seu impeachment.
Estalado
nessa situação, o Planalto decidiu partir para nova fuga para a frente. Dobrou
a aposta que já fizera, em maio do ano passado, quando negociou, às pressas,
com o que havia de pior no Centrão, a montagem de uma coalizão governista
na Câmara que ao menos lhe assegurasse os votos necessários
para bloquear o avanço de um impeachment na Casa. A ideia, agora, foi comprar
do Centrão um novo seguro contra impeachment, bem mais caro que o anterior, que
efetivamente garanta a “blindagem” do presidente, mesmo nos cenários mais
adversos de evolução da pandemia.
Não
se trata propriamente de uma adesão tardia de Bolsonaro ao presidencialismo de
coalizão, mas da contratação de uma guarda pretoriana supostamente mais
confiável do que a que já fora contratada em maio. O Centrão pode dificultar o
impeachment, mas não dará maioria ao governo para aprovar o que queira no
Congresso.
A
proteção, claro, não saiu barata. E deverá ficar mais cara a cada dia.
Bolsonaro terá, agora, de arcar com os custos de cumprir o contratado e, de
fato, trazer o Centrão para dentro do governo. Um caminho sem volta. E o que se
espera é que ministérios inteiros sejam entregues de “porteira fechada”.
Arranjos desse tipo envolvem riscos que poderão se mostrar proibitivos, tendo
em conta as vulnerabilidades com que o presidente e seu entorno já vêm tendo de
lidar.
São,
sabidamente, políticos com arraigada propensão a extrair benesses do Estado, à
custa do Tesouro, para atendimento dos interesses que representam. Em
que medida a voraz “agenda extrativa” do Centrão conflitará com a agenda de
Paulo Guedes? Vulnerável como está, o presidente se verá com pouca margem de
manobra para endurecer o jogo com o Centrão, caso isso se faça necessário. Já
não tem como se expor ao risco de retaliação. Tornou-se refém de seus supostos
aliados.
O
pior é que, se a epidemia de fato se agravar tanto como se teme, a recuperação
da economia for comprometida e a proteção a Bolsonaro ficar pouco promissora, o
Centrão não hesitará em abandoná-lo à própria sorte. Até as pedras sabem.
*Economista, doutor pela Universidade Harvard, é professor titular do departamento de economia da PUC-Rio
Nenhum comentário:
Postar um comentário