Temos o regime de votação mais moderno e eficiente do mundo, o voto direto, secreto e universal na urna eletrônica, ao lado de uma sociedade extremamente desigual
A
palavra isogênese — no dicionário, igualdade ou semelhança de origem ou
desenvolvimento — é a linha que separa a democracia moderna das antigas, que se
baseavam na participação direta apenas de uma elite de proprietários, como na
República de Platão. É o fundamento ideal do regime democrático, que se baseia
na concepção enraizada no Ocidente de que a natureza humana faz os homens
originalmente iguais, não importa a condição social. Para que essa compreensão
se tornasse hegemônica, muito contribuiu o fundamento cristão de que todos os
homens são irmãos, porque são filhos de Deus.
Essa ideia-força foi um dos pilares da Revolução Francesa (1789-1799), que secularizou a fraternidade e ancorou o jusnaturalismo, ou seja, a doutrina de que os indivíduos são pessoas dotadas de moral e direitos inalienáveis e invioláveis, que lhes pertencem por natureza. Assim, a ideia de soberania popular se contrapõe à soberania do príncipe. Para se ter uma ideia de como as coisas avançaram neste terreno, basta lembrar que Nicolau Maquiavel, nas Histórias florentinas, dizia: “Em Florença se distinguem os nobres entre si, os nobres e o povo, e por último o povo e a plebe.”
Alguém
já disse que o passado é como um diamante, ninguém joga fora. O nosso nos
garantiu instituições políticas seculares – como o Senado e o Supremo Tribunal
Federal, por exemplo, pilares do Estado nacional, da integridade territorial e
da conciliação entre as elites —; de outro, uma ordem social iníqua, em que a
herança da escravidão até hoje se faz presente. Temos o regime de votação mais
moderno e eficiente do mundo, o voto direto, secreto e universal na urna
eletrônica, ao lado de uma sociedade extremamente desigual, na qual as
distâncias abissais entre os ricos, a classe média e os pobres somente não são
as da antiga república florentina — entre a nobreza, o povo e plebe — porque as
eleições igualam todo mundo na hora do voto.
Isso ocorre em todo o mundo, em razão das mudanças de regras de comportamento nas sociedades secularizadas; da não-integração plena dos estratos sociais de mais baixa renda; e dos avanços tecnológicos. Mas aqui a situação é mais grave. O presidente Jair Bolsonaro sonha com uma “ditadura do Executivo”. Vive fazendo ameaças aos demais Poderes e energiza grupos radicais, alguns verdadeiras milícias políticas armadas, dispostos a defendê-lo a qualquer preço contra a oposição. O agravamento da crise social pela pandemia é um terreno fértil para a violência social e política, por causa do desespero das famílias que passam por necessidades, daí a importância da solidariedade com os menos favorecidos, os “invisíveis”, para mitigar suas dificuldades nessa crise sanitária, sobretudo a fome.
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