União da oposição já naufragou outras vezes, mas deputados são otimistas em relação ao diálogo entre partidos
Carolina
Linhares / Folha de S. Paulo
SÃO
PAULO - O naufrágio
do bloco que apoiava Baleia Rossi (MDB-SP) na disputa pela
presidência da Câmara expôs os entraves para a formação de uma frente ampla de
oposição ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na eleição de 2022.
A
união de diferentes ideologias, com caciques de MDB, PT, PDT, PSB, PC do B,
Cidadania, Rede, PV, PSDB, DEM e PSL (os
dois últimos acabaram abandonando o barco), foi vista como um ensaio da
tal frente, que já fracassou outras duas vezes.
Na
segunda-feira (1º), porém,
quando o governista Arthur Lira (PP-AL) derrotou Baleia, contando com implosões
e rachas nos partidos que apoiavam o emedebista, o recado foi que as
siglas e os deputados definem seu lado mais com base em vantagens pragmáticas
para se reelegerem, como verbas e cargos, do que pela convicção de derrotar Bolsonaro.
Deputados
ouvidos pela Folha acreditam
ser difícil uma união da esquerda, do centro e da direita moderada em uma
candidatura presidencial única em 2022, mas avaliam que o eventual segundo
turno, dependendo de quem nele estará, pode forçar isso.
Especialistas
concordam que o sistema partidário e eleitoral não dá incentivos para que haja
uma frente ampla, pelo contrário: o natural é que diferentes partidos lancem
seus projetos ao menos no primeiro turno.
O
consenso em Brasília e na academia é que os cenários para 2022 não podem ser
cravados agora, pois tudo depende de como o governo vai se comportar e de
como as
crises econômica e sanitária irão afetar a popularidade do presidente.
A força ou fraqueza eleitoral de Bolsonaro, o tamanho da oposição e o nível de entendimento sobre ele representar uma ameaça à democracia são fatores que poderão unir os partidos para derrotá-lo ou, ao contrário, fazê-los seguir fragmentados.
Parlamentares
mais otimistas veem, sim, possibilidade de frente ampla em 2022, seja num
segundo turno, seja numa redução de candidaturas no primeiro —uma de
centro-direita, uma de centro-esquerda e Bolsonaro.
De
forma geral, porém, deputados avaliam
como positiva a união em torno de Baleia. O episódio teve o mérito de
criar um diálogo entre siglas distantes.
Parlamentares
ouvidos pela reportagem preveem que haverá no Congresso uma união da oposição
ao governo, do PSOL ao PSDB, sobretudo para barrar pautas
como ampliação do armamento, ensino domiciliar e brechas para violência
policial.
Mais
do que isso: creem que esse bloco vai crescer conforme Bolsonaro não consiga
entregar cargos e emendas prometidas ao centrão ou enterre de vez sua
popularidade com crises agudas.
Já
quando o assunto for
economia e reformas, a esquerda deve ficar sozinha na oposição, com
alas oposicionistas de partidos como PSL, DEM e PSDB aderindo à pauta do
ministro da Economia, Paulo Guedes.
O tema
do impeachment só sai do banho-maria, dizem parlamentares, se a
vacinação proporcionar mobilização de massa.
A
frente ampla contra Bolsonaro já sucumbiu anteriormente devido a diferentes
atores. A primeira tentativa foi ainda no segundo turno de 2018, mas Ciro Gomes
(PDT) viajou a Paris, e João Doria (PSDB) aderiu ao voto Bolsodoria.
Em
meados de 2020, na pandemia, quando a postura de Bolsonaro já indicava prejuízo
à saúde pública, foi a
vez de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) jogar água fria nos manifestos contra o
presidente afirmando não ser “maria vai com as outras” e se recusando
a estar ao lado de Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
Na
eleição municipal do ano passado, partidos de esquerda se uniram no primeiro
turno somente em Florianópolis e Belém (sem o PSB); enquanto frentes contra
bolsonaristas só
se formaram no segundo turno no Rio de Janeiro e em Fortaleza.
Na
eleição da Câmara, o ônus
ficou com DEM e PSL, que saíram do bloco de Baleia, rumo que o
PSDB quase tomou.
Na
esquerda, o
PSOL foi criticado por lançar candidatura para marcar posição, enquanto
Baleia tinha chances reais de derrotar Bolsonaro. Agora, o partido reforça a
opinião de que a esquerda tem que ter candidatura própria e não pode contar com
a oposição de direita —o PT ainda defende a postura pragmática como a correta
naquele momento.
O
movimento do DEM o aproximou do governo. À Folha, o presidente da sigla, ACM
Neto, afirmou que não descarta apoiar a reeleição de Bolsonaro em
2022. Mas se mantêm abertas as possibilidades de apoiar PSDB, MDB e Cidadania,
com Doria ou Luciano Huck, ou PDT e PSB, com Ciro.
O
desafio da unificação existe também na esquerda, onde PSOL e PT podem não abrir
mão de candidatura própria. Lula é ficha-suja, mas poderia ser candidato caso
o Supremo Tribunal Federal julgue Sergio Moro parcial e anule suas condenações.
Entre
os otimistas em relação à frente ampla está o deputado Júnior Bozzella
(PSL-SP), que vê chance de que a união da oposição se estenda a 2022.
“Não
é fácil unificar, mas se iniciou a discussão para o amadurecimento de que
precisamos de uma alternativa. A candidatura do Baleia foi um marco, é uma
chama que se acendeu e deve ser levada adiante."
O
líder do PSDB na Câmara, Rodrigo de Castro (MG), afirma que o
partido resistiu com Baleia apesar das pressões e que o movimento
a favor de Lira se deve à sua boa articulação e ao pragmatismo de alguns
deputados, mas não enfraquece a oposição.
Para
ele, se os partidos não estarão juntos no primeiro turno, ao menos “quebraram o
gelo” para um eventual segundo. “Há um ano não tinha esse diálogo e hoje tem.”
Fora
do campo eleitoral, os deputados já dão exemplos da manutenção da unidade da
oposição, já
que todos agiram em conjunto contra a determinação de Lira de deixá-los de fora
da Mesa Diretora.
Carlos
Zarattini (PT-SP) diz que as alas de DEM e PSDB fiéis a Rodrigo Maia (DEM-RJ)
agora estão marcadas como oposição e que o autoritarismo de Lira exigirá que todos
joguem juntos na Câmara —embora acordos para 2022 não sejam possíveis na visão
dele.
Elmar
Nascimento (DEM-BA), que aderiu a Lira, afirma que antecipar 2022 para a
eleição da Câmara foi um equívoco e que o cenário das urnas só será discutido
no ano que vem. Para ele, o discurso de que o bloco de Baleia era uma frente
contra Bolsonaro foi uma estratégia de Maia para obter a adesão da esquerda.
O
presidente do PDT, Carlos Lupi, e o líder do partido na Câmara, André
Figueiredo (CE), acham possível a adesão do DEM a Ciro, mas veem o PT fora da
aliança.
Para
o deputado Ivan Valente (PSOL-SP), é necessário haver ações conjuntas de
partidos e da sociedade civil contra Bolsonaro, “mas isso não projeta
imediatamente soluções para 2022”.
A
cláusula de barreira, a necessidade de fazer uma boa bancada de deputados, a
eleição em dois turnos e a quantidade de partidos no país dificultam uma frente
ampla, avaliam os professores Marta Arretche, da USP, e Felipe Nunes, da UFMG e
diretor da consultoria Quaest.
“Os
incentivos institucionais obrigam os partidos a lançar candidatura no primeiro
turno. É um atributo do próprio sistema”, diz Nunes.
“A
ideia de formar uma grande frente contra Bolsonaro é inspirada em Joe Biden,
nos EUA, mas nosso sistema é diferente. Bolsonaro montou uma coalizão de
sustentação, mas não revelou até agora habilidade necessária para manter coesa
a situação, e
o tamanho da oposição vai depender dos movimentos que ele fizer”,
afirma Arretche.
FRACASSOS
DA FRENTE AMPLA
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