O
requerimento para a criação de uma CPI da Covid-19, protocolado no Senado no início de
fevereiro, deixou há muito de ser um pedido de investigação para ser um
termômetro que afere as chances de sobrevivência política do presidente da
República. Aos olhos de hoje, os líderes da Câmara e do Senado parecem ter
concluído que Bolsonaro, que esteve na UTI, já pode ser politicamente
desentubado.
O
requerimento tem a assinatura de 31 senadores, mais do que as 27 exigidas, e o
objeto da investigação é definido: “apurar as ações e omissões do governo
federal no enfrentamento da pandemia da Covid-19 no Brasil e, em especial, no
agravamento da crise sanitária no Amazonas com a ausência de oxigênio para os pacientes internados”
nos primeiros meses de 2021.
Nessas
circunstâncias, o regimento do Senado diz que o pedido deve ser lido em
plenário e a CPI, instalada imediatamente. Mas Pacheco, eleito para o cargo com
o apoio de Bolsonaro, está há dois meses produzindo desculpas para não
fazê-lo. A última foi expressa num documento enviado ontem pelo Senado ao
Supremo Tribunal Federal, em resposta a uma ação de parlamentares pedindo a
instalação da comissão.
Diz que a CPI poderia ter “efeito inverso ao desejado”, produzindo “desconfiança da população em face das autoridades públicas em todos os níveis”. Menciona, ainda, um eventual “apagão das canetas”, em que os gestores públicos deixariam de tomar decisões urgentes por medo de punição.
Causa espécie o argumento de que não se deva apurar responsabilidades por uma tragédia sanitária para não causar medo em gestores públicos. Crises são momentos desafiadores, mas não podem ser consideradas salvo-conduto para desvios que causam mortes.
Além
disso, acreditar que, depois do colapso no Amazonas e da omissão do governo
federal na obtenção de vacinas, será uma CPI que dilapidará a confiança do
brasileiro nas autoridades públicas soa tão falso como a promessa milagrosa de
cura oferecida pela cloroquina.
Outra
coisa que se ouve muito no Congresso é que “uma CPI desviaria o foco”, que deve
ser voltado para a obtenção de vacinas. É fato que a pressão dos senadores
removeu do cargo o chanceler Ernesto Araújo. É verdade também que o discurso do
presidente da Câmara, Arthur Lira, ameaçando o governo com “remédios amargos” e
até fatais (como uma CPI), causou paúra em Bolsonaro.
Depois disso, ele abriu negociações para comprar a Sputnik V. Mas é difícil entender como uma CPI com 11 de 81 senadores poderia causar mais tumulto que os conflitos promovidos pelo próprio presidente da República.
A questão, aí, parece ser quem se quereria proteger do tumulto. Com a naturalidade de quem entendeu que o que estava em jogo era a ocupação de espaços na máquina pública, e não a confiança da população, Bolsonaro pagou a fatura. Cedeu a cabeça de Araújo ao Senado e entregou um ministério dentro do Palácio do Planalto à Câmara, nomeando para a Secretaria de Governo uma afilhada de Lira, a deputada Flávia Arruda.
No
dia seguinte, o presidente da Câmara foi ao Planalto se reunir com o ministro
da Saúde e saiu com discurso de líder de governo, desafiando as informações de
prefeitos e governadores sobre a vacinação. “Por que o Brasil distribuiu 34
milhões de doses de vacinas e nós só temos 18 milhões de doses aplicadas? Não
acho que seja possível que nenhum governador e nenhum prefeito não esteja
vacinando.”
De
um dia para outro, o remédio amargo virou água com açúcar.
Na
Câmara, o foco de Lira passou a ser atender os empresários bolsonaristas
Luciano Hang e Carlos Wizard, que reivindicavam mudanças na lei que permitiu a
compra de imunizantes pelo setor privado.
O
texto aprovado em março mandava as empresas doarem as doses compradas ao SUS
até que fossem vacinados todos os brasileiros do grupo de risco para a
Covid-19. Só depois elas poderiam imunizar seus funcionários, entregando ao SUS
uma dose para cada empregado vacinado.
Para
atender Hang e Wizard, Lira aprovou, em regime de urgência, o fim da obrigação
de esperar a vacinação dos grupos prioritários — o que rendeu ao projeto o
apelido de “fura-fila”.
E
Bolsonaro, de novo à vontade, voltou a defender remédios sem eficácia, visitou
sem máscara bairros populares nos arredores de Brasília e falou contra medidas
de isolamento social. No dia seguinte, o Brasil ultrapassou a marca de 4.000
mortes por dia pela Covid-19.
No ofício ao STF, Pacheco afirma que a população “reclama a priorização de soluções, e não a busca de culpados”. A julgar pelos últimos lances, o Congresso não está preocupado em encontrar nem uma, nem outra.
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