Participei,
ontem, do podcast “O assunto”, comandado por Renata Lo Prete. O tema: a CPI da
Covid no Senado. Mais precisamente: as questões a serem investigadas na CPI.
São muitas. E merecem desenvolvimento em texto; sobretudo porque clareiam um
padrão.
Começo
com o caos em Manaus. Está documentado que o Ministério da Saúde fez escolhas
ali. Nada a ver com lentidão em dar respostas. Escolhas consistentes com o
conjunto de posições que tomou ante a pandemia; conjunto com que o governo
Bolsonaro opera — o padrão — para prolongar a permanência do vírus entre nós, o
que garantirá as condições de desordem radical em que o bolsonarismo prospera.
Escolhas. Por exemplo: mesmo informado de que faltaria oxigênio, promoveu, às vésperas da desgraça, uma caravana pela cidade para difundir a adoção de tratamento precoce. E, no dia mesmo do colapso, mandou 120 mil comprimidos de hidroxicloroquina ao Amazonas. (Os responsáveis por essa ode a um medicamento ineficaz continuam no ministério; razão mais que suficiente para que Marcelo Queiroga também seja ouvido na CPI.)
Sobre
cloroquina/hidroxicloroquina, precisa ser chamado o general Fernando Azevedo e
Silva, então ministro da Defesa, para esclarecer a produção de milhões de
comprimidos, com recursos para enfrentamento à peste, pelo laboratório do
Exército.
Outra
escolha do governo em Manaus: só transferir internados a outras cidades se “em
situação extremamente crítica” — esta sendo aquela em que, segundo uma
servidora do Ministério da Saúde, os hospitais estivessem “todos superlotados”,
com “pacientes dentro de ambulâncias, indo a óbito”. Isso compõe apenas modesta
porção dos motivos para inquirir Pazuello, embora não me possa esquecer das
acusações — sem nome — que fez ao se despedir. Quem seria a liderança política
cujos pedidos não republicanos teria se negado a atender?
Tão
importante quanto investigar as escolhas do governo ante a barbárie em Manaus
será analisar as várias versões oficiais — informadas e remendadas, inclusive
ao Supremo — sobre as datas em que o ministério teria sido notificado sobre a
crise iminente. Alguém mentiu. Há um vaivém inaceitável, que sugere trabalho
para apagar rastros que comprovariam negligência.
Também
será relevante apurar por que chegamos à falta de medicamentos para entubação
se havia notificações formais projetando essa escassez desde maio de 2020. E se
sabemos que o ministério cancelou, em agosto do ano passado, uma importação
desses insumos, mesmo alertado pelo CNS sobre a projeção de insuficiência. Nada
se fez. Até a situação atual.
Há
as perguntas óbvias: por que o governo se negou, entre agosto e setembro de
2020, a assinar um contrato que teria nos valido doses de vacina já em
dezembro, três milhões até março de 2021? Três milhões a mais de doses até o
primeiro trimestre deste ano; e isso no momento em que (ainda) dependemos de
Fiocruz e Butantan; e isso quando sabemos que o ministério — tendo, afinal,
assinado com a Pfizer — há pouco comemorou a antecipação da entrega de um lote
do imunizante outrora desprezado. Para maio...
Poderíamos
ter três milhões de doses até março, mas ora celebramos um fração disso
prevista para o mês que vem. Não me esqueço da justificativa para a recusa: o
Brasil não aceitava uma cláusula por meio da qual o laboratório não se
responsabilizaria por eventuais efeitos colaterais da vacina; dispositivo
idêntico, porém, não tendo sido problema quando do acordo com
AstraZeneca/Oxford.
No
ano passado, o governo se jactava do que seria sua estratégia para a aquisição
de imunizantes: fechar convênios bilaterais (apesar de só ter fechado um em
2020). Não havia estratégia, mas postura contaminada pela pregação ideológica
contra o tal globalismo. Razão por que o Brasil, podendo contratar cobertura
vacinal para 50% de sua população, optaria por aderir ao consórcio multilateral
Covax, liderado pela OMS globalista, com a cota mínima, de 10%. (Convoque-se
Ernesto Araújo.)
Há
também o episódio CoronaVac, vacina que, até este abril, respondia por mais de
70% das aplicações no Brasil. Um imunizante atacado pelo próprio presidente. A
desculpa: o brasileiro não seria cobaia nem teria o seu dinheiro posto na
frente por uma vacina ainda não certificada pela Anvisa; e isso como se alguém
defendesse vacinar cidadãos antes do aval da agência, e como se o contrato
obrigasse pagamento anterior à certificação sanitária do imunizante.
Em
2021, porém, o critério mudou; e se passou a fazer o certo: firmar convênios
com laboratórios variados, antecipando-se à avaliação da Anvisa, de modo a ter
previsibilidade e ganhar tempo. Foi assim com o imunizante Sputnik V, para cuja
aquisição o governo de repente se esqueceu daquele antigo rigor; sendo mesmo o
caso de apurar se o lobby da farmacêutica que o fabricará aqui não teria
colaborado para a postura expedita.
Registre-se
que a representação — que a chegada — desse imunizante no país coincide com a
campanha parlamentar, promovida pela base do governo, e sem que Bolsonaro
voltasse a temer pelo uso de seu povo como cobaia, para que a Anvisa amolecesse
seus controles ou fosse mesmo tornada prescindível; o que também coincide com o
projeto para que empresas privadas pudessem comprar vacinas.
Ah, são tantas as questões... Espero ter ajudado.
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