A França cortou os voos com o Brasil, e o
primeiro-ministro Jean Castex provocou risos no Parlamento ao falar do uso da
hidroxicloroquina por aqui.
Isso que chamam de Brasil soa cada vez mais
distante para mim. Guardo um país no escaninho da memória, mas o lugar onde
vivo hoje costumo chamar de Neverlândia.
É um lugar realmente estapafúrdio, onde um
Bolsonaro presidente troca ideias ao telefone com um senador Kajuru e ameaça
dar porradas num quadro da oposição.
No final de tudo, o senador Kajuru está
sendo processado por uma apresentadora de TV que ele ofendeu em entrevista,
após a conversa com o presidente. Tudo na verdade parece um enredo televisivo,
filmado com a luz de padaria e um cenário com cores berrantes.
Em Neverlândia, o presidente incorpora um
personagem do programa “Casseta & Planeta”, chamado Maçaranduba, obcecado
por dar porradas.
Em Neverlândia , o ministro do Meio
Ambiente é acusado pela polícia de se associar a desmatadores para protegê-los
da investigação e processo criminal. Isso jamais aconteceu no país chamado
Brasil, agora envolto em névoa, pairando sobre meus cansados neurônios.
Em Neverlândia, políticos ainda hesitam em apurar o que acontece, apesar de mais de 370 mil mortos, de a maioria da população ter fome e de alguns doentes amarrados na cama, por falta de sedativos e relaxantes musculares.
Em Neverlândia, um vereador mata um menino
a pancadas, e a mãe marca hora com a manicure.
Aquele país chamado Brasil nunca foi
perfeito. Seus orçamentos eram irreais. Mas, depois que se transformou, surgem
ideias como mandar o líder da Neverlândia para o exterior, para que não o punam
pelos crimes fiscais.
A ideia não vingou, não porque era absurda,
mas pelo fato de não ter para onde ir: as portas do mundo estão fechadas. Não
há saída para quem vive na Neverlândia. A única possibilidade real é buscar de
novo aquele país chamado Brasil, que escapou entre os dedos até se tornar isso
que está aí.
Será um reencontro difícil. Há muitos
Maçarandubas por aí, querendo dar pancadas. Apenas pelos músculos, não são
assim tão perigosos. O problema é o crescimento do número de armas, um dos
pontos básicos na transição para a Neverlândia.
Para reencontrar o Brasil, é preciso
admitir que a Neverlândia sempre esteve por aqui, como uma espécie de mais um
estado, não um espaço físico da Federação, mas um estado de espírito.
Nunca conseguiremos mandá-lo integralmente
para as terras do nunca mais. O que não é possível é deixar que substitua o
Brasil.
Éramos um país feliz, lembram? Havia
energia, criatividade no ar. Era o que sentiam os que nos visitavam nos tempos
de Brasil. A felicidade era, indiretamente, uma atração turística.
A pandemia revelou o que sabíamos, mas
jamais encaramos de frente, que são nossas desigualdades. Ao explodir num
momento de trevas num governo de obtusos negacionistas, ela provocou uma
tempestade perfeita.
A sobrevivência de países em momentos
históricos excepcionais depende da capacidade de unir forças, conjugar talentos
e vontades.
Quando se trata de um inimigo externo e
visível com o estrago de suas bombas, o trabalho de unir é mais fácil.
Estamos diante de um inimigo invisível, o
vírus, e de um adversário interno: a extrema-direita, que sempre existirá, mas
jamais nos representará, pois a soma dos seus erros e iniquidades nos
transfigurou em Neverlândia.
Diante de tudo isso, a tarefa essencial é
recuperar o país chamado Brasil, com o menor número de mortos. Os lideres de
Neverlândia eleitoralmente se desmancham com sua própria incompetência.
Mas e os mortos? Na Neverlândia morre mais gente do que nasce. Como estancar a mortandade e chegar vivo a 2022? É uma pergunta que deveria ofuscar todas as pequenas questões políticas, ciúmes e rancores que acabam sendo também uma forma de interiorizar a morte.
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