Projeto
convida ao debate sobre como elevar arrecadação
Não
bastassem a segunda onda da covid-19 e a atual crise do Orçamento, está em
curso uma queda de braço entre a área econômica e Congresso em torno do projeto
que permite a atualização do valor de bens junto à Receita Federal, pagando-se
uma tributação reduzida sobre o ganho registrado. O centro da disputa é o
tamanho da alíquota, que na proposta original do senador Roberto Rocha
(PSDB-MA) é de 1,5%, enquanto o bloco P da Esplanada dos Ministérios defende
pelo menos o dobro.
Estimar o impacto arrecadatório dessa iniciativa está mais no ramo dos jogos de azar do que da matemática e da economia, dado que dependerá de decisões individuais, com motivações as mais variadas. Seja como for, pode representar um reforço na arrecadação nesses tempos de necessidades de recursos fiscais, sem impor mais um peso na atividade econômica.
Entusiasta
da ideia, o advogado Luiz Gustavo Bichara, sócio de escritório de mesmo nome,
destaca que o projeto 458/2021 alcança não só imóveis, mas outros bens. Para
ele, é daí que pode vir o grande reforço de receitas para a União. Bichara diz
que o desenho permite atualizar os valores em participações societárias, que
poderia antecipar receitas de futuras (e incertas) de aberturas de capital
(IPOs). “As participações societárias gerariam muito mais receita que os
imóveis”, salientou, acrescentando que nada garante que esses eventos ocorrerão
no futuro. “É um ganha-ganha”.
A
área técnica da Receita não tem simpatia pela proposta, mas participa das
negociações porque o ministro da Economia, Paulo Guedes, defende a ideia.
Assim, a briga é para elevar a alíquota de 1,5%, considerada “absurdamente”
baixa. Também há debate sobre deixar bens móveis entre as hipóteses de
atualização. Há resistências no Senado, onde a matéria tramita, e tentativas de
aproveitar a demanda da Economia por taxação maior para emplacar outros
projetos de interesse dos parlamentares, como novas Zonas de Processamento de
Exportação (ZPE). O assunto já entrou duas vezes na pauta do plenário e, na
última vez, saiu a pedido da Receita.
Concorde-se
ou não, o tema convida à reflexão sobre arrecadação e reforma tributária.
Muitos consideram a carga de impostos e contribuições no Brasil muito alta, mas
a realidade é que, desde 2014, com o fraco desempenho econômico, a capacidade
de geração de caixa do país perdeu força, mesmo com a recuperação recente.
Há
mais de um ano, o Congresso está sentado sobre duas propostas de reforma,
completadas pouco depois pelo projeto do governo para a criação da Contribuição
sobre Bens e Serviços (CBS), em substituição ao PIS/Cofins. Nada andou até
agora, apesar das promessas reiteradas.
Mas
a área econômica ainda não desistiu, embora fontes reconheçam as dificuldades
para o seu avanço. Os trabalhos da comissão mista da reforma foram prorrogados.
O relatório do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), porém, ainda não foi
apresentado. Lideranças relatam que o tema só não está andando por causa da
crise do Orçamento, que toma conta do Congresso há semanas, e das votações
estarem voltadas para temas ligados à nova onda da covid-19. E que o compasso
de espera deve seguir até que Economia e o presidente da Câmara, Arthur Lira
(PP-AL), acertem os ponteiros.
O
ex-secretário de Política Econômica do ministério da Fazenda e pesquisador do
Ibre/FGV, Manoel Pires, considera que, no âmbito da agenda fiscal, é
fundamental se discutir o lado da receita. Segundo ele, essa percepção tem
crescido, inclusive no mercado financeiro, devido aos ventos externos (como o
pacote dos EUA), que colocam essa pauta na ordem do dia.
“A
questão é como você consegue aumentar a tributação sem maltratar o crescimento
econômico.” Pires diz que é preciso atacar temas como a tributação dos mais
ricos e a busca de um sistema que incentiva empresas a investirem em vez de
distribuírem lucros.
Para
ele, a atualização patrimonial é uma antecipação de imposto sobre riqueza, mas
diz que não chegou a estudar o assunto. Pires crê que o Brasil tem espaço para
aumentar a tributação sobre renda e patrimônio, já que os números mostram que,
em uma amostragem de 20 países da OCDE, o Brasil é quinto que menos taxa essas
bases.
O
diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Felipe Salto,
aponta que o Brasil peca nos dois lados da equação fiscal, despesa e receita.
Para ele, o teto de gastos não é uma âncora suficiente para reverter a
tendência de alta da dívida e que é preciso cuidar do resultado primário. E,
nesse sentido, admite, é preciso buscar ganhos de arrecadação.
Por
isso, elogiou a inclusão na PEC Emergencial do comando para o governo enviar
proposta de revisão de benefícios fiscais. Porém, lamentou não haver nada no
dispositivo que force o Congresso a aprovar um texto, ou seja, o tema pode
seguir parado. Salto vê como inescapável a discussão sobre tributação de renda
e patrimônio dos ricos, mas diz que o debate de elevar carga não é trivial e
que não se deve esquecer da necessidade de se buscar eficiência no gasto.
Ex-assessor
especial do Ministério da Economia e economista-chefe da XP Investimentos, Caio
Megale considera que o caminho para resolver a situação fiscal é equacionar a
despesa, buscando mais flexibilidade e eficiência. Ele destaca que o gasto mais
eficaz é o Bolsa Família, que representa pouco mais de R$ 30 bilhões em um
Orçamento de R$ 1,5 trilhão.
Para
ele, subir impostos foi um caminho adotado no passado, sem sucesso. “A carga já
é alta no Brasil e elevá-la pode colocar mais pressão sobre o conjunto da
economia”, disse, criticando ideias como a volta da CPMF. Megale afirma ser
possível fazer um sistema tributário com maior progressividade, cobrando mais
dos ricos e aliviando a carga dos mais pobres. Isso, em sua visão, pode
inclusive ajudar a economia a crescer mais.
O
ex-assessor também se mostra favorável à ideia da atualização patrimonial. “É
uma coisa legal de se fazer e o momento é muito bom”, disse.
Fica
a torcida para que Economia e Congresso voltem a se entender e consigam
destravar a reforma tributária. E, mais importante, que o governo tome jeito e
coloque em marcha um plano de vacinação mais acelerado e abandone de vez o
negacionismo que tanto mal está fazendo para os brasileiros, na saúde e na
economia. Sem isso, não há reforma que dê jeito.
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