Considerado
imoral, romance concentra a violência e o ressentimento das 'pautas de costume'
Está
nas livrarias uma nova edição de "Crônica da
Casa Assassinada", que é, ao lado dos "Diários", a
obra-prima de Lúcio Cardoso (1912-1968), o escritor nascido em Curvelo, Minas
Gerais. Sua alma permaneceu enraizada em solo mineiro, mas o corpo se deixou
contaminar alegremente pela brisa do mar de Ipanema --foi um dos grandes
personagens do bairro nos anos 50 e 60.
Apesar dos elogios de Manuel Bandeira e Aníbal Machado à profundidade temática, riqueza formal e inovação do romance publicado em 1959, o resenhista do Diário Carioca, Olívio Montenegro, atacou o livro de forma furiosa, atribuindo a ele um "caráter imoral". Não era a primeira vez —nem seria a última— que a literatura de Lúcio Cardoso enfrentava esse tipo de agressão conservadora.
Em
1938, o autor publicou a novela "Mãos Vazias", na qual a protagonista
é uma mulher. Um texto tão perturbador para a época que mereceu um julgamento
disparatado do crítico Mário Cabral, que apontou inverossimilhanças no enredo
usando o seguinte argumento: "Na realidade a heroína de Lúcio Cardoso
sofria de uma moléstia chamada, em bom português, pouca vergonha".
No
prefácio à reedição do livro hoje clássico, Chico Felitti nota que os
personagens-narradores sofrem de claustrofobia: "Estão presos em costumes
e tradições que não cabem mais. Estão presos em desejos que não podem nunca
sair do coração deles".
A
chácara dos Meneses, onde se desenrola a ação do romance, isolada e decadente,
concentra todas as "pautas de costumes". No bojo da educação
domiciliar, da flexibilização do porte de armas, do estatuto da família, brotam
o ciúme, a violência, a loucura, os ressentimentos, as perversões.
Imoral e sem vergonha, a obra de Lúcio Cardoso, seis décadas depois da sua publicação, nunca foi tão atual e necessária para se entender a crônica do país que está se assassinando.
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