-
O Globo
Assim
como chegou a vez de extinguir a Lei de Imprensa promulgada na ditadura
militar, graças à ação, em 2009, do então deputado federal Miro Teixeira,
jornalista e advogado, parece ter chegado ao fim a vigência da famigerada Lei
de Segurança Nacional.
O presidente da Câmara, Arthur Lira, quer colocar em votação um pedido de
urgência para a análise de um projeto de lei que revisa integralmente a LSN. As
mesmas razões se impõem hoje. Conforme argumentou na ocasião Miro Teixeira, a
Lei de Imprensa imposta pela ditadura militar continha dispositivos
incompatíveis com o Estado de Direito inaugurado com a Constituição de 1988,
como a prisão de jornalistas condenados por calúnia, injúria e difamação.
Com sua revogação, as questões envolvendo notícias ou comentários têm nos
Códigos Civil e Penal sua resolução. Também a Lei de Segurança Nacional (LSN)
tem servido de base para diversas ações do atual governo contra seus
opositores, jornalistas e cidadãos em geral. Dados oficiais mostram que, nos
últimos 18 meses, foram abertos 41 inquéritos com base na LSN, mais do que em
qualquer período dos últimos 20 anos, quando foi usada 155 vezes.
O artigo 26, que considera crime “caluniar o Presidente da República, o do
Senado federal, o da Câmara dos Deputados ou o do Supremo Tribunal Federal,
imputando-lhes fato definido como crime ou fato ofensivo à reputação”, é o mais
usado para coagir os críticos do governo. O projeto de lei na Câmara pretende
alterá-lo para considerar crime apenas atentados contra a integridade física de
autoridades, cuja pena pode chegar a 30 anos em caso de morte.
Uma dificuldade, ou um constrangimento, para que o Supremo Tribunal Federal
(STF) reveja a LSN é que ele a vem utilizando em inquéritos sobre os ataques
desferidos contra o próprio Supremo, nas manifestações antidemocráticas
acontecidas e na prisão do deputado Daniel Silveira.
Existe, porém, uma explicação jurídica para isso: a lei está em vigor até que
seja extinta. Também a Lei de Imprensa era usada para processar jornalistas ou
exigir direito de resposta, até ser revogada. Por isso mesmo, deve ser extinta.
O ministro Gilmar Mendes, que é o relator de ações no Supremo que pedem que a
LSN seja revogada, deu cinco dias para que o Ministério da Justiça justifique o
uso da lei contra os que supostamente ofenderam o presidente da República.
Para o ministro Luís Roberto Barroso, a Lei de Segurança Nacional precisa de
uma revisão, ou mesmo revogação completa, para sanar as “inconstitucionalidades
variadas”. Ele falou em seminário virtual do Instituto Brasileiro de Ciências
Criminais, considerando a LSN “uma obsessão mais com a segurança do Estado do
que com a institucionalização da democracia e com o exercício pleno da
cidadania”.
Ao afirmar que a LSN não se coaduna com a atualidade da sociedade brasileira, o
ministro Barroso está entrando numa questão jurídica que vem sendo debatida
desde a promulgação da Constituição de 1988: a recepção das leis anteriores. O
jurista Marcelo Cerqueira, ex-deputado federal e advogado de presos políticos,
que atuou na Constituinte como assessor, defende desde sua tese de 1994, com
que foi aprovado como professor titular da Universidade Federal Fluminense,
que, como definiu o jurista austríaco Hans Kelsen, as leis incompatíveis com o
espírito de uma nova Constituição não são “recepcionadas”por ela, e considera
que a Lei de Segurança Nacional (LSN) é uma delas e deveria ser tratada não
apenas como inconstitucional, mas “ilegal”.
Para ele, “há um direito novo que o pacto político alargou e que a Constituição
refletiu. Os novos preceitos constitucionais permitem uma outra leitura do
direito, um novo impulso em que as regras velhas se vestem com novas roupagens
para ser aceitas na festa da democracia”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário