Empresários
se dividem em como atuar na pandemia
Temos
acordado todos os dias com uma bomba-relógio nas mãos. Não temos vacinas
suficientes para acelerar a campanha de imunização nas próximas semanas e, pelo
andar da carruagem, corremos o risco de encerrar o primeiro semestre sem fazer
a tão esperada vacinação em massa para combater a covid-19.
Setembro
é o mês de referência para uma parte dos empresários e altos executivos do
país, reunidos no grupo Unidos pela Vacina, para que a imunização atinja boa
parte da população brasileira. No entanto, pelo atual ritmo - e bateção de
cabeça no governo federal -, o risco é de que esse prazo fique cada vez mais
longe. E isso preocupa.
As constantes crises no Brasil têm tornado o empresariado cada vez mais vocal. Pesos pesados do mercado financeiro e da indústria já se uniram para discutir a crise da Amazônia e cobrar ações mais concretas do governo de Jair Bolsonaro (sem partido) para um posicionamento mais firme em relação aos compromissos climáticos. Contudo, a reunião desta semana, na chamada Cúpula de Líderes sobre o clima, comandada pelo presidente americano, Joe Biden, também será importante para ver como os Estados Unidos poderão ajudar o país a atravessar a crise sanitária.
Mas
o que uma coisa tem a ver com outra? Tudo. Para um importante empresário ouvido
pelo Valor, a
crise de imagem do Brasil é tão grande que, a depender dos resultados das
rodadas marcadas para os dias 22 e 23, os Estados Unidos deverão definir se o
país poderá ser ou não ser uma das nações que estarão liberadas para comprar as
doses excedentes do mercado americano.
Nos
EUA, a expectativa é que até o fim de maio a imunização em massa esteja
concluída. Por aqui, nos resta a torcida para que o governo americano venda uma
parte de seus imunizantes excedentes que estariam com a data de validade
próxima do vencimento para que possamos dar uma maior agilidade à nossa.
Nas
últimas semanas, empresários e executivos brasileiros começaram a fazer um
esforço diplomático, conforme antecipou o Valor, para que essas doses extras sejam negociadas
para o governo brasileiro. Nos bastidores, esse grupo do Unidos pela Vacina tem
ajudado o governo federal nessa empreitada.
Trabalham
em silêncio, porque não querem provocar mais uma turbulência ao melindrar
representantes do governo. Esse grupo acredita que o setor privado tem de
ajudar o governo federal, Estados e municípios a detectar onde estão os
principais problemas de infraestrutura. A compra de vacinas deve ser feita pelo
governo - não pela iniciativa privada - e as doses devem ser doadas
integralmente para o Sistema Único de Saúde (SUS).
Levantamento
que será divulgado hoje pelo movimento liderado pela empresária Luiza Trajano
revelará que boa parte dos municípios brasileiros não tem infraestrutura básica
- 40% das cidades não possuem geladeira com medição de temperatura e alarme em
boas condições, equipamento fundamental para armazenar o imunizante. E 15%
apontam a necessidade de equipar as salas com itens básicos, como pia com água,
sabonete e papel toalha. Esses dados revelam a fragilidade de boa parte dos
municípios do país no combate à pandemia, uma fratura exposta.
Mas,
afinal, os empresários deveriam meter a colher e ajudar os gestores públicos em
problemas tão básicos? Sim, devem. E a questão que fica: essa parceria público-privada
poderá se perpetuar após o Brasil atravessar o pior momento da pandemia?
“Essa
crise mostra que o lado social e filantropo ficou mais eficiente”, disse um
alto executivo. “Mas esse movimento é apenas um band-aid. Não resolve os
conflitos sociais”, complementa. Para esse executivo de uma das maiores
indústrias brasileiras, ficou muito claro que boa parte dos municípios não tem
o mínimo para atravessar a pandemia. “Recebo ligações tarde da noite de cidades
que não têm oxigênio suficiente para a o dia seguinte.” Isso, para ele, é o
verdadeiro caos social. E mostra que o SUS é importante.
Para
outra frente de empresários, apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, contudo,
a saída é comprar vacinas e imunizar os trabalhadores que estão na ativa ao mesmo
tempo que o grupo prioritário. É o que defende o Carlos Wizard, do grupo
Sforza, que lidera um pool de empresas disposto a desembolsar R$ 500 milhões em
vacinas. “Meu foco é nos resultados. Estamos numa guerra.” Mas ele e seus
amigos, como o varejista Luciano Hang, dono da Havan, perceberam o óbvio: não
há vacinas disponíveis no mercado global. O preço a se pagar é alto.
Nesta
guerra, contudo, furar a fila é um erro. Concorrer com o SUS é passar por cima
de um projeto maior para o país. E uma parte dos empresários só enxerga a curto
prazo. A retomada da economia do Brasil depende - e muito - do avanço da
campanha de vacinação. Mas a transição para os próximos meses não será
resolvida com band-aids.
É
preciso pensar um projeto para o país, que não amarre somente as reformas
econômicas. Saúde e educação foram jogadas para escanteio. Mas agora o governo
Bolsonaro só está preocupado com 2022. O jantar oferecido pelo empresário
Washington Cinel, dono da empresa de segurança Gocil, na quarta-feira passada,
deixou isso bem claro. A claque ali presente ouviu de Bolsonaro que o inimigo a
ser combatido é “a corja do PT e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva”.
Bolsonaro
foi mais uma vez Bolsonaro. Foi aplaudido de pé por empresários e banqueiros -
que tomavam champanhe Dom Pérignon e soltavam risadas frouxas a cada palavrão
do presidente, que depois saiu distribuindo tapinhas nas costas para sua
claque. Ninguém ousou criticar o presidente. Pelo contrário: ressaltaram sua
autenticidade e culparam, mais uma vez, a imprensa. Naquela bolha da elite
social não estavam presentes a extensa lista de economistas, banqueiros e
industriais signatários à carta-aberta cobrando do governo federal medidas
efetivas de combate à pandemia. O mundo era só alegria.
Bolsonaro criticou duramente adversários políticos, entre eles o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), pelas medidas mais restritivas. E deixou bem claro que, no fundo, para ele, a covid-19 é apenas uma gripezinha.
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